Sem transmissão online ou acesso ao público, a Câmara de Gravataí começou às 15h a votar o parecer do Tribunal de Contas do Estado (TCE) que recomenda a rejeição das contas de 2017 e ameaça o prefeito com uma inelegibilidade de oito anos. O decreto legislativo entrou na pauta desta quinta apenas para leitura. Como no golpeachment contra Rita Sanco, em 2011, devem vir de partidários os votos decisivos ‘anti-Marco Alba’.
Para derrubar o parecer, são necessários 14 votos, entre 21 vereadores, o tamanho exato da base do governo. Só que, após uma semana de apuração, recomendo ao leitor que ‘printe & arquive na nuvem’: os ‘vereadores de Jones Martins’, Clebes Mendes, Paulinho da Farmácia e Nadir Rocha, todos MDB, não irão salvar o prefeito do próprio partido. A última evidência foi o não comparecimento dos três em reunião convocada pela direção partidária para tratar da votação.
Como já tratei em uma série de artigos anteriores sobre essa série tipo Netflix de intrigas e chantagens, Marco Alba é o Josef K. do dia. Como a personagem de O Processo, de Kafka, pode questionar “inocente de quê?”, frente ao veredito do TCE.
É a velha e tradicional política que coloca prefeito no paredão. Reputo que os apontamentos feitos pelo Ministério Público de Contas e pelo TCE, sem evidências de desvio de dinheiro ou dano ao erário, são frágeis e facilmente explicáveis pela ‘ideologia dos números’, caso os vereadores quisessem ser justos.
Li o parecer, a defesa entregue por Marco Alba e relatórios internos de técnicos e do secretário da Fazenda Davi Severgnini. É kafkiana, exagerada, a reprovação das contas. Mais: é uma reprovação mais por virtudes, do que por falhas. Sem torcida ou secação. Vamos aos fatos, aqueles chatos que atrapalham argumentos.
O principal apontamento da auditoria se refere a cerca de R$ 5 milhões em restos a pagar, que são contas empenhadas e não pagas dentro do exercício financeiro. Só que a receita no período cresceu R$ 37 milhões. Significa que o TCE considera “desequilíbrio financeiro” a Prefeitura ter arrecadado 32 milhões a mais do que aquilo que ficou devendo.
A explicação da Fazenda é que “é preciso que o estoque de restos a pagar seja proporcionalizado ante a receita, que é a real capacidade de pagamento. Ao fazer este exercício, se concluí que, ao contrário de aumentar, o município vem diminuindo seu endividamento corrente”. Gravataí experimentou crescimento real de 11,92% durante 7 anos, dos quais, em 4, o Brasil vivenciou recessão e PIB negativo.
Os balanços mostram que o comprometimento da receita com o pagamento da dívida pública caiu de 56,06% para 16,10% e, de maneira mais pontual, entre 2012 e 2017, reduziu de 56,06% para 19,29%, o mais baixo patamar da série entre 2012 e 2017.
De 2016 para 2017, o governo Marco Alba reduziu o endividamento em R$ 44,3 milhões, ou em 12,5% – mesmo com R$ 11,1 milhões, ou 7,23% a mais investidos em saúde na relação com o ano anterior.
O tamanho da folha salarial do funcionalismo, 44%, também ficou abaixo dos 51,3% de limite prudencial da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), e déficit previdenciário é o menos desde 2003.
Para completar, 2017 foi o ano da ‘pauta-bomba’ da previdência, com a detecção do déficit atuarial bilionário do IPAG, o instituto garantidor das aposentadorias dos servidores municipais. Mesmo com uma reforma negociada por dois anos e concluída em 2019, com o desmembramento entre IPG e ISSEG (o ‘plano de saúde’ do funcionalismo), as alíquotas suplementares milionárias explodem como nitrato de amônio, na razão de 4% ao ano.
É a consequência do calote verificado entre 1997 e 2009, que por sua vez é efeito de dívidas anteriores e, de vilão em vilão, chegaremos até a fundação de Gravataí – detalhes já trouxe em incontáveis artigos.
Para efeitos de comparação, em 2017 a alíquota suplementar atingiu 10% sobre a folha, uma despesa R$ 1.336.965,31 superior ao ano anterior (25% a mais).
Diz relatório da Fazenda que “tudo isso provoca mais empenhamento e liquidação de despesa dentro do exercício, o que, ao fim e ao cabo, aumenta os restos a pagar. Trata-se de efeito colateral ao ajuste de contas, absolutamente natural”. Traduzindo: Gravataí tem um orçamento real e não usa manobras contábeis para ‘enganar’ o MPC e o TCE.
Questione-se: como municípios que durante o ano não pagam dívidas, previdência e nem mesmo mantém salários em dia conseguem virar o ano sem restos a pagar? Simplesmente parando de liquidar empenhos ao longo de todo o último trimestre. Um ‘balão’ que estoura sempre no orçamento seguinte, e só é perceptível quando a Prefeitura ‘quebra’.
Para dar rosto ao monstro, tomemos o exemplo de Cachoeirinha. No TCE, os restos a pagar aparecem zerados entre 2013 e 2016. Pergunte a Miki Breier como estava a Prefeitura quando sentou na cadeira em 1º de janeiro de 2017 e, mesmo com cortes e investimento zero, precisou atrasar salários e até hoje não paga a previdência em dia.
Dos Grandes Lances dos Piores Momentos, e aqui o ‘crime’ de Marco Alba, o kafkiano parecer assim o é porque houve atraso no envio das justificativas pelo governo Marco Alba. Ou estariam os auditores do TCE investigando um município do Japão, e não Gravataí, Rio Grande do Sul, Brasil, já que esperavam que a Prefeitura encerrasse 2017 com dinheiro no caixa, com poupança.
Aí volto para a sentença de que o governo, nesta reprovação de contas, paga mais pelas virtudes, do que pelas falhas. Se maquiasse o orçamento, como é a regra, não precisaria ter a gestão questionada e eventualmente restar vítima da chantagem de vereadores.
A oposição, e o ‘fogo amigo’ dos ‘vereadores do Jones’ buscam queimar o prefeito nesta eleição, torcendo que faíscas atinjam a campanha à Prefeitura de governo, Luiz Zaffalon, o ‘gerentão’ dos governos, e também antecipam um tapetão de oito anos para Marco Alba. Caso não consiga uma revisão do parecer, ou derrubar a rejeição na Justiça, dificilmente o político ficará inelegível, mas certamente enfrentará pedidos consecutivos de impugnação.
Reputo, em grifos abaixo, que não vinga a inelebibilidade porque a ‘Lei da Ficha Limpa’ resguarda o prefeito. Na alínea g, do Artigo 1º da Lei Complementar 64, diz que “os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição”.
Não há no parecer apontamento de irregularidade insanável, e nem danos aos cofres públicos, tanto que não é aplicada nenhuma multa ou pedido de devolução de dinheiro por Marco Alba, como acontece em decisões mais pesadas do TCE. Porém, é óbvio que, a cada eleição, adversários o desgastarão pedindo sua impugnação.
Ao fim, o oportunismo de uns, a vendeta ou a sanha punitivista de outros me faz lembrar uma genial do Millôr: “Finalmente uma reação. Um faxineiro do Banco Central, envergonhado com a roubalheira que assiste todos os dias, se atirou pela janela do edifício. Porém, coerentemente com o local, teve a preocupação de se atirar do primeiro andar. E para dentro. Mas já é um princípio”.
Ainda hoje trago o resultado.
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