Ao longo da História, quando jovens decidiram manchar as mãos participando do presente sem esperar o futuro, sempre causaram pânico no poder constituído. O Seguinte: reproduz o artigo de Juan Arias, publicada pelo El País
Ao menos desta vez, o poder de turno no Brasil entendeu a mensagem oculta levada pelos quase um milhão de jovens estudantes que no último dia 15 saíram às ruas em 26 Estados e em centenas de cidades para defender o ensino contra quem deseja barbarizá-lo. Cansados de serem vistos como o futuro do país, que nunca chega, os jovens decidiram ser o presente e participar de sua construção.
O presidente da República, o ultradireitista Jair Bolsonaro, entendeu isso imediatamente e da cidade de Dallas, nos Estados Unidos, onde se encontrava para receber uma homenagem que lhe havia sido negada em Nova York, não tardou em qualificar aquele mar de estudantes como “idiotas úteis” e “imbecis” manipuláveis.
O novo Governo pretende transformar o ensino, da escola primária à Universidade, para livrá-lo da ideologia esquerdista que, segundo ele, o havia desviado de seus valores tradicionais. O ensino que o novo poder pretende impor deve estar isento de debate político, de diversidade de ideias, dominada por um pensamento único, que, como nos melhores fascismos do passado, é imposto pelo Estado.
Uma escola em que não se perca tempo estudando o que depreciativamente chamam de “ciências humanas”. Nada de filosofia, que obriga a pensar e a questionar o poder, ou de sociologia, que abre os olhos para o abismo das desigualdades. Uma escola em que os alunos se transformem em guardas que vigiem e denunciem os professores se tentarem falar de política ou de sexo, ou das dores do mundo. A escola é moldada pelo poder. Os alunos escutam e se calam.
Contra o perigo desta nova era de obscurantismo educacional que o Governo deseja impor, com uma nova cruzada contra os livros e as ideias enquanto exalta as armas que pretende distribuir como doces, os jovens ocuparam pacificamente as ruas e praças do país, para desafiar quem tenta castrar seu direito à liberdade de expressão e impor suas ideias.
Estes novos jovens, que dizem não ser “nem de direita nem de esquerda, e sim para frente”, abrindo juntos novos caminhos de liberação, entenderam que o novo poder tenta moldá-los à sua imagem e ideologia. Quebraram o mito de que só o futuro lhes pertencia, já que o presente seria propriedade do poder. Entenderam que quem tenta amestrá-los preferiria que se sentissem os heróis do amanhã. Assim, o presente seria construído sem que eles pudessem participar.
Agora que esses jovens estudantes decidiram ser filhos do hoje, metem medo duplamente, porque querem poder opinar, participar, decidir e denunciar não os seus professores, e sim àqueles que pretendem domesticá-los e lhes dizer como devem viver e amar, pensar e até sonhar. Decidir por eles o que é bom e o que é pecado. Quando Bolsonaro os chama de “idiotas e imbecis”, na verdade o que sente é medo. E esse desafio não acabou.
Os jovens, ao longo da História, quando decidiram manchar as mãos participando do presente sem esperar o futuro, sempre causaram pânico no poder constituído, derrubaram governos e abriram novos caminhos de liberdade.
Enquanto os jovens estudantes brasileiros forem capazes de perder o medo de quem pretende enjaulá-los e domesticá-los, este país saberá se livrar do inferno de autoritarismo e do deserto de ideias em que decidiram transformá-lo.