Preparadas para morrer
Eu passei a infância ouvindo falar do Juízo Final, do fim dos tempos e das profecias apocalípticas de Nostradamus e não dava bola a nada disso.
Mas, lá pelos meus nove anos, a Delma, que trabalhava lá em casa, apareceu toda alarmada, no meu quarto, uma manhã, e disse que tínhamos de ir nos confessar, para estar preparadas para o fim do mundo, anunciado para o dia seguinte por um vidente que aparecera na tevê.
Se havia dado na tevê, pensei eu, a coisa era séria. E enquanto ela me arrastava para a Igreja Sebastião, do bairro Petrópolis, de Porto Alegre, onde vivíamos na época, eu sentia, além do terror dessa notícia, a dificuldade de inventar ao menos um pecado para contar ao Cônego Alfredo, pois jamais me ocorria algo na hora: “Será que lhe digo que falei ‘nomes feios’ pros meus irmãos? Será que falo que menti pra mãe?”…
Mas, para nossa surpresa, o fim do mundo não ocorreu e, já com os corações tranquilos, tratamos de saber alguma coisa a respeito, pelo Repórter Esso, veiculado pela TV Piratini.
Mas o único que vimos, ali, sobre o assunto, foi um repórter que, no meio da rua, indagava aos passantes se haviam mudado algo em sua rotina em função da previsão do fim do mundo.
Entre as respostas, ouvimos barbaridades, mas a que mais gostei foi a de uma senhora que disse ter ficado tão assustada que só não fugiu para o Uruguai porque não conseguiu a grana da passagem.
A partir daquela data, voltei a não dar bola para os profetas e comecei a ter “um pé atrás” com os meios de comunicação.
Aprendendo a comprar
Quando meus filhos eram pequenos, eu lhes dizia que quem sabe vender não passa fome em lugar algum do mundo e que, independentemente do caminho que escolhessem para suas vidas, naquela casa todo mundo teria de aprender a vender.
E, ao mesmo tempo, tratava de ensiná-los a comprar, para que se tornassem menos dependentes e não se deixassem engabelar por comerciantes vivaldinos.
Um dia, estávamos na piscina do clube que frequentávamos lá em Quito, no Equador, onde vivíamos, e a Nanda, que tinha uns seis anos de idade, pediu-me dinheiro para comprar um sorvete e lá se foi, toda pimpante, em direção ao bar.
Mas o balcão do bar era muito alto e sua dona não a via ou fingia não vê-la. Depois de algum tempo, a Nanda já estava contrariada, pois só os adultos eram atendidos e nunca chegava sua vez. Daí, começou a dar saltinhos, diante do balcão, com o braço esquerdo (ela é canhota) estendido e mostrando o dinheiro, enquanto exclamava: “Fabiolita, dame un helado! Fabiolitaaaa, dame un helado!”.
Mas a tal Fabiolita continuava a ignorá-la. Eu a observava de longe, mas comecei a me aproximar, devagarinho, para o caso de ter de intervir, esperando, ainda, que tivesse uma reação mais efetiva. Foi aí que a vi dar vários passos para trás, a fim de ficar visível, e pôr a boca no trombone: “Fabiolita, qué pása? A ti no te gustan los niños?”.
E, em dois minutos, estava com seu sorvete de amora na mão e eu, ali, cheia de orgulho da cria.
Paciência com os professores
Um dia, quando tinha uns nove ou dez anos, minha filha Carla chegou toda agitada da escola, lá no Equador, onde vivíamos: "Mami, el maestro dijo que todos los ecuatorianos son católicos, pero esto no es verdad, no?"
Eu lhe expliquei que o professor estava equivocado e mencionei várias pessoas conhecidas que eram de outras religiões. E lhe disse que não havia nada de mal em discordar do professor, desde que fizesse isto de forma delicada.
No dia seguinte, ela retomou o assunto: "Mami, yo le expliqué al maestro, con mucha paciencia, que ni todos los ecuatorianos son católicos y que tu conoces varias excepciones". Quando lhe perguntei o que o professor havia respondido, ela contou: "Él dijo: sí Carlita, tienes razón: hay unas poquitísimas excepciones, poquitísimas!!!"