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Carlos Arthur: de brigão de rua ao hall da fama mundial

Carlos Arthur, atleta do levantamento de peso, optou pelo esporte para superar uma tragédia familiar e escapar do mundo das drogas. Ganhou o hall da fama norte-americano.

Negro, pobre, órfão aos 13 anos – com uma tragédia familiar que o levou a ser um adolescente rebelde, daqueles que na rua partia para a porrada por qualquer razão… Qual o futuro que o leitor imagina para um gurizão do interior, onde as chances de emprego são mais escassas e numa época em que estudar era apenas uma opção, e não uma obrigação?

Foi neste cenário que se viu Leléco, como ainda é chamado Carlos Arthur da Rosa, hoje com 52 anos, que encontrou no esporte a força que necessitava para deixar as ruas, fugir da violência, escapar do mundo das drogas e – literalmente – chegar ao Hall da Fama, nos Estados Unidos. Natural da cidade de Taquari, Carlos Arthur é, como os críticos da sociedade chamam, um sobrevivente.

— Assim como o esporte me salvou, pode salvar muita gente. Costumo dizer que o esporte salvou minha família porque, hoje, não tem ninguém entre os parentes que tenha algum tipo de envolvimento com o ilícito — diz o halterofilista que, segundo as próprias contas, acumula tantas horas de voo suficientes para dar seis voltas no planeta dentro de um avião.

O recordista mundial de halterofilismo – 300 quilos, 310 quilos e 320 quilos (este último aos 36 anos), marcas alcançadas em diferentes idades e peso e que ainda não foram batidas – iniciou no mundo do esporte no pugilismo, onde chegou a ganhar títulos. Nada muito significativo e nem perto das centenas de medalhas e troféus que acumula em todos os cantos da casa.

Foi em uma época na qual o pugilismo não dava tanta visibilidade aos boxeadores, pelo menos aqui no Brasil, e por isso havia dificuldade muito maior em sobreviver distribuindo socos e provocando nocautes dentro de um ringue. Não que levantar ferros tenha lhe oportunizado a consagração e a redenção financeira. Carlos Arthur, ao contrário, já enfrentou muitos perrengues no seu dia a dia.

— Sou muito mais conhecido, hoje, nos Estados Unidos do que aqui mesmo, no meu país — reclama com voz enrouquecida o atleta da vida que também é técnico químico, em física, que chegou a ensinar matemática e física quântica em escolas e hoje batalha para concluir a faculdade de Educação Física.

 

Fazendo contas

 

Carlos Arthur já perdeu a conta de quantos títulos tem. Uma certeza, apenas, é que são 15 títulos mundiais. Das conquistas maiores, nacionais e estaduais, faz as contas por eliminação.

— Se são 15 mundiais que eu ganhei, e se eu comecei a ir para as competições mundiais já com alguns títulos gaúchos conquistados, devo ter uns 20 troféus de primeiro lugar, de competições e campeonatos gaúchos. Dos nacionais deve ser o mesmo número, por aí — fala, sem muita convicção.

Dos campeonatos vencidos fora do país, um foi na Rússia, um na Geórgia, outro no vizinho Uruguai e o restante, todos, nos Estados Unidos. É que a terra do “Tio Sam”, segundo o atleta explica, é o berço do levantamento de peso. É um esporte que tem sua origem entre os norte-americanos e as competições são geralmenrte em grandes centros como Nova Iorque, Atlanta e Las Vegas, entre outras grandes metrópoles.

 

Modalidades que pratica

 

Carlos Arthur se dedica ao levantamento de peso desde os seus 33 anos, há quase 20 anos, portanto. É um dos poucos atletas que pratica simultaneamente três modalidades diferentes: supino, deadlift (terra) e power biceps

 

NA INTERNET

 

Carlos Arthur no Facebook

 

AS REGRAS (principais)

 

Supino (Bench Press)
 

– O competidor deve assumir posição, do início ao fim do movimento, com os ombros, costas e nádegas em contato com o banco, os pés em contato com o chão.

– Após o sinal do juiz a barra deve subir até travar os cotovelos e ser mantida imóvel até o sinal do juiz para baixar a barra.

– O atleta deve baixar a barra sobre o peito, de forma alguma será válido o movimento abaixo ou na barriga.

 

Levantamento Terra (Deadlift)
 

– A barra deve permanecer horizontalmente na frente dos pés do competidor, que deve agarrá-la e levantá-la em movimento contínuo até ficar em pé, ereto.

– O levantador deve terminar o movimento com os joelhos travados e os ombros encaixados para trás. O juiz dará o sinal “desce” após o competidor estiver completado o movimento.

 

Power Bíceps (Power Curl)
 

– O competidor retira a barra em forma de W devendo ficar com o corpo ereto (braços estendidos e joelhos retos).

– O movimento deve ser total com os joelhos retos e o competidor deve encostar a barra no peito e esperar o sinal do juiz para descer a mesma. 

 

Rotina

 

A força de Carlos Arthur, que no ano passado levantou 280 quilos em um campeonato que venceu, marca considerada excelente para os seus 52 anos, não vem somente do arroz e do feijão. Ele tem uma rotina diária que segue à risca e que envolve muito treinamento. Sai da cama as 5h30min e, literalmente, cai dentro da academia que fica nos fundos da casa em que mora.

Treina até as 7h30min e, depois do banho e do café da manhã, vai para o Centro Municipal de Saúde (o CMS inaugurado pelo governo municipal no começo do mês passado) onde trabalha na recepção – diz que até carrega paciente nos braços, favorecido pela sua condição física.

No CMS fica até as 17h. De lá, de ônibus, vai até a Universidade Luterana do Brasil, em Canoas, onde estuda, geralmente, até as 23h. E ele garante, assegura e quase jura que no outro dia faz tudo de novo.

Essa rotina é real, coisa de todos os dias?

— Irreal é não treinar, não vir logo cedo para a academia. Quando isso acontece eu fico “p” da vida. Se eu não treino de madrugada sou obrigado a treinar à tarde — revela.

 

Atleta da Ulbra

 

Na Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) – da qual ganha apoio para frequentar o curso superior de Educação Física – se tornou o primeiro atleta-halterofilista-universitário-negro do Brasil. E, na Ulbra também, campus de Canoas, foi o primeiro treinador de uma equipe de levantamento de peso.

 

Academia em casa

 

O levantamento de peso não rendeu dividendos financeiros de acordo com as necessidades do atleta Carlos Arthur. Muito menos para cobrir os custos que o Carlos Arthur empresário tinha quando mantinha academia no centro da cidade. “Na avenida”, como ele fala. Os custos com aluguel de prédio, energia, água, impostos, entre outros, inviabilizaram os negócios. Mais de uma vez.

Para manter o negócio, em certas ocasiões ele deixou vazia a despensa de casa, não raras vezes até deixou a família às escuras por falta de dinheiro para pagar a conta de luz. Até que desistiu e resolveu montar uma academia onde se acumulam muitos mil quilos de ferro entre barras, aparelhos e pesos. Agora, frequentada por amigos que, quando podem, lhe ajudam a cobrir os custos financeiros.

E ele vai quase as lágrimas quando lembra de situações difíceis que viveu.

— Aconteceu mais de uma vez de eu chegar de uma competição que ganhei e ter que descer do carro dos Bombeiros (depois de desfilar pela cidade) na frente da academia. Eu tinha vergonha de pedir para descer em casa porque estava com a luz cortada, ou não tinha água… Muitas vezes sacrifiquei minha família para manter a academia — conta.

Em casa, ocupou primeiro o pequeno espaço que servia à modesta lavanderia. Depois, foi a vez de sacrificar a área onde ficava a churrasqueira e, quando podia, reunia a família para um assado. Logo em seguida foi-se parte do terreno onde sentava à sombra para conversar ou descansar. Agora, na fase final de construção, está ocupando o que resta do terreno nos fundos da moradia.

 

O Hall da Fama

 

1

Carlos Arthur da Rosa é o único atleta brasileiro que está no Hall da Fama dos Estados Unidos entre os atletas de halterofilismo e nas várias modalidades deste esporte.

 

2

Para chegar lá, as regras são rígidas. É necessário ter pelo menos 10 títulos mundiais consecutivos. Isso mesmo! Um atrás do outro.

 

3

Outra exigência para que um atleta faça parte do seleto grupo é ter alcançado cinco recordes mundiais. Também consecutivos. Um atrás do outro.

 

4

Mais do que as vitórias e os recordes, o atleta precisa ter competido sempre, “limpo”. Não pode nunca, jamais, ter sido positivado em qualquer exame antidoping.

 

Confira abaixo o vídeo do bate-papo do atleta Carlos Arthur com o Seguinte: em que ele conta detalhes nunca revelados da sua vida. Clique na imagem!

 

Toma lá, dá cá!

 

Seguinte: – A falta de incentivo financeiro para o levantamento de peso enquanto atividade esportiva, não é consequência do fato de existirem muitos picaretas neste meio?

Carlos Arthur – Não tem como ter picaretagem. Isso tem nos esportes que ganham milhões de verbas, oficiais ou não, como é o caso do futebol. Não tem nem como ter picaretagem no nosso meio porque a gente não recebe verba alguma, não entra dinheiro como no futebol, no vôlei, e outras modalidades que têm maior visibilidade, são os esportes de massa.

 

Seguinte: – O esporte é, também na tua visão, uma forma de tirar a juventude e os potenciais atletas das ruas e da marginalidade?

Carlos Arthur – O esporte faz mais ainda: Não deixa o jovem entrar nesse mundo do crime. Eu sou adepto e defendo a ideia de que se precisa trabalhar com a prevenção, porque nem sempre há solução para alguém que entra no mundo do crime, das drogas. Sem contar que prevenir é mais fácil e mais barato, financeiramente falando.

 

Seguinte: – Prevenir seria unir o esporte e a educação e entregar esse pacote aos jovens?

Carlos Arthur – O esporte já é uma forma de educar. É a velha história: mente sã, corpo sadio! O esporte tem regras, ensina o jovem a ter rotinas e respeitar as outras pessoas.

 

Seguinte: – Depois de tudo que já vivestes no esporte, qual foi a viagem mais importante do Carlos Arthur, como pessoa e como esportista?

Carlos Arthur – Foi a viagem que fiz quando vim para Gravataí, que foi onde comecei a praticar o levantamento de peso e onde consegui conquistar o que tenho.

 

Seguinte: – Depois dessa…

Carlos Arthur – Foi minha primeira viagem para os Estados Unidos. Não sabia nada e muito menos de temperatura. Lá fazia um frio danado, era inverno, e eu viajei apenas só com um abrigo que ganhei das lojas Paquetá.

 

Seguinte: – O que mais te marcou nessa primeira viagem?

Carlos Arthur – Eu não tinha nem uma sacola para levar minha roupa. Botei tudo em um saco de lixo e fui para o aeroporto. Felizmente uma senhora me emprestou uma mala, mas até o aeroporto as  minhas coisas foram em um saco de lixo…

 

Seguinte: – Qual foi a maior derrota que tivestes?

Carlos Arthur – Foi ter perdido meus irmãos para as drogas e o álcool. Não condeno o que fizeram porque assim como eu eles viveram o drama de ter perdido os pais muito cedo. Só que eu tive mais sorte, de ter vindo para uma cidade grande, tive muita ajuda das pessoas.

 

 

Seguinte: – E a maior vitória?

Carlos Arthur – Poder estar aqui, hoje. Ter a minha academia e a companhia da minha família. 

 

Seguinte: – Já estás pensando em aposentadoria, vestir pijamas e pantufas?

Carlos Arthur – Já, mas vou treinar vestindo pijamas e pantufas! Não tem como abandonar mais isso aqui (a academia). Praticar exercícios e manter uma rotina de treinos modifica e melhora muito, mas muito mesmo, a vida das pessoas que “usam pijamas e pantufas”…

 

Seguinte: – O que dizer para a gurizada que está batendo pernas pelas ruas?

Carlos Arthur – Ah, vem bater peso aqui na minha academia! É bem mais saudável. A academia vai deixar eles fisicamente fortes, sem contar que a rua é o caminho para a perdição.

 

OLIMPÍADA

 

O atleta Carlos Arthur da Rosa vai ser homenageado como atleta que fará a abertura da 25ª Olimpíada Luterana da Ulbra, em Canoas, no próximo dia 24 de setembro. Além de transportar a tocha olímpica será um dos oradores da solenidade de abertura.

 

Filho atleta

 

O levantador de peso campeão mundial com recorde de 320 quilos erguidos, já está preparando seu sucessor. Casado pela terceira vez e pai de seis filhos (três homens e três mulheres), o mais novo, que tem até seu nome, está seguindo os passos do pai e treina diariamente para ser um bem sucedido atleta do halterofilismo.

Carlos Arthur da Rosa Júnior, com 19 anos, divide os treinos na academia que o pai ainda está montando nos fundos de casa com os estudos – cursa o último ano do Ensino Médio no Colégio Antônio Gomes Correa. E ele assegura que tem uma meta definida: ser campeão.

E o próprio pai incentiva Carlos Arthur Júnior. Já está mantendo contatos para tornar o filho um atleta da Sociedade Ginástica de Porto Alegre (Sogipa). A intenção é que Júnior tenha o treinamento adequado, com todo acompanhamento necessário, do físico ao psicológico, de olho no futuro.,

— Quer ver se consigo ver ele em uma olimpíada — confessa o Carlos Arthur pai.

 

: Carlos Arthur-pai e Carlos Arthur-filho, mirando as olimpíadas

 

 

 

 

 

 

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