BLOG DO RODRIGO BECKER

CANOAS | Protesto com ovos: ‘povo pelo povo’ virou desculpa para o deboche; democracia não é ‘amém’ à baderna

Grupo de manifestantes que foi à Câmara provocou encerramento da sessão, bloqueou o trânsito na Rua Ipiranga e atirou ovos no prédio da Prefeitura nesta terça-feira, 28

Primeiro, antes que chiem os haters de sempre, acho válidos os motivos do protesto. E minha concordância com o que houve entre o final da manhã e o início da tarde desta terça-feira, 26, no Centro de uma Canoas ainda machucada pela enchente, para por aí.

Aos fatos, então.

Um grupo de manifestantes convocados à Câmara por grupos políticos pelas redes sociais, entre eles pré-candidatos a prefeito e a vereador, encheu o plenário pouco antes das 9h. O objetivo era claro: reforçar o pedido de abertura de uma CPI para investigar atos do governo na crise da enchente, ainda em curso. 

O pedido foi entregue pelo professor Juninho, treinador de futebol amador do bairro Harmonia — mas o regimento interno da Câmara não prevê que uma CPI seja aberta a partir de uma denúncia popular. É preciso a assinatura de pelo menos 7 vereadores para que a comissão de investigação seja instalada. A Oposição ao governo Jairo Jorge conta, hoje, com 6 votos: Juares Hoy e Jonas Dalagna, do PP; Airton Souza e Abmael Oliveira, do PL; Márcio Freitas e Leandrinho, do PRD. Eric Douglas, do União Brasil, e Gilson Oliveira, do DC, estão independentes — Eric, por exemplo, votou com oposição na semana passada em discussão sobre apertura de um impeachment contra o prefeito.

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Tanta gente no plenário gerou confusão. O presidente da Câmara, Cris Moraes (PV), acabou interrompendo os trabalhos para recessos sucessivos na tentativa de acalmar os ânimos da plateia. Sem condições para que os vereadores pudessem se manifestar, a sessão restou encerrada, com o indicativo de uma audiência à tarde com uma comissão de manifestantes com até cinco integrantes, para serem recebidos pelos vereadores às 14h.

O pedido de CPI segue na pauta aguardando as assinaturas.

A confusão na rua

Ao deixarem a Câmara, os manifestantes partiram para um protesto improvisado. Pelas imagens que rodaram as redes sociais, é possível identificar representantes de partidos políticos, pré-candidatos e vereadores de oposição no meio dos populares. Aliás, a maioria dos vídeos que rodam os grupos de WhatsApp foram feitos por políticos ou assessores deles. Com a turma do grito gritando e a turma do IPhone filmando, a Rua Ipiranga, no Centro, não teve condições de receber o trânsito de veículos por pelo menos um hora. 

Não demorou e todos estavam em frente ao paço, na esquina com a Rua XV de Janeiro. E o protesto, que se dizia espontâneo, ao demonstrar que tinha endereço marcado, revelou também ser premeditado.

Caixas de ovos foram trazidas aos manifestantes que começaram a atirá-los, um a um, na janela do segundo andar do paço, onde fica a cozinha que atende ao gabinete do prefeito. Pelos vídeos, dá para ver que pelo menos uma centena de ovos foram arremessados contra a parece amarela do prédio erguido na década de 60 para servir de sede à intendência da cidade.

Quem dos atiradores enraivecidos tivesse olhado um pouco mais à esquerda, ou tivesse andando um quilômetro adiante da Estação Canoas do Trensurb, talvez já encontrasse gente a quem aqueles ovos serviriam a uma refeição.

O protesto e o deboche

Talvez tivesse passado desapercebida a questão do ‘protesto premeditado’, mas ao atirarem ovos no paço, não tem como não pensar que foi de caso pensado. Ovos não brotam do chão. Foram levado ali por alguém que queria vê-los espatifando-se contra a parede da prefeitura.

Mas desperdiçar comida, em momentos de calamidade ou não, está errado. Aos haters de sempre, ou pelo menos os que tiveram a paciência de chegar a esta altura do texto, aviso: reputo um deboche atirar comida fora enquanto uma multidão só come a quentinha que chega porque nem casa mais tem.

O direito da minoria

A CPI é um sagrado direito da minoria, já disse Ulysses Guimarães, o pai da Constituição de 1988. E será em Canoas, se a oposição tiver as 7 assinaturas — com ou sem pressão nas galerias. Vereador algum mudará seu voto porque o colega do partido do lado chamou gente para lotar as cadeiras a vaiar ou aplaudir conforme a demanda da vez.

Vimos isso quantas vezes? Votação de contrato com a Corsan, licitação dos ônibus, aumento ou mudará nos direitos dos servidores, reformas administrativas… enfim. O que muda voto é a política e não o grito renitente. A conversa e o argumento pesam mais do que a pressão e a ameaça do ‘vamos lembrar disso em outubro’ porque há um outubro para todos — sejam eles da oposição ou aliados do governo.

Com o disse na primeira frase deste post, acho válido o motivo do protesto — saber o que, de fato, motivou decisões de governo nos momentos de crise. Mas gostaria de ver a Câmara de Canoas, uma cidade que teve 60% de seu território coberto pelas águas, com maturidade suficiente para discutir isso sem ovos sendo jogados contra a parede de quem for. As soluções políticas antigas não serão suficientes para superarmos a crise posta — porque esta é uma crise nova, intensa, dura, prolongada e difícil.

Aos atiradores de ovos, lembro que a democracia avaliza a divergência, nunca a baderna.

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