RAFAEL MARTINELLI

A tragédia moral também mora na Gravataí que socorre os vizinhos inundados; O Felipe Neto manda um recado para essa gente tenebrosa

Arte do genial Pawel Kuczynski

A desinformação, o ódio e a falta de empatia mesmo em meio à maior catástrofe climática da história do Brasil também moram em Gravataí.

Enojou-me ler comentários em vídeo publicado em página do Instagram da região que informava já estarem funcionando purificadores de água comprados a partir de arredacação online feita via pix pelo influenciador Felipe Neto.

Reproduzo trechos de comentários e, abaixo, sigo. Alerto que não dá para ‘desler’.  

“Como isso apareceu do nada?? E com milico ensinando a usar???”

“O governo federal enviou diversos purificadores desses para Cuba no ano passado mas precisou fazer vaquinha pro povo do Sul”

“Nem isso eu acredito. Isso o governo deu pra ele ir dar uma de bonzinho na internet esses aí são os mesmos que o governo enviou de graça pra faixa de gaza”

“Deixando de seguir. Baita mentira”

“Vocês acreditam nisso?”

“Golpe está aí cai quem quer… Tudo o que o governo queria era uma tragédia para facilitar o desvio!!!!”

“Baita falcatrua esses purificadores… só pra dar dinheiro para o fabricante, ano passado Lula mandou 200 desses para Israel com nosso dinheiro sem pedi licença ou pix”.

“Tem certeza que esses purificadores não foram os enviados por Israel? Olha o último vídeo do Marcel Van Hatten”

“Esse perfil ta virando cúmplice de fake news, menos um seguidor”

“Por que vieram pela FAB? Nelipe feto pilota avião?”

“70 milhões em pix para o governo lembre-se disso!”

“Por isso estavam barrando as águas doadas, pra poder fazer propaganda dos purificadores”

E muitos mais. A maioria, em uma publicação com mais de 100 mil visualizações.

Como circularam por todo país mensagens de que o influenciador superfaturou e lucrou com a compra dos purificadores, o G1 foi investigar e demonstrou que se trata de fake news.

A mensagem falsa distorce a doação de 220 purificadores de água, capazes de tornar potável a água contaminada de rios, lagos e açudes, comprados graças à vaquinha organizada por Felipe Neto e entregues nesta quarta-feira no Rio Grande do Sul para uso principalmente para abrigos que não contam com acesso a água potável.

A PWTech, empresa de São Carlos (interior de São Paulo) responsável pela venda dos purificadores, comercializou os equipamentos por R$ 22 mil. Esse montante inclui o purificador (R$ 18 mil cada um), além de R$ 4 mil por um kit de manutenção e um filtro de linha. Segundo a empresa, o kit e o filtro garantem maior durabilidade do equipamento.

A assessoria do influenciador informou que a equipe jurídica “irá tomar todas as medidas cabíveis acerca das acusações mentirosas feitas a fim de difamar e prejudicar a imagem do comunicador”.

Fato é que, se o cenário de destruição do RS, de sua Capital e interior, é distópico, com imagens que superam filmes de catástrofe, a tragédia moral também se revela gigante em meio a exemplos de solidariedade – como reportei, Gravataí é hoje uma ‘ilha do bem’, socorrendo vizinhos inundados pelo Grande Rio da Região Metropolitana; leia em Gravataí é uma ilha em meio ao Grande Rio da Região Metropolitana. Uma ‘ilha do bem’; entenda o cenário.

Felipe Neto poderia ter arrecadado mais do que os atuais R$ 5 milhões, não tivesse a vaquinha sido denunciada em massa, o que fez com que mensagens automáticas de alerta fossem feitas pelos bancos quando o doador tentava fazer o pix.

Acreditam?

São saqueadores da solidariedade.

Ao fim, o que mexe com meus instintos mais primitivos não são postagens de gente maluca, que acredita que as chuvas foram provocadas artificialmente pela China. O que dói é ver pessoas com mínimas condições cognitivas de pesquisar a veracidade de informações dessa gravidade não o fazerem. Talvez porque torçam pelo pior, para ir às redes ou espalhar pelo WhatsApp mentiras que possivelmente ocupem o vazio onde deveriam restar seus corações.

Omito os nomes por vergonha alheia e por acreditar que um dia se curem da delinqüência moral e intelectual. Fake news, às vezes, mata.

Canalhas!

Abaixo, o Felipe Neto – que também está ajudando na construção de um grande abrigo para animais resgatados das inundações – manda um recado para essa gente tenebrosa.


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