meio ambiente

Ambientalistas temem recuo na proteção ao Gravataí após eleição

Plano de bacia pode ser a garantia de investimentos futuros na preservação | ARQUIVO

Concluir a revisão do plano de bacia do Rio Gravataí até o final do ano virou o grande desafio dos ambientalistas da região diante da incerteza em relação à área ambiental após as eleições e, sobretudo, a partir de janeiro. A perspectiva de que a política de preservação em todo o país se torne muito mais maleável deixa especialistas em alerta. O plano de bacia seria, ao menos, uma garantia no papel da manutenção no rumo da recuperação do Rio Gravataí.

Em agosto, entidades reuniram-se em diversos encontros para listar itens que precisam estar neste diagnóstico e no planejamento futuro da bacia hidrográfica. O que foi colhido ali, passa agora por análise do Departamento de Recursos Hídricos (DRH), da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema), e, conforme o diretor do departamento, Fernando Meirelles, na próxima semana um plano preliminar será entregue ao Comitê de Gerenciamento da Bacia do Gravataí, para que o estudo seja finalizado e só então torne-se o novo balizador dos planos para preservar e recuperar o Gravataí nos próximos anos.

— Eu mantive a agenda do comitê toda aberta para novembro, na esperança de que possamos discutir a finalização do plano de bacia neste período. Estabelecer estes marcos antes de janeiro é uma forma de garantirmos, ao menos com regulamentação, legislação e, no papel, uma posição. É claro que há preocupação com algum retrocesso, dependendo dos novos governos estadual e federal, mas aí nos tornaremos resistência pelo respeito a tudo o que já avançamos na gestão de bacias hidrográficas. É o bem comum que estamos defendendo — diz o presidente do comitê, Sérgio Cardoso.

Observe no Portal Nexo um comparativo entre as propostas para o meio ambiente nos planos de governo de Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT). Se, de um lado, Bolsonaro, que lidera as pesquisas de intenção de voto, indica descontentamento com as unidades de conservação e já considerou até mesmo unir as pastas de Meio Ambiente e Agricultura — antagonistas em boa parte dos debates sobre licenciamentos e proteção ambiental —, de outro, Haddad menciona a necessidade de uma “transição ecológica” na produção e a redução do uso de agrotóxicos.

 

: Para Sérgio Cardoso, conclusão do plano de bacia dará segurança jurídica para preservar o rio | ARQUIVO

 

Polêmicas no plano de bacia

 

Fosse apenas um desenho para o futuro em papel, não envolveria tanta preocupação dos ambientalistas, mas a revisão do plano de bacia envolve pelo menos três pontos polêmicos que implicarão em mais rigor na proteção ambiental, com custos ao setor produtivo e possível revisão em planos construtivos municipais.

O primeiro ponto é a criação das medidas de cobrança pelo uso da água na bacia do Gravataí. A ideia é que o plano de bacia já estabeleça projetos a serem executados na região com recursos provenientes nesta fonte de arrecadação. Usar a bacia como piloto para a cobrança, que já é aplicada em outros estados, foi proposta do próprio DRH, que apresentou um modelo de cobrança ao comitê.

— Segue uma lógica do poluidor pagador, onde quem mais polui paga mais, do consumidor pagador, onde quem mais consome paga mais, e do beneficiário pagador, onde, se há uma obra que beneficie alguém diretamente, ela paga mais por ela. Tudo proporcionalmente e analisado caso a caso dentro das bacias — diz Meirelles.

 

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Outro ponto nevrálgico no debate do plano de bacia é a aplicação das medidas propostas no estudo sobre cheias e secas do Rio Gravataí, da Metroplan. Além de definir obras necessárias para evitar prejuízos com as cheias e retomar, gradativamente, a capacidade do Gravataí de reter água em suas nascentes e abrandar os efeitos da seca no verão, o estudo limita a ocupação futura de áreas urbanas na região, classificadas como zonas alagadiças. Os setores imobiliário e construtivo já vivem clima de expectativa se cada município adotará as propostas da Metroplan.

O terceiro ponto polêmico está na implementação plena do sistema de outorga para uso da água na região, e a garantia de que este sistema seja respeitado no momento de analisar licenciamentos ambientais na bacia do Gravataí.

— O Estado precisa garantir a eficiência do sistema e a fiscalização plena do que cada usuário, de fato, consome de água. E a partir daí, o comitê, como instância democrática de decisões sobre o rumo da bacia, precisa ter o poder de decidir sobre os usos da água na região — diz Cardoso.

 

Atenção à APA e ao Refúgio

 

Serão dois meses para que estes nós sejam desatados. E a partir de janeiro, o alerta máximo está nas unidades de conservação na bacia do Gravataí.

— Todos nós estamos preocupados com o rumo da discussão, principalmente em nível federal, de grandes áreas de conservação. Mas, em todos os níveis, se houver flexibilização em licenciamentos, por exemplo, a possibilidade de retrocesso em tudo o que construímos nos últimos anos é real — avalia o gestor do Refúgio de Vida Silvestre Banhado dos Pachecos, André Osório.

Sinais de alerta não faltam. A área de preservação permanente representada pelo refúgio vive, talvez, o momento de maior evolução na conservação da vida natural — especialmente do cervo do pantanal —, com o desenvolvimento de um plano de manejo, a abertura da área a visitações guiadas de escolas, universidades e grupos de observação, estudos científicos e, talvez o mais importante, a conscientização da vizinhança daquela área, o mesmo não se pode dizer da Área de Preservação Ambiental (APA) do Banhado Grande, que cerca o refúgio.

 

 

— O refúgio tem como vizinhos os moradores do Assentamento Filhos de Sepé, que faz o cultivo orgânico. Agora, estamos desenvolvendo o conceito de agrofloresta nesta localidade, o que, sem dúvida, é um ganho na nossa luta para preservar espécies como os cervos. É uma realidade muito positiva, de transformação, mas é bem localizada. Uma mudança na forma de pensar o meio ambiente poderia também mudar a forma de pensar de produtores e jogar pelo ralo essa evolução — lamenta Osório.

É que fora do refúgio e da sua vizinhança, a APA, criada em 1998, vive um vácuo. O plano de manejo, que regraria os usos e limitações para empreendimentos na região, não avança, e o conselho deliberativo da APA sequer foi reunido em 2018.

 

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— Nós temos pressionado a Secretaria do Meio Ambiente para fortalecer o conselho e o papel de gestão da APA. Sem instâncias fortes e democráticas como essa, um retrocesso na política ambiental certamente encontrará menor resistência — afirma Sérgio Cardoso.

O conselho da APA teve papel decisivo, por exemplo, em 2010, ao barrar a exploração de carvão em Viamão. Vale lembrar que, em seu plano de governo, Bolsonaro reforça a importância de usar fontes como o carvão cada vez mais na matriz energética do país.

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