Não matem o mensageiro quando são más as notícias. Por dever de ofício, lá vou eu. A delicadeza do prefeito para tratar do diálogo com os sindicatos dos professores e dos municipários para criação do Instituto de Saúde dos Servidores de Gravataí (ISSEG) – o substituto do Ipag Saúde, o plano de saúde que cobre 10 mil pessoas entre servidores ativos, inativos, pensionistas e familiares – contrasta com aquilo que chamo de ‘ideologia dos números’.
– Não polemiza, a conversa está boa, saudável. Não se trata de quem ganhou ou perdeu, mas de achar uma solução – sugeriu Marco Alba ao jornalista, no intervalo da reunião do Codes, o conselho de desenvolvimento econômico e social de Gravataí.
Infelizmente, não há como tratar do tema sem gravidade. A crise no Ipag assusta. Sobra boa vontade, falta dinheiro. A diretora-presidente Janaína Balkey, ao apresentar os pilares do ISSEG aos conselheiros, nesta quarta-feira, sinalizou para uma luz no fim do túnel, do futuro, mas que é precedida pelo farol de um trem, no presente – menos descarrilado que no passado, mas ainda de difícil condução.
Um pouco de contexto e de boas novidades, antes dos Grandes Lances dos Piores Momentos.
Em março, o governo enviou à Câmara de Vereadores projeto extinguindo o Ipag Saúde, após gastar mais do que arrecada pelo terceiro ano consecutivo. Os sindicatos gritaram e, atendendo a comoção do funcionalismo, o prefeito retirou o PL 19 e aceitou negociar uma reformulação no modelo de plano de saúde – que, é preciso explicar, não é uma obrigação da Prefeitura, mas uma vantagem conquistada pelo funcionalismo municipal há mais de duas décadas.
As reuniões ocorrem desde o final de abril, como o Seguinte: já tratou no artigo Uma solução para crise no Ipag Saúde.
– É um debate técnico, não ideológico. A extinção só foi proposta porque todos os meses a receita não cobre a despesa – resumiu a advogada indicada pelo governo para comandar a autarquia.
Chegou-se a consensos para a continuidade do plano:
1.
Sustentabilidade financeira.
O novo plano terá mensalidades por faixa estaria e igualdade contributiva para titular ou dependente – estes, em regime de substituição: se inclui filhos, não inclui pais e irmãos, por exemplo.
Hoje, o servidor contribui com 5,5% sobre o salário e, desde 2014, os dependentes colaboram com 2% cônjuge ou filhos e 3% pais e irmãos.
2.
Desvinculação do CNPJ do Ipag Previdência, para que seja resguardado o recurso que constitucionalmente deve ser garantido para aposentadoria do servidor.
Hoje, o mesmo CNPJ reúne Ipag Saúde e Previdência. Significa que, se há um rombo na saúde, recursos da previdência precisam ser deslocados para que a Prefeitura não perca a certidão de regularidade previdenciária, a CRP, documento necessário para captar financiamentos.
Em outras palavras, o Ipag Previdência, que já tem um cálculo atuarial que aponta a necessidade de R$ 1 bilhão em 15 anos para garantir as aposentadorias, é o ‘fiador’ do Ipag Saúde, caso as despesas com a assistência em saúde extrapolem o dinheiro que há no caixa. E, nos últimos dois anos, o gasto foi de R$ 6 ,5 milhões acima da receita.
3.
Retirada da contribuição paga pela Prefeitura.
Pelo acordo, o governo contribui com R$ 8 milhões fixos, até 2026, data definida por cálculo de um atuário, para que o ISSEG crie o chamado autofundo.
Hoje, há uma contribuição de 4,5% sobre a folha, além de o céu ser o limite em caso das despesas superarem as receitas.
4.
Segurança jurídica.
A nova lei vai prever reajustes por sinistralidade. Significa que, ao aumentar custos, sobe o preço da mensalidade. Também serão definidas carências e co-participação (paga pelo servidor) conforme normas da ANS, a agência nacional de saúde.
Hoje há distorções. A co-participação é parcelada no contracheque e muitas vezes não paga, já que, por exemplo, chega a 50% na oncologia, pedalada em percentuais mensais entre 5% e 20% do salário, o que cria uma conta ‘para toda vida’ para o paciente.
Para se ter idéia, até esta quarta, R$ 7 milhões estão pendentes em pagamentos de co-participação.
O novo plano vai buscar a redução da co-participação para doenças imprevisíveis e uma cobrança mais efetiva para procedimentos mais comuns, como consultas e exames, por exemplo.
A conta de partida
A diretora-presidente expôs uma tabela que serve de base para o novo plano.
– É um ponto de partido, não é definitivo – alertou o prefeito.
As mensalidades, já com escala de idade, como nos planos privados, ficariam assim:
: 0-18 – R$ 114,87
: 19-23 – R$ 143,59
: 24-28 – R$ 181,50
: 29-33 – R$ 214,80
: 34-38 – R$ 252,72
: 39-43 – R$ 298,66
: 44-48 – R$ 364,90
: 49-53 – R$ 394,00
: 54-58 – R$ 459,49
: 59 ou mais – R$ 590,44
A tabela acima leva em conta o padrão de atendimento do Ipag Saúde, desde consultas e exames, a tratamentos especiais, internações hospitalares e dentista.
A última faixa, em um plano privado como a Unimed, por exemplo, com atendimento em hospitais como Dom João Becker, em Gravataí, Ernesto Dornelles, Divina Providência e PUC, custaria quase o dobro.
O prefeito observou que o esforço na construção de uma nova tabela é para que os servidores com menores salários, na faixa de até R$ 2 mil, sejam menos penalizados.
– São os propensos a ir para o SUS.
A expectativa, pelo menos do governo, e volto a isso em outro artigo, é apresentar já no mês de julho à Câmara o projeto de criação do ISSEG construído em conjunto com os sindicatos.
Agora, o drama.
As dívidas que ficarem do Ipag Saúde serão herdadas pelo ISSEG. Então, a cada mês em que as contas não fecham, é um esqueleto a mais para o CNPJ da nova autarquia.
Em maio, as despesas com saúde foram de R$ 2,4 milhões, e entrou no caixa, das contribuições de governo e servidores, apenas R$ 1,6 milhão.
Como ainda tem a dívida de R$ 6,5 milhões de 2018, inscrita no orçamento de 2019, há risco do dinheiro do Ipag Saúde projetado até dezembro, cerca de R$ 24 milhões, acabar antes de agosto.
Medidas de emergência estão sendo tomadas em comum acordo entre governo, conselho deliberativo do Ipag e sindicatos. Desde o dia 17, todos os procedimentos precisam de autorização requisitada pelo servidor no Ipag. Para se ter uma idéia, o movimento explodiu de 30 para 300 atendimentos na sede da autarquia.
A grita é geral, mas o remédio necessário, como já tratei no artigo Ipag limita atendimentos; é, e será, a nova realidade.
– Sem esse controle, além da dívida crescer, o Ipag pode suspender até atendimentos de urgência, emergência e tratamentos de câncer – lamenta a diretora-presidente.
A ‘ideologia dos números’ que destrói o Ipag Saúde é fácil de explicar, simplificando a conta: hoje, uma pessoa que ganha R$ 1 mil, paga R$ 55; quem ganha R$ 10 mil, paga R$ 550. Para o salário mais alto, somando custos com dependentes, custa menos buscar um plano privado e até com melhores serviços. Nenhum dos procuradores do município, o topo da cadeia salarial em Gravataí, continua no Ipag Saúde. Assim, restam apenas os salários mais baixos, que não garantem sustentabilidade ao plano.
Como escrevo desde 2016, não é por torcida ou secação, mas algo precisava ser feito. E é necessária solução ainda 2019. Ou o ISSEG será apenas uma segunda temporada do Walking Dead do Ipag Saúde.