RAFAEL MARTINELLI

A noite em que a Câmara ‘armamentista’ de Gravataí foi macabra; Vereadores sem vergonha de fechar o caixão

CACs comemoraram aprovação do projeto na Câmara | Foto Andreo Fischer

A Câmara de Gravataí foi macabra ontem, mais do que reportei dia 4 em A Câmara de Gravataí é armamentista, ou vota só para agradar o vereador amigo.

Usando as palavras monstruosas do vice-presidente da República Hamilton Mourão, quando recém “fechou o caixão” de uma pessoa assassinada pela intolerância política, os vereadores permitiram a aprovação de um projeto que usa armas como instrumento político.

Se faltou o bolo decorado com um revólver de glacê do aniversário de Eduardo Bolsonaro, ao comemorar a aprovação na casa política foram cometidos gritos de “Bolsonaro” e “mito”; e vaias aos contrários.

Com 13 votos favoráveis, quatro contrários e duas abstenções (ao fim deste artigo trago os votos e a análise sobre alguns os mais influentes), foi aprovado o Projeto de Lei 27/2022 que “Institui a Semana Municipal dos Colecionadores, Atiradores e Caçadores – CACs, no município de Gravataí”.

Como disse o próprio autor, o vereador que porta a alcunha Policial Federal Evandro Coruja (PP):

– Não se trata de armas, mas de liberdade.

Que liberdade é essa, questiono?

Qualquer imbecil sabe que não se trata somente de autodefesa, quando o líder maior da nação, Jair Bolsonaro, no dia em que era velado um cadáver com motivação política, falou na tal “liberdade” e comemorou os “700 mil CACs” – esses mesmos saudados pela nossa Câmara.

Mais: disse que “povo armado nunca é escravizado”, notoriamente incitando a luta armada, ao pregar como um Jim Jones às avessas (porque mata, não suicida) o descrédito às instituições que são pilares da democracia; ao mentir em live criminosa que houve fraude nas eleições de 2014 e 2018, e vai haver fraude nas urnas em 2022; e ao permitir aos seus seguidores que entendam necessário se armar porque algo precisa ser feito, já que haveria uma conspiração em curso para tirar uma vitória sua que é certa.

E tudo sob os olhares silenciosos, ou, pior, subservientes, daqueles que deveriam defender a Bíblia da República, que é a Constituição, sejam ou não consumidores de viagra, próteses penianas, picanha e open bar de boas bebidas.

Como resumiu o jornalista Reinaldo Azevedo, é um discurso que cria “uma cultura que faz Guaranhos”, sobrenome de Jorge, nome do assassino de Marcelo Arruda.

Sob os olhares do coordenador do Pró-Armas gaúcho, Wagner Galardão, o vereador PF Coruja, na defesa do projeto, argumentou que buscava “desmistificar” o “mundo do tiro e da autoproteção com treinamento”, exercida por “pais de família” – lembro eu, “pais de família” como as personagens de famílias destruídas domingo; uma mortalmente.

Disse Coruja que escolheu a semana de ‘comemorações’ porque em um 3 de agosto de 1920 o militar Guilherme Paraense ganhou no tiro a primeira medalha olímpica de ouro do Brasil.

Citou como dados para sustentar sua argumentação que entre janeiro de 2016 e julho de 2019 a polícia do Rio de Janeiro apreendeu 50 mil armas e apenas 11 eram lícitas.

– É palhaçada achar que o Estatuto do Desarmamento protege o cidadão de bem. Não, ele desarma o cidadão de bem – discursou, em calças camufladas, cometendo a verdade de que “não é sobre armas, é sobre liberdade”.

Como contraponto, trago outros dados, entre os quais, por justiça grifo, não aparecem CACs de Gravataí.

Um levantamento feito pelo jornal “O Globo” em Tribunais de Justiça de todo o país identificou CACs que integram milícias e grupos de extermínio, são armeiros de facções do tráfico e atuam como fornecedores de armas e munição para assaltos a bancos e sequestros.

Há processos em que 25 CACs foram acusados ou condenados por fazerem parte de organizações criminosas que agem em nove estados – 60% deles foram presos ou denunciados à Justiça depois do início do governo Bolsonaro, que facilitou a obtenção de registros e possibilitou o acesso a maiores quantidades de armas e munição pela categoria.

Até um chefão da maior facção do tráfico de São Paulo conseguiu virar CAC.

Levi Adriano Felício, preso no Paraguai, era apontado pelo Ministério Público como um “executivo” da quadrilha no país vizinho, responsável por adquirir drogas e enviar remessas para o Brasil. Mesmo integrando a facção desde a década de 1990 e tendo uma condenação nas costas por tráfico desde 2008 tinha um registro de colecionador.

Bandidos comuns tem mais armas? Óbvio. Mas é delinquência intelectual argumentar que basta ser ‘CAC’ para ser ‘cidadão de bem’.

É uma questão de lógica, matemática.

Ao longo do governo Bolsonaro, houve um processo de flexibilização para a compra de armas de fogo. Hoje, atiradores podem ter até 60 armas, sendo 30 de uso restrito, como fuzis. Em relação à munição, cada CAC pode comprar 180 mil balas ao ano. Os caçadores podem comprar até 30 armas, 15 de uso restrito, e 6 mil balas. Para os colecionadores, não há limite numérico, mas são cinco peças de cada modelo, além de 6 mil balas.

A quantidade de pessoas com certificado de registros de armas de fogo no Brasil cresceu 474% ao longo do governo de Bolsonaro, conforme o Anuário de Segurança Pública.

Os números foram levantados com base em informações do exército e levam em conta os registros de CACs, isto é, atividade de caçador, atirador desportivo e colecionador. Em outras categorias de registros também houve crescimento.

Antes do início do governo Bolsonaro, em 2018, o Brasil tinha 117,5 mil pessoas com registro de CAC. Agora, são mais de 673,6 mil registros. Há quatro anos, a cada 100 mil brasileiros, 56 tinham autorização para ter uma arma. Agora, a cada 100 mil brasileiros, 314 são CAC.

Ouvidos pelo G1, Isabel Figueiredo, Ivan Marques e David Marques, pesquisadores do Fórum de Segurança Pública, afirmam que, com o aumento do número de registros, também cresce a possibilidade de armas regulares serem desviadas para o crime.

– Em síntese, há um conjunto de ingredientes que desconsideram as evidências científicas sobre o impacto de longo prazo que armas de fogo e munições exercem na sociedade brasileira e que preparam o país para um cenário literalmente explosivo.

Acrescento ao “explosivo”, o pior: “mortal”.

Sobre os votos em Gravataí, há obviedades e vergonhas – ao menos em minha análise.

Alan Vieira (MDB), líder do governo Luiz Zaffalon, exerceu seu bolsonarismo de sapatênis, ao defender e votar a favor do projeto. Alan foi Alan, e foi honesto, não se escondeu.

Assim como Alex Peixe (PTB), ex-petista, que, “por seus princípios”, disse ser contrário ao projeto, mesmo estando no partido do Roberto Jefferson de coldre.

Thiago De Leon (PDT) votou contra, mas silenciou.

Anti-armas, Dilamar Soares (PDT) mostrou sua coragem e, além de votar contra, deu aula sobre os riscos da intolerância.

Alheio aos grandes debates de plenário, Bino Lunardi (PDT) entendo fez muito, ao se abster.

Cláudio Ávila (PSD) revelou que só é o ‘vereador do Lula’ por defender o Lula, não uma ideologia, seja por conveniência ou sei-lá-o-quê.

Vale o mesmo para Paulo Silveira (PSB), que votou a favor, mesmo se apresentando como o candidato a deputado estadual da esquerda após, em maio, sair do ‘Fantástico Mundo de Marco Alba e Luiz Zaffalon’.

Mas a vergonha, reputo, em minha análise, foi Anna Beatriz da Silva (PSD), que em Desculpa, vereadora de Gravataí Anna Beatriz: fui machista; A menina de 10 anos e a Klara Castanho já descrevi como “minha gêmea ideológica”. Retiro.

Se absteve, Anna!

Se foi para ‘preservar’ o marido Dimas Costa, candidato a deputado estadual e que tem eleitores bolsonaristas, ao menos permitiu a leitura de que seu voto é, também, dele.

Diferente fez Márcia Becker (MDB), companheira de um guarda municipal armado: votou contra porque é a ‘vereadora da causa animal’, convicção que, contra eventuais danos eleitorais, colocou em primeiro plano contra as armas, e a caça, mesmo sendo apoiadora da candidatura à reeleição da deputada estadual Patrícia Alba (MDB), com quem não vive em união estável.

Ao fim, reafirmo: a Câmara de Gravataí, a quarta economia gaúcha, foi macabra. Não poderia o projeto dos CACs ter sido votado em pior momento. Nem trato como um dos Grandes Lances dos Piores Momentos, porque não há humor nisso. Bolsonaro vê nos CACs suas milícias. E quem conversa com bolsonaristas de diferentes classes sociais sabe que o ‘mito’ os convenceu de que uma derrota nas urnas não deve ser aceita.

Muitas dessas pessoas já estão armadas.

Repito o alerta: os “atiradores” podem ter até 60 armas, sendo 30 de uso restrito, como fuzis. Em relação à munição, cada CAC pode comprar 180 mil balas ao ano. Os caçadores podem comprar até 30 armas, 15 de uso restrito, e 6 mil balas. Para os colecionadores, não há limite numérico, mas são cinco peças de cada modelo, além de 6 mil balas.

Espero ser o ‘louco da aldeia’; e que nenhuma tragédia ocorra. Meu medo é testemunhar em muitos, como no poema de Drummond citado por Reinaldo Azevedo, a surpresa do czar que caçava homens ao saber que também caçavam borboletas.


OS VOTOS

: A favor do projeto – Alan Vieira (MDB), Alison Silva (MDB), Áureo Tedesco (MDB), Bombeiro Batista (PSD), Claudecir Lemes (MDB), Claudio Ávila (PSD), Clebes Mendes (MDB), Carlos Fonseca (PSB), Fernando Deadpool (DEM), Paulo Silveira (PSB), Demétrio Tafras (PSDB), Mario Peres (PSDB) e Policial Federal Evandro Coruja (PP),

: Contra o projeto – Alex Peixe (PTB), Dilamar Soares (PDT), Márcia Becker (MDB) e Thiago De Leon (PDT).

: Abstenções – Anna Beatriz da Silva (PSD) e Bino Lunardi (PDT).

: Ausência – Fábio Ávila (Republicanos)

: O presidente da Câmara Roger Correa (PP) só precisaria votar em caso de desempate, mas manifestou voto a favor.

Participe de nossos canais e assine nossa NewsLetter

Facebook
WhatsApp
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Conteúdo relacionado

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Receba nossa News

Publicidade