Por mais que a Prefeitura de Cachoeirinha tente encerrar a vergonha com uma nota seca e duas demissões, a denúncia de fraude no Bolsa Família revela um escândalo que não pode ser tratado com o pano quente da conveniência política. Não estamos falando de um erro isolado, mas de um potencial esquema sistemático, descarado e bem estruturado.
E mais: não se trata apenas de dinheiro público indo para o ralo, mas da confiança da população sendo jogada fora como papel de protocolo falsificado.
Em um país onde a imagem da ‘picanha do Lula’ virou símbolo — ora de promessas de dignidade, ora de zombarias maldosas —, em Cachoeirinha parece que teve gente se refestelando com um banquete à custa do Bolsa Família.
Só que, em vez de famílias pobres botarem carne na panela, o que podemos ter é — conforme o denunciante que procurou o vereador Gustavo Almansa (PT), que levou o caso ao Ministério Público, e a Band, que produziu reportagem — gente morando em apartamento de luxo, ganhando R$ 8 mil por mês, fazendo faculdade privada, e ainda recebendo os R$ 600 destinados aos mais vulneráveis.
Quem denunciou o esquema foi claro: não precisava nem ir ao Cras — o benefício fraudulento chegava pronto, com papelada entregue em casa e orientação por vídeo.
E o mais irônico: a propina cobrada era de metade do benefício. “Você fica com R$ 300, a gente com os outros R$ 300”. Um “canetaço” que supostamente valia mais do que qualquer critério social. Fica pior: segundo o denunciante, com ameaças feitas quando a proposta indecorosa foi recusada.
A reação da Prefeitura foi protocolar. “Foram afastados e demitidos.” Muito justo. Mas insuficiente.
Cachoeirinha precisa saber o tamanho da fraude. Só em julho, foram 7.217 famílias atendidas, totalizando 18.491 pessoas. Se o benefício médio é de R$ 600, estamos falando de mais de R$ 4 milhões por mês e uma projeção de R$ 60 milhões anuais circulando em nome do Bolsa Família no município.
Qual o percentual dessa quantia foi parar no bolso de fraudadores? Ninguém sabe — e ninguém saberá, se a Prefeitura continuar tratando o caso como se fosse um erro de RH.
O governo Cristian Wasem (MDB), que diz que “não compactua com tais atos” precisa fazer uma revisão imediata e minuciosa dos cadastros do CadÚnico no município. É preciso criar canais sigilosos para denúncias internas, porque — como o próprio denunciante disse — “muita gente sabe, mas tem medo de falar”.
E, por fim, a Prefeitura deve prestar contas publicamente sobre os casos apurados.
É inadmissível que dinheiro da assistência social seja transformado em propina, com direito a instrução passo a passo para fraude via WhatsApp e ameaça por recusa. Se isso não for levado às últimas consequências — inclusive com responsabilização criminal dos envolvidos —, a mensagem que se passa é clara: fraudar compensa.
Ao fim, não basta demitir. É preciso limpar. Revisar. Mostrar números. E, acima de tudo, respeitar quem realmente precisa do Bolsa Família — e que, nesse escândalo, continua assistindo a tudo, talvez com fome e sem picanha.