Vice pretendia se apresentar para assumir o cargo às 11h, mas interlocutores foram surpreendidos por prefeitura sitiada e recusa à transmissão sem a presença do prefeito interino, Cris Moraes
Não foi só no céu que o tempo enfeiou sobre Canoas. Na política, já nas primeiras horas da manhã, já dava para perceber que o dia estava sujeito a chuvas e trovoadas. Não era ainda 9h e a Rua 15 de Janeiro começou a ser tomada de viaturas da Guarda Municipal, sob orientação do paço. Às 10h, eram 11 viaturas, contando três da Brigada Militar que posicionou homens estrategicamente ao longo da Rua Ipiranga com equipamentos para dispersão de multidões.
As forças de segurança da cidade estavam preparadas para uma ‘batalha campal’, o que, no fim, não houve.
“O que está acontecendo aí?”, perguntou uma senhora que vinha da Fruteira do Juca, bem em frente ao paço, assustada com a quantidade de gente na Praça da Emancipação ainda decorada com os adereços do Natal da Solidariedade. “É para posse do novo prefeito”, respondeu um apressado, sem explicar mais nada.
Na verdade, o aparato da polícia e as cerca de 100 pessoas que tomaram conta das calçadas na esquina da Ipiranga com a 15 de Janeiro estavam lá para testemunhar uma troca de mãos no poder que não houve. Nedy de Vargas Marques, o vice que tem o direito de governar a cidade enquanto durar o afastamento do prefeito Jairo Jorge, deixou o Hospital São Francisco da Santa Casa de Misericórdia, em Porto Alegre, ainda na noite de segunda-feira, 18, anunciando que amanheceria no paço. Sem qualquer diálogo com os atuais ocupantes do palacinho, informou à imprensa que entraria no prédio às 11h, com Cris Moraes o esperando ou sem ele.
Antes das 10h30, no entanto, o quadro mudou.
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Orientado por advogados, Nedy sequer compareceu ao paço. Os vereadores Gilson Oliveira (Avante), presidente interino da Câmara de Canoas, Abmael Oliveira (Solidariedade) e Juares Hoy (PTB) foram incumbidos de irem ao gabinete impor a posse do vice como fato dado. Ouviram um ‘não’ do chefe de Gabinete, Celso Pitol. “Sem o prefeito interino aqui, o cargo não será transmitido”, informou.
Cris Moraes, o interino, está em viagem oficial a Brasília desde a manhã de segunda. Seu retorno foi programado para a tarde desta quarta, 20. Ele deve estar na cidade à noite, quando estaria disposto a entregar o cargo a Nedy, como manda a lei – o ‘estaria disposto’ é o que dizem seus assessores, de dentro do paço sitiado, ao abrigo da interpretação que fazem da lei.
Falando em lei, Nedy também tem sua interpretação do que deve ser feito. Com o afastamento de Jairo Jorge em 23 de novembro e a posse de Cris Moraes no dia 24 durante o período de internação do vice, os advogados de Nedy entraram com um mandado de segurança contra a assunção de Cris à condição de prefeito. Não levaram, mas a juíza Adriana Morozini acabou interpretando o pouco que a Lei Orgânica e o Regimento Interno da Câmara determinam sobre ‘posse’ e ‘transmissão de cargo’. Segundo o despacho dela, a posse deve ser feita em sessão especial da Câmara de Vereadores, de modo presencial. Não há regra clara sobre o que seria ‘transmissão de cargo’, embora o costume amplamente utilizado no município seja o que de que o cargo seja transferido apenas com uma ata oficial registrada em livro específico de atos de posse.
Para Nedy, basta cumprir com o que a juíza disse no despacho – tomar posse pela Câmara em sessão especial – para que a assunção ao governo esteja, então, confirmada de acordo com a lei.
Por certo, não é o que pensa o núcleo político que lidera o atual governo. Para eles, a posse na Câmara já foi dada em 1º de janeiro de 2021, com Jairo Jorge assumindo a prefeitura com Nedy de vice. Dali por diante, tudo o que houve foram transmissões de cargo: sempre que o titular precisou se ausentar, passou para o vice a incumbência do governo. E, durante o primeiro período de afastamento de JJ, a cerimônia foi substituída por uma ordem judicial – da mesma forma que aconteceu com Cris, em 24 de novembro.
Por conta dessa controvérsia toda e com a volta de Cris programada para esta quarta, o caso da posse na Câmara deve implicar em nova provocação judicial. Um lado e outro se preparam para a batalha jurídica em que se transformou a linha sucessória da terceira economia do Estado e a forte presença da polícia em frente ao paço nesta terça só reforça a ideia de que ninguém, de qualquer dos lados, está para brincadeira.
Que temporal, hein?
Uma resposta
Canoas é uma pouca vergonha o atual prefeito deveria renunciar ao cargo e deixar o vice assumir e em 2024 se quiser se candidatar novamente que se enfrentem os dois nas urnas.