BLOG DO RODRIGO BECKER

CANOAS | JJ e as três missões do domingo: o resgate, o acolhimento e a dinâmica da tragédia

Prefeito Jairo Jorge ao lado do secretário do EClima, José Fortunati, no Centro Integrado de Comando e Controle: ações de resgate e acolhimento de desabrigados são coordenados deste gabinete de gestão. Foto: Divulgção/ECom PMC

Após receber o presidente Lula na Base Aérea, prefeito conversou com o blog sobre as prioridades do segundo dia da histórica enchente em Canoas

Insone há três dias, visivelmente mais magro e sempre atento a um telefone que toca minuto sim e outro também, o prefeito Jairo Jorge segue à frente do Centro Integrado de Comando e Controle na Rua Humaitá, pertinho do Centro de Canoas, onde funciona o gabinete de gestão da crise instaurada com a enchente que sacudiu a cidade. Sai de lá sempre que chamado a acompanhar alguma situação que exija sua atenção imediata. E tudo parece exigir nestes dias de tensão e caos permanente.

A situação na cidade vem sendo comparada a um cenário de guerra e em muitos momentos se parece mesmo com uma. 

A questão, aqui, é que nenhum de nós desta geração viveu, de fato, uma guerra ao vivo e a cores. Nada do que assistimos pela TV na Síria ou na Ucrânia preparou nosso espírito e resiliência para o que a chuvarada dos ‘três meses em quatro dias’ asseverou sobre a cidade, transformando um dos bairros mais populosos do Estado, o Mathias Velho, num sítio inóspito de água lamacenta e gente desesperada pedindo por socorro em cima do próprio teto, torcendo para que a chuva passe e não volte. No último levantamento da Prefeitura de Canoas, os pedidos de resgate vindos pelo WhatsApp de emergência criado exclusivamente para centralizar a busca pelos desabrigados em áreas alagadas registrou 63 mil mensagens das 9h da manhã de sábado, 4, às 11h da manhã de domingo, 5. Sessenta e três mil, repito.

São essas vozes e não a falta de sono que pesam sobre o prefeito neste domingo, 4 — exato uma semana antes do Dia das Mães. Conseguiremos devolver todas as mães de Canoas a tempo de abraçarem suas famílias no próximo final de semana?

“Nossa missão, hoje, segue sendo o resgate de quem continua nos telhados. Preciso agradecer às Forças Armadas que enviaram aeronaves e estão sobrevoando nossos bairros em busca de quem não consegue sair e todos os voluntários que estão nos ajudando de barco sem um minuto de descanso há dois dias”, lembrou Jairo Jorge. 

A previsão do prefeito é que o serviço de retirada dos atingidos seja concluído ainda neste domingo, mais tardar nas primeiras horas da segunda-feira, 6. “Não temos um número preciso sobre quantos resgates foram feitos. Nossa prioridade no momento é salvar vidas”, disse. “Mas acredito que conseguimos com o esforço dos voluntários e de todo o aparato que está aqui, servidores, guardas municipais, Brigada Militar, Exército, Defesa Civil, enfim, resgatar a maioria das pessoas que pediram ajuda até agora”.

Numa contabilidade solidária e informal, longe de ser exata, dá para dizer que mais de 15 mil pessoas foram retiradas da zona alagada a Oeste da cidade. Conte mentalmente seus amigos e, quando chegar a 20, pare; olhe para todos e pense que, entre eles, um foi tirado de dentro das águas — é essa a proporção dos resgates em relação a população da cidade. 

É muita gente. E isso nos leva à segunda prioridade do governo.

Na verdade, a prioridade número 2 já está em andamento desde a noite de sexta-feira, 3: o acolhimento dos desabrigados. Para se ter uma ideia da dimensão dessa operação, a Prefeitura iniciou o sábado com 8 abrigos públicos na cidade e chega ao meio-dia de domingo, 5, com 49. “Temos, hoje, 20 mil pessoas acolhidas”, informa o prefeito. E a previsão é que outros abrigos ainda sejam abertos ao longo do dia. Há pessoas sendo levadas para Cachoeirinha, Gravataí, lugares sendo oferecidos como abrigo em Santo Antônio da Patrulha e até Osório.

O blog tem uma lista de onde ainda há vagas e onde ficam os locais para que voluntários possam ajudar no acolhimento dos desabrigados. Basta acessar o post CANOAS | Abrigos da enchente: onde buscar acolhimento ou fazer doações e conferir.

A dinâmica da tragédia

Devido ao socorro das vítimas, Jairo Jorge disse que não requisitou nenhum dos barcos em atividade na cidade para conferir as barreiras de contenção da cidade. Esse serviço de vistoria deve começar ainda na segunda-feira, 6, depois que o resgate estiver concluído.

“A gente imagina que houve um rompimento do dique, mas precisamos entender o que houve. Não parece ter sido apenas um extravasamento”, avaliou. 

Pelas informações que já chegaram ao gabinete de gestão, foi possível aferir que entre 4h e 4h30 da madrugada de sábado, 4, houve uma grande quantidade de água entrando ao mesmo tempo no bairro Mathias Velho, Fátima e Rio Branco. “No Hospital de Pronto Socorro, a água chegou muito rápido. Se fosse apenas um extravasamento, não teria tanta velocidade. Mas não sabemos em que ponto rompeu e nem como se deu porque não podemos parar os resgates agora para ver isso”, explicou Jairo Jorge.

Nos bairros Fátima e Rio Branco, o problema parece ter sido a elevação do Rio Gravataí combinada com o super volume de água que desceu pelo Arroio Araçá — mas um transbordamento do dique ou mesmo um outro ponto de rompimento também não está descartado.

“Na escola Thiago Würth, tivemos 4 metros de água em um determinado momento. E foi muito rápido. Entender como isso funcionou pode nos ajudar no processo de recuperação, de prevenção futura e de vazão da água acumulada em todo o lado Oeste da cidade”.

Não há dados oficiais sobre número de mortes

De sábado para domingo, os rumores sobre o número de mortes na área alagada começaram a ganhar espaço nas redes sociais. A preocupação das pessoas com o resgate das vítimas, aos poucos, começou a dar espaço para curiosidades mais mórbidas e, muitas vezes, desnecessárias.

O problema é que basta uma informação desencontrada para uma enxurrada, desta vez virtual, de likes e cliques em uma grande curva de desinformação. E não importa se quem começou a corrente são mal informados ou ‘informados do mau”: o resultado é o mesmo; perturba, fere, machuca — mas dá engajamento.

Segundo os números oficiais, Canoas teve duas mortes confirmadas durante o resgate dos pacientes do Hospital de Pronto Socorro ainda no sábado. Olhando para a dimensão que enchente tomou e a extensão dos estragos, vendo que muita gente preferiu ficar e não sair de casa pelos mais diversos motivos e sabendo que nem todos souberam lidar com a adversidade que a natureza impôs, não posso duvidar de que os próximos dias revelarão mais vítimas.

Mas me cabe, como jornalista de ofício, ter a máxima responsabilidade quando ponho uma informação no ar.

Aguardem as informações computadas pelas autoridades e acompanhem os veículos de comunicação que lidam com seriedade a respeito do trabalho que fazem. Clique não é sinônimo de verdade. Nesse tempo em que agir com respeito parece não ter graça e só a lacração garante a fama, reflua: não ser um peso na vida de quem está sofrendo já é bastante.

Cuidem-se.

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