Maioria defende comissão com 13 integrantes enquanto proponentes querem apenas 7 na linha de frente da investigação
A CPI da Enchente foi aberta nesta terça-feira, 4, em uma sessão online a muito contragosto da oposição. Proponentes da investigação sobre decisões tomadas pelo prefeito Jairo Jorge na crise da enchente queriam sessão presencial e plenário lotado; o plano era comemorar a vitória política da abertura da CPI “nos braços do povo” — mesmo que o povo fossem os pré-candidatos dos partidos de oposição.
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Após uma série de reuniões de alinhamento que varam parte da madrugada anterior, que até um resfriado deram ao secretário de Assuntos Institucionais, Mário Cardoso, a base de apoio ao governo resolveu não questionar a abertura da comissão. Como um fato dado, trataram de tomar à dianteira na condução dos trabalhos. A intenção mostrou sua cara no requerimento acatado pelo presidente Cris Moraes (PV) que estabeleceu o retorno da sessão online e se tornou inequívoca na proposta do vereador Emílio Neto (PT), avalizada pela maioria, para que todas as bancadas indicassem representantes à comissão.
O que surgia na tarde de segunda-feira, 3, para ser uma grande vitória da oposição, a abertura da CPI da Enchente terminou a manhã da terça, 4, com um certo gosto amargo de empate.
Não dá para dizer que é exatamente uma surpresa.
A bancada pró-governo tem maioria na Câmara. Após a mudança de lado de Eric Douglas (União Brasil), que assinou a CPI e deu a oposição o sétimo ‘ok’ necessário à investigação, a maioria não iria esperar para tomar um pealo da minoria sentada em um cantinho do plenário, como se tola fosse.
Ao fim e ao cabo, a CPI da Enchente vai sair — mas não sem o ‘registro genético’ da bancada de situação.
Escolha da presidência ficou para quarta
O primeiro embate da recém-nascida CPI é, por sinal, a sua composição. De acordo com o artigo 22 do Regimento Interno da Câmara de Canoas, comissões de inquérito serão compostas por 7 membros. A forma de escolha destes membros não é clara. E aí começou o primeiro impasse.
Por analogia, a composição pode seguir a regra das demais comissões da Casa: a proporcionalidade. Os maiores partidos indicam os membros para que a CPI seja, enfim, uma espécie de miniatura formal do plenário. O critério da proporcionalidade, no entanto, não tem uma forma de cálculo clara no regimento: para efeitos da composição da CPI, vale o número de vereadores de cada partido ou os votos que fizeram em 2020? A janela de trocas, em março, criou partidos que não haviam no início da legislatura — vale o que tinha lá ou o que se tem agora?
Por estas dúvidas e, principalmente, por contar com o apoio da maioria, Emílio propôs uma solução diferente: cada bancada indica um. Só que, aí, a CPI teria 13 e não apenas 7 vereadores.
Em reunião à tarde, o assunto foi discutido à exaustão e não se chegou a um acordo. A oposição quer 7 integrantes indicados pelos maiores partidos — os 7 que tem dois vereadores no momento. E não abrem mão da presidência dos trabalhos para Juares Hoy, o primeiro signatário do pedido de investigação.
Se preciso, prometem ir à Justiça para terem o assunto resolvido.
Reputo que, na Justiça, mais fácil a CPI ter 7 do que a maioria não poder escolher o presidente. Ocorre que em casos de omissão de norma no regimento e mesmo havendo uma prática consagrada para determinar como superar uma questão, a regra máxima de qualquer parlamento democrático é a de que o plenário é sempre soberano. Em outras palavras, a maioria vence.
E errado não está. A democracia é um jogo em que os impasses são superados pelo voto das maiorias. Acordos e composições são uma arte dedicada da política.
Nova tentativa ou tapetão
Ainda em busca de um improvável entendimento, os 13 indicados para a inchada CPI vão se reunir outra vez na tarde desta quarta-feira, 5, às 16h. Se houver acordo, saem do encontro com os nomes para presidência e relatoria escolhidos. Caso contrário, dificilmente terminam o dia sem que o caso vá parar nos tribunais.
O efeito político da ‘estratégia da maioria’ foi que mesmo alguns dos proponentes da CPI recuaram sobre a dedicação plena à comissão. Pelo menos dois vereadores, sob o pedido de sigilo, disseram ao blog que podem desistir da CPI se a oposição não ficar no comando dos trabalhos.
Que fique claro: não é que tenham se tornado ‘jairistas’ tardiamente; o caso, aqui, é político. A quatro meses da eleição, viam a chance de embalar a CPI na revolta dos atingidos pela enchente e, ao jogar tudo isso numa aposta à impopularidade de JJ, viabilizar uma candidatura. Sem a perspectiva de protagonismo, podem reavaliar. Politicamente, o desgaste do governo com a abertura da CPI e a energia que está sendo gasta para dominá-la já tem seus efeitos.
Mas repito, sob alerta: não é que pensam em parar por aqui; só que não estão dispostos a dar murros em pontas de faca — nem em paredes, mesmo que sejam as acarpetadas paredes do plenário da Câmara de Canoas, em sessões que a partir de agora serão online.
Enquanto isso…
Alheio à tensão sobre a Câmara nesta terça, mas muito bem informado sobre ela, Jairo Jorge não quis comentar sobre a abertura da CPI. A assessoria disse que o prefeito “concentra seus esforços na recuperação da cidade, como tem feito desde o início da crise da enchente”. Na agenda, teve uma reunião pela manhã com o presidente do TCE, Marcos Peixoto, e vistas às comunidades atingidas pelas águas no lado Oeste da cidade.
Não demora e JJ resgata a frase com que Lula se livrou do desgaste do mensalão, lá em 2006, quando era fustigado pela crise em meio à reeleição: “deixa o homem trabalhar!”