3º NEURÔNIO

A Rússia e a China ainda nem começaram a girar o botão da escala da dor

Putin e Xi Jinping | Foto Mikhail Klimentyev | Kremlin

“Não há a menor dúvida de que a intensidade da dor irá aumentar, e de várias maneiras”. Recomendamos o artigo do jornalista Pepe Escobar para o Strategic Culture, com tradução de Patricia Zimbres para o 247


O Espetacular Show Suicida de Verão, atualmente nos cinemas de toda a Europa, prossegue com toda a pompa e cerimônia, para o espanto de praticamente todo o Sul Global: uma nova e vagabunda versão woke do Gotterdammerung, com a grandiosidade wagneriana substituída por um rebolado bem pornô.

Os Imperadores romanos decadentes, pelo menos, exibiam algum grau de pathos. Aqui nos deparamos apenas com uma mistura tóxica de hubris, mediocridade nauseante, delírio, pensamento ideológico tosco de um bando de carneiros e pura e simples irracionalidade, um espojar-se na lama racista/supremacista da carga do homem branco – tudo isso sintoma de uma profunda doença da alma. 

hamar a isso de o Ocidente Biden-Leyen-Blinken ou coisa parecida seria por demais reducionista: afinal, esses minúsculos politicos-funcionários estão apenas papagueando ordens. Este é um processo histórico: degeneração física, psíquica, moral e cognitiva incrustada no desespero manifesto do OTANistão, incapaz de conter a Eurásia, permitindo ocasionais quadros tragicômicos, tais como a cúpula da OTAN declarando uma Guerra Woke contra virtualmente todo o não-Ocidente.

Então, quando o Presidente Putin se dirige ao coletivo ocidental  frente aos dirigentes da Duma e aos líderes dos partidos políticos, temos a impressão de ver um cometa atingir um planeta inerte.  Não é um caso de “perdido na tradução”. “Eles” simplesmente não têm capacidade de entender.

A parte “Vocês Ainda Não Viram Nada”, pelo menos, foi formulada para ser entendida até mesmo pelos mais bobalhões: 

“Ficamos sabendo hoje que eles querem nos derrotar no campo de batalha. Bem, o que posso dizer é, deixe que tentem. Ouvimos muitas vezes que o Ocidente quer lutar contra nós até o último ucraniano – o que é uma tragédia para o povo ucraniano. Mas parece que isso é o que vai acontecer. Mas todos devem ter consciência de que, de modo geral, ainda nem começamos o que viemos fazer”. 

Fato. Na Operação Z, a Rússia está usando uma fração de seu potencial militar, de seus recursos e de seus armamentos estado-da-arte. 

Então chegamos ao rumo mais provável a ser tomado no teatro da guerra:

“Não recusamos negociações de paz, mas os que as recusam devem entender que quanto mais a situação se prolongar, mais difícil será para eles negociar conosco”.

O que quer dizer que a escala da dor será intensificada, lenta mais firmemente, em todas as frentes.  

Mas o cerne da questão já havia sido colocado na parte inicial da fala: “aumentar a intensidade da dor” se aplica a de fato desmontar todo o edifício da “ordem internacional baseada em regras”. O mundo geopolítico mudou. Para sempre. 

Pode-se afirmar que este seja o principal trecho da fala de Putin: 

“Eles deveriam ter entendido que já perderam, desde o começo de nossa operação militar especial, porque esse começo significa o começo de uma ruptura radical da Ordem Mundial à maneira americana. Este é o começo da transição do egocentrismo liberal-globalista americano para um mundo verdadeiramente multipolar – um mundo baseado não em regras egoístas inventadas por alguém em benefício próprio, por trás das quais não há nada além do desejo de hegemonia, não na hipocrisia dos dois pesos-duas-medidas, mas no direito internacional, na verdadeira soberania dos povos e das civilizações, em sua vontade de viver seu destino histórico, seus valores e tradições, e construir cooperação com base na democracia, na justiça e na igualdade. E temos que entender que esse processo já não pode mais ser interrompido”.

E aqui está o tridente 

Pode-se argumentar que Putin e o Conselho de Segurança Russo vêm implementando um tridente tático que reduziu o coletivo ocidental a um bando amorfo de galinhas sem cabeça. 

O tridente mistura a promessa de negociações – mas apenas se forem levados em conta os firmes avanços russos no território da Novorossiya; o fato de que ficou demonstrado na prática que o “isolamento” global da Rússia não passa de uma bobagem; e o ponto mais dolorido de todos: a dependência da Europa da energia russa.      

A principal razão para o patente  e retumbante fracasso da cúpula dos Ministros das Relações Exteriores do G20 realizada em Bali, é que o G7 – ou o OTANistão mais a colônia americana do Japão – não conseguiu forçar os BRICS e outros atores importantes do Sul Global a isolarem, sancionarem e/ou demonizarem a Rússia. 

Muito ao contrário: múltiplas interpolações externas ao G20 apontam para uma integração paneurasiana ainda maior. Aqui vão alguns exemplos. 

O primeiro trânsito de produtos russos para a Índia pelo Corredor de Transporte Internacional Norte Sul (CTINS) já vem ocorrendo, ziguezagueando pela Eurásia, de Mumbai ao Báltico, passando por portos iranianos (Chabahar ou Bandar Abbas), pelo Mar Cáspio e pela Rússia do Sul e Central.  O importante é que essa rota é mais curta e mais barata que a travessia do Canal de Suez. 

Paralelamente, o diretor do Banco Central Iraniano, Ali Salehabadi, confirmou que um memorando de cooperação entre bancos foi assinado entre Teerã e Moscou. 

O que isso significa é uma alternativa viável ao SWIFT e uma consequência direta da candidatura iraniana à condição de membro pleno do BRICS, anunciada na cúpula recentemente realizada em Pequim. Os BRICS, desde 2014, quando foi fundado o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD),  vêm-se ocupando em montar sua própria infraestrutura financeira, incluindo a criação de uma nova moeda de reserva que ocorrerá em um futuro próximo. Como parte do processo, a harmonização dos sistemas bancários russo e iraniano é inevitável.

O Irã também está prestes a se tornar membro pleno da Organização de Cooperação de Xangai (OCX) na cúpula que terá lugar em Samarcanda, em setembro. 

Paralelamente, a Rússia e o Cazaquistão vêm solidificando sua parceria estratégica: o Cazaquistão é um membro-chave da Iniciativa Cinturão e Rota (ICR), da União Econômica Eurasiana (UEEA) e da Organização de Cooperação de Xangai (OCX). 

A Índia se aproxima ainda mais da Rússia em todo o espectro comercial – da energia, inclusive. 

E na próxima quinta-feira, Teerã será o palco de um importantíssimo encontro cara a cara entre Putin e Erdogan.  

Isolamento? Jura? 

Na frente energética, estamos ainda no verão, mas a demência paranóide já assola múltiplas latitudes da União Europeia, a Alemanha em especial. Algum alívio cômico vem do fato de que a Gazprom pode fazer lembrar a Berlim que possíveis problemas de fornecimento no Nord Stream 1 – depois do suspense da volta da notória turbina consertada no Canadá – sempre poderá ser resolvida com a implementação do Nord Stream 2.

Como todo o Espetacular Show Suicida de Verão não passa de uma espalhafatosa e auto-infligida tortura ordenada pela Voz do Dono, a única pergunta séria é que intensidade de dor forçará Berlim a de fato se dispor a negociar em favor dos legítimos interesses industriais e sociais alemães.

A selvageria será a norma. O Chanceler Lavrov resumiu toda a situação  ao comentar sobre os Decadentes Ministros do Coletivo Ocidental, em Bali, fazendo poses feito pirralhos imaturos para evitar serem vistos com ele: era assim que eles “entendiam os protocolos e a polidez”. 

Isso é diplomatês para “bando de imbecis”. Ou pior: bárbaros sem cultura, incapazes sequer de respeitar a hiperpolidez dos anfitriões indonésios, que abominam qualquer tipo de confronto.

Lavrov preferiu elogiar o trabalho “estratégico e construtivo conjunto”  implementado por russos e chineses ao se confrontar com a extrema agressividade do Ocidente. O que nos traz à obra-prima máxima do jogo de sombras de Bali – envolto em várias camadas de nevoeiro geopolítico.    

A mídia chinesa, sempre flertando com o opaco, tentou aparentar o máximo de tranquilidade ao relatar a reunião de mais de cinco horas  entre o Chanceler Wang Yi e o Secretário Blinken, descrevendo-a como “construtiva”.

O que é fascinante aqui é que os chineses acabaram por deixar escapar algo de crucial na versão final de seu relatório – obviamente aprovada pelos poderes estabelecidos. 

Lu Xiang, da Academia Chinesa de Ciências Sociais examinou registros mais antigos – principalmente os de  “Yoda”  Yang Jiechi, nos quais ele, rotineiramente, fazia pato assado de Jake Sullivan – ressaltando que, desta vez, as “advertências de Wang aos americanos” foram as que usaram o “fraseado mais ríspido”. 

Isso é linguagem-código diplomática para “Melhor Tomar Cuidado”. Wang dizendo ao Blinkenzinho:  “olhem bem o que os russos fizeram quando perderam a paciência com suas palhaçadas”. 

A expressão “beco sem saída” foi recorrente durante a reunião Wang-Blinken. Então, ao final das contas, o Global Times teve que contar a história como ela realmente aconteceu: “Os dois lados estão próximos a uma confrontação”. 

“Confrontação” é o que Mike Pompeo, o fanático do Fim dos Dias e aspirante a Tony Soprano vem fervorosamente pregando do alto de seu púlpito de ódio, enquanto o combo por trás do  senil “líder do mundo livre” que literalmente lê teleprompters trabalha ativamente para esmagar a União Europeia – e não apenas de um único modo.

O combo no poder em Washington de fato  “apóia” a unificação da Grã-Bretanha, da Polônia, da Ucrânia e dos Três Anões Bálticos em uma aliança separada da OTAN/UE – com o objetivo de “fortalecer o potencial de defesa”. Essa é a posição oficial do Embaixador dos Estados Unidos na OTAN, Julian Smith. 

Então, o verdadeiro objetivo imperial é dividir a já esfacelada União Europeia em mini-uniões, todas elas bastante frágeis e evidentemente mais “manejáveis”, o que os eurocratas de Bruxelas, cegos por sua infinita mediocridade, obviamente não conseguem perceber. 

O que o Sul Global está comprando  

Putin sempre deixa bem claro que a decisão de desencadear a Operação Z – como uma espécie de “operação combinada militar e de polícia”, como definida por Andrei Martyanov – foi cuidadosamente calculada, levando em conta uma série de vetores materiais e sócio-psicológicos. 

A estratégia anglo-americana, de seu lado, foca uma única obsessão: esconjurar toda e qualquer reformulação da atual “ordem internacional baseada em regras”. Vale tudo para assegurar a perpetuidade dessa ordem. Isso é de fato Totalen Krieg – trazendo diversas camadas híbridas e, o que é muito preocupante,  faltando apenas alguns segundos para a meia-noite.

E isso é o pior de tudo. O Beco da Desolação vem rapidamente se transformando no Beco de Desespero, na medida em que toda a matriz russofóbica é vista como vazia, despida de qualquer poder de fogo ideológico – ou mesmo financeiro – para “ganhar”, além de enviar uma coleção de HIMARS para um buraco negro.  

Em termos geopolíticos e geoeconômicos, a Rússia e a China estão em processo de comer o OTANistão vivo – e de várias maneiras. Aqui, por exemplo, vai um mapa de percurso sintético de como Pequim irá tratar o próximo estágio de desenvolvimento de alta qualidade por meio de aperfeiçoamentos industrial movido a injeções de capital e focado na otimização de cadeias de fornecimento, substituição de importações de tecnologias pesadas e em “campeões invisíveis” da indústria.

Se o coletivo ocidental está enceguecido pela russofobia, o sucesso da governança do Partido Comunista Chinês – que em uma questão de poucas décadas melhorou a vida de mais pessoas que qualquer um, em qualquer época da história – acaba por enlouquecê-los de vez. 

Visto a partir da torre de vigia Rússia-China, o processo nem foi tão longo assim. A Iniciativa Cinturão e Rota foi lançada por Xi Jinping em 2013. Depois de Maidan, em 2014, Putin lançou a União Econômica Eurasiana (UEEA) em 2015. Em maio de 2015, uma importantíssima declaração conjunta Rússia-China selou a cooperação entre a ICR e a UEEA, conferindo papel significativo à Organização de Cooperação de Xangai. 

Uma integração ainda mais estreita ocorreu por meio do Fórum de São Petersburgo de 2016 e do Fórum da ICR em 2017. A meta geral: criar uma nova ordem na Ásia e por toda a Eurásia, de conformidade com o direito internacional, mantendo, ao mesmo tempo, as estratégias de desenvolvimento individual de cada país envolvido e respeitando sua soberania nacional.    

Isso, em essência, é o que a maior parte do Sul Global está comprando. É como se houvesse uma compreensão instintiva comum a vários países de que a Rússia-China, contrariando todas as expectativas, enfrentando grandes desafios e procedendo por tentativa-e-erro, estão na vanguarda do Choque do Novo, enquanto o coletivo ocidental, nu, estonteado e confuso, com suas populações totalmente zumbificadas, é sugado pelo vórtice da desintegração psicológica, moral e material. 

Não há a menor dúvida de que a intensidade da dor irá aumentar, e de várias maneiras.

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