A conquista das meninas do futebol nas Olimpíadas deste ano em Paris trouxe mais uma vez a modalidade à tona. Nas mídias tradicionais, nas redes sociais, nas conversas de esquina, lá estiveram elas nessa semana olímpica. Agora, ainda mais heróicas e improváveis. E cada vez que o País faz ressurgir o futebol feminino do ostracismo, o assunto reverbera também nas memórias de Gravataí e Cachoeirinha, um dos berços dessa modalidade no RS.
Em Gravataí, houve um projeto com o feminino no Cerâmica, nos anos 1980, capitaneado pelo saudoso Irani Teixeira. Pouco depois, o Palmeirinha da Vila Marrocos manteve uma equipe que não perdia pra ninguém. Cachoeirinha, até tentou ano passado com um time no Campeonato Gaúcho, mas com maus resultados em campo, o projeto foi abandonado.
O desenvolvimento da modalidade no Brasil depende dessas pequenas ideias, que existem dispersas por todos os cantos do País. Os times que hoje representam clubes grandes, com projetos profissionais, como Corinthians, Palmeiras, a dupla grenal e alguns outros mais, são minoria. A maior parte das agremiações federadas representam clubes de bairro e suas comunidades. Iniciativas amadoras, que disputam os estaduais e as vagas para o Brasileirão A3.
O que deu a essas meninas da seleção um heroísmo improvável foi o fato de não se ter investimentos em categorias de base no Brasil, com raras exceções. Cada uma delas precisou chegar nesse alto nível físico e técnico por sua própria vontade, enfrentando preconceitos e jogando com garotos na escola. Nesse ponto específico, já se evoluiu alguma coisa nas últimas duas décadas. Mas é preciso evoluiur ainda mais. Futebol feminino não é só ferramenta de empoderamento, ou bandeira contra homofobia e machismo. É também mercado de trabalho e geração de renda para essa parcela ainda preterida pelos empregadores; mulheres, de maioria homosexuais, negras e vulneráveis na difícil missão de sobreviver e ter cidadania.
Futebol sempre foi uma metáfora da vida, onde nossa sociedade conservadora manteve o naipe feminino na obscuridade por muitas décadas. E a única forma de se romper com essa cultura é com a interferência do poder público. Que fiscalize as relações de trabalho das meninas nos clubes, e não permita à CBF, uma entidade privada, que aplique calote nos times das séries A2 e A3, como ocorre hoje. O direito de imagem, os 5% do clube formador, as condições de trabalho precisam se espelhar no que acontece com os homens nesse esporte bretão que pertence a todos nós.