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CANOAS | FAROfino: Vídeo sobre contaminação do solo por cromo em Niterói tem por base informação de 2018, não de 2024; alerta de evacuação não é oficial

Praça Dona Mocinha, no bairro Niterói, está no meio do quadrilátero apontado como centro da contaminação em 2018. Foto: Arquivo

Vídeo postado no perfil Acorda Canoas não esclarece que vazamento de cromo no bairro ocorreu há cinco anos. Substância não é responsável por ‘contrair câncer’, como sugere autor do vídeo, mas aumenta o risco da doença em concentrações elevadas no organismo

Está fora de contexto a informação divulgada em vídeo postado no perfil Acorda Canoas em que o advogado Eduardo Gerhardt Martins faz alerta aos moradores do Niterói sobre contaminação por cromo presente no solo e em águas subterrâneas da região.

O alerta sobre evacuação no bairro para evitar ‘contrair câncer’ não procede.

O FAROfino foi em busca de informações confiáveis a respeito e explica o caso. A notícia sobre a contaminação foi divulgada há quase seis anos. Não é recente, portanto.  Confira o vídeo postado no Instagram em 15 de junho e que até a noite de segunda, 17, tinha 2.388 likes e 173 comentários. A seguir, a checagem.

Notícia é antiga

A contaminação do solo e lençol freático por cromo IV no bairro Niterói foi descoberta há pelo menos cinco anos e meio. Em dezembro de 2018, a Prefeitura de Canoas, com o aval do Ministério Público e a FEPAM, a Fundação Estadual de Proteção ao Meio Ambiente, notificou e suspendeu as atividades de galvanoplastia da empresa Lacerda & Cia. Ltda., com sede na Rua Garibaldi, no bairro Niterói. Na época, foi identificada a contaminação do lençol freático por cromo — substância utilizada na indústria automotiva, de tintas, metalúrgica e siderúrgica, mas também presente em alimentos e em suplementos alimentares.

No caso da empresa canoense, o produto servia como galvanizaste, ou seja, era usado para um banho em peças ou ferramentas de metal para aumentar a resistência à corrosão e oxidação. Este processo também é conhecido como banho de cromo ou cromagem.

O laudo que confirmou a contaminação foi emitido pela Prefeitura em 5 de dezembro de 2018.

Há uma postagem no site da Prefeitura de Canoas datada de 18 de dezembro de 2018 que explica o caso, inclusive com a versão do proprietário da empresa, que suspeitava à época tratar-se de um vazamento antigo não detectado oportunamente.

Seis dias depois, em 11 de dezembro de 2018, o promotor de Justiça Felipe Teixeira Neto abriu um inquérito civil para que o Ministério Público investigasse a responsabilidade pelo dano ambiental. O perímetro informado por Eduardo Gerhardt Martins no vídeo, que vai da BR-116 à Rua Fernando Ferrari e da Rua Minas Gerais à Rua Lajeado foi traçado à época com base em laudos emitidos pela FEPAM. 

O site do Ministério Público Estadual traz reportagem sobre a abertura do inquérito com data de 11 de dezembro de 2018 e, nela, o promotor do caso faz o alerta sobre eventual risco de contato com o solo e a água subterrânea no bairro — só que foi a cinco anos e meio atrás, não em 2024. O alerta em nada tem a ver com a enchente de maio passado ou com eventuais alagamentos que a cidade possa enfrentar com novos volumes de chuva acima da média histórica.

Onde está a desinformação no vídeo?

O conteúdo postado no Acorda Canoas não informa que a contaminação de uma área do bairro Niterói por cromo foi descoberta em 2018. Também não informa que o promotor que abriu a investigação, Felipe Teixeira Neto, não atua mais em Canoas desde pelo menos o início de 2022, quando assumiu como assessor do Procurador Geral de Justiça e membro do Conselho Nacional do Ministério Público. 

O alerta de evacuação para proteção da Saúde dado pelo autor do vídeo, Eduardo Gerhard Martins, não foi emitido por nenhuma autoridade sanitária ou de Saúde nas esferas municipal, estadual ou federal em 2024.

Já o contato com a água de alagamento não é aconselhável não apenas por conta do cromo, mas também pelas sujidades que a água sobre a rua carrega — seja no bairro Niterói ou fora dele.

Sobre o cromo

A afirmação de que as pessoas que tem contato com o cromo podem ‘contrair câncer’ não expressa exatamente uma verdade. O cromo é um metal pesado encontrado em abundância na natureza, inclusive em alimentos. Banana, cenoura e levedura de cerveja são alimentos que contém cromo, por exemplo.

A forma encontrada no solo e lençol freático sob o bairro Niterói em 2018 é a do Cromo IV — exatamente a que se utiliza para cromagem de peças e ferramentas. Em contato com o organismo, essa variante pode provocar irritações agudas de pele, doenças pulmonares e úlcera. Em casos de exposição prolongada, aumenta o risco de desenvolvimento de tumores cancerígenos — daí a preocupação do contato com o solo contaminado ou o consumo de água subterrânea na região, que segue proibida até hoje. 

Aqui vale o reforço: NÃO CONSUMAM ÁGUA DE POÇO ARTESIANO NO BAIRRO NITERÓI.

O Ministério da Saúde aponta que trabalhadores que respiram ar saturado de cromo tem aumento do número de casos de câncer, mas não há dados de que moradores de áreas próximas à indústrias que utilizam esse material tenham maior risco de contrair a doença. 

A água distribuída pela Corsan no bairro Niterói, que é captada do Rio Gravataí e não de poços, passa por testes, é tratada e pode ser consumida com segurança.

Órgãos envolvidos

Procurado, o Ministério Público não respondeu ao questionamento do blog sobre o inquérito aberto em 2018 sobre o vazamento de cromo no bairro Niterói.

A FEPAM não enviou até o fechamento desta publicação a atualização sobre o dano ambiental provocado pelo episódio na região.

O que diz Eduardo Gerhardt Martins

ATUALIZADA — O FAROfino conseguiu conversar com o advogado Eduardo Gerhardt Martins, autor do vídeo, na manhã desta terça-feira, 18. Ele explica que fez o vídeo no domingo baseado na informação verídica de que há uma contaminação no solo do bairro Niterói. “Não sou jornalista, mas me baseei em alertas da própria prefeitura sobre o risco de alagamento no bairro”, disse.

De fato, a Prefeitura de Canoas emitiu alerta na quinta-feira, 13, para a possibilidade de alagamento em pontos mais baixos da cidade em razão do entupimentos da rede de escoamento da água da chuva — entre eles, o bairro Niterói. No final de semana de 15 e 16 de junho, no entanto, não houveram registros de água parada sobre as vias pública. Não há qualquer relação mencionada entre o alerta de alagamento e a contaminação por cromo identificado em 2018.

“Meu alerta está baseado em notícia publicada na edição impressa do Diário de Canoas, em posts e sites na internet”, confirma Martins. A notícia publicada no jornal é a mesma de 2018. O erro foi corrigido na edição de terça, 18 de junho.

“Talvez algumas pessoas não gostem do tom que adotei no vídeo, mas o recado é verdadeiro. Houve uma contaminação por cromo IV e houve um alerta para alagamento”, afirma. “É um alerta de prevenção à saúde, das pessoas e às suas famílias”.

Eduardo Martins lembra, ainda, que desde 2018 não se tem notícia de que as autoridades tenham tomado qualquer medida ambiental na região, “apenas a ação repressiva do Ministério Público”.

ATUALIZAÇÃO — Após a postagem da matéria, Eduardo Gerhardt Martins enviou comentários a respeito de sua manifestação que foram acrescentados ao texto original.

O FAROfino é uma iniciativa que combate a desinformação na internet. Dúvidas e sugestões de pauta, converse com a gente!

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