Cláudio Ávila vai defender o prefeito Miki Breier (PSB) da ameaça de cassação em Cachoeirinha. Em mais uma das viradas dramáticas da nossa política, que supera qualquer conspiração ficcional de Beau Willimon em House of Cards, o advogado é o autor da denúncia que, em 2011, levou a prefeita Rita Sanco (PT) e o vice Cristiano Kingeski (PT) ao impeachment em Gravataí.
De volta de tour por Nova Iorque e Miami, “a trabalho e a lazer”, a personagem que lembra o polêmico trumpista Roger Stone visitou a Prefeitura na sexta para prestar solidariedade a Miki e desceu as escadas como defensor da causa, após uma conversa que também contou com a presença do ‘primeiro-ministro’ Juliano Paz e da primeira-dama Vanessa Morais.
Siga trechos da entrevista de Ávila ao Seguinte:, na qual, apesar de evitar detalhar estratégias, é possível antever caminhos da defesa que será apresentada pelo ex-assessor de Miki na Assembleia Legislativa entre 2012 e 2014.
– A denúncia é mera opinião sobre atos cotidianos da administração pública – argumenta o advogado que, em 2014, livrou do impeachment outro prefeito gaúcho, Dalvi Soares (PSB), de Dom Feliciano.
Os alvos políticos parecem claros nessa suposta conspiração ‘jurídico-político-familiar’: o cunhado vereador Marco Barbosa e o presidente da Câmara Fernando Medeiros.
Um 'golpeachment por parenticídio’.
Seguinte: – Já há uma estratégia jurídica para barrar a cassação?
Cláudio Ávila – Aguardamos a notificação do prefeito. Como a comissão processante foi aprovada na terça pela Câmara, e o prazo é de cinco dias, deve acontecer nesta segunda. Aí, há muita coisa para falar.
Seguinte: – Há decisões do Supremo que apontam necessidade de quórum qualificado de dois terços para abertura de impeachment. Será um dos argumentos da defesa para suspender o processo, já que a aprovação em Cachoeirinha se deu por uma maioria simples de 10 a quatro, com dois ausentes e sem o voto do presidente?
Ávila – Pode ser, mas prefiro ainda não entrar em detalhes sobre a estratégia da defesa. Há decisões aceitando maioria simples ou dois terços. Não é um debate simples.
Seguinte: – Em 2011, um primeiro processo de impeachment foi questionado pelo governo e derrubado pelo judiciário. Outro foi apresentado em seguida e aprovado. A defesa não incorre no mesmo erro de questionar o processo antes, quando poderia torná-lo nulo quando concluso?
Ávila – Até a notificação não vou adiantar os erros no processo, mas eles existem e são insanáveis.
Seguinte: – O vereador Marco Barbosa não está impedido de ser o presidente da comissão processante? É cunhado do prefeito. Cunhado não é mais parente?
Ávila – Não vou dizer se pode ou não, cabe ao legislativo, mas Marco é parente sim. O cunhado do prefeito, precisamente porque dele é parente por afinidade, na linha colateral, em segundo grau, conforme artigo 14, inciso sétimo da Constituição Federal, é inelegível para chefia do Poder Executivo no mesmo município. Há precedentes no STF. Logo é impedido para o processo de impeachment. A coisa é tão escancarada que o denunciante enviou ofício à Câmara na sexta alertando para o risco de impedimento de Marco Barbosa.
Seguinte: – A denúncia em Cachoeirinha lembra muito a de Gravataí. Técnica e politicamente. Há trechos que parecem um ‘Control C + Control V’, principalmente no que se refere à operação de crédito firmada com o Banrisul para pagar o funcionalismo, além de citar o filho do prefeito, da mesma forma que em 2011 a filha da prefeita era relacionada nas denúncias. Isso sem falar no racha do PSB, semelhante ao ocorrido no PT de Gravataí, em que dois dos seis vereadores votaram a favor da cassação…
Ávila – Brinco que as peças são quase iguais, mas uma tinha fundamento, a outra não. Essa história do filho é uma tremenda bobagem. Ele foi aprovado em concurso em outra gestão e era o décimo colocado entre 150 nomeados. Da mesma forma, citar apontamentos naturais do Ministério Público Federal em prestações de contas de campanha, como foi feito na denúncia em relação a Juliano Paz, não tem nenhuma relação com o prefeito e o vice. Não é uma competência do legislativo analisar isso, e, sim, da justiça eleitoral. A primeira denúncia feita em Gravataí foi por suposta prevaricação, o que o judiciário considerou errado e suspendeu todo processo. O de Cachoeirinha tem ainda mais nulidades.
Seguinte: – Politicamente a divisão no PSB lembra a do PT em Gravataí. O quanto a política influencia a estratégia jurídica?
Ávila – Gostaria de manifestar o mais absoluto respeito pela Câmara e pelo parlamento municipal, que está cumprindo com seu papel de fiscalização. A denúncia chegou e a Câmara está fazendo seu papel. Mas é preciso jogar luz sobre meandros políticos. Marco Barbosa foi derrotado politicamente no PSB por Miki e os ex-prefeito Vicente Pires e José Stédile, e agora age por revanchismo, o que, além do parentesco, é prova inconteste de parcialidade.
Seguinte: – Acredita que Marco Barbosa articulou o impeachment com o autor da denúncia, Lucas Hanisch?
Ávila – O denunciante tem o direito de cidadão de apresentar a denúncia, mas também precisa responder ao expor terceiros, como o filho do prefeito e Juliano Paz. Faremos as devidas representações na esfera cível e criminal. O denunciante foi assessor de Marco Barbosa, era seu procurador-geral na Câmara. Isso é mais um motivo para impedimento. Além disso, entre as denúncias está a falta de prestação de contas do prefeito ao legislativo. Mas era obrigação do presidente da Câmara convocá-lo. Quem era o presidente? Marco Barbosa. Quem anunciou rompimento com o prefeito pouco antes de apresentada a denúncia? Marco Barbosa. Então…
Seguinte: – Há algum outro político que entendas estar impedido de participar do processo?
Ávila – Entendo que o atual presidente da Câmara, Fernando Medeiros, é o principal interessado na cassação, já que assumiria a Prefeitura por 90 dias. Depois, há controvérsias criadas a partir da minirreforma eleitoral de 2015 sobre a realização de eleições indiretas, com o voto dos vereadores, em uma eleição suplementar com voto dos eleitores. Mas faremos um requerimento à Câmara pedindo filmagens, para saber por quais gabinetes o denunciante andou nos dias e minutos anteriores ao protocolo da denúncia. Tudo estava muito pronto, já estavam confeccionadas cédulas para o sorteio, mesmo com a denúncia apresentada minutos antes. Outro fato foi, pouco antes da votação, a providencial destituição de uma vereadora que votaria contra o impeachment para a volta de um vereador a favor. O presidente da Câmara está notoriamente empenhado em cassar Miki e Maurício. Enfim, há algo a mais além de um denunciante fazendo seu papel de cidadão.
Seguinte: – Perguntamos a Miki: “O pedido de impeachment é ‘fogo amigo’? O autor prestou serviços ao PSB e vives mesmo que não admitas relação difícil com os ex-prefeitos José Stédile e Vicente Pires…”. Ele respondeu: “Me afastei politicamente do ex-prefeito Vicente, mas converso normalmente, e muito, com o secretário de Estado José Stédile. O que sei é que o advogado autor do pedido de impeachment prestou serviços para a direção estadual do PSB por indicação do Vicente. Não gosto de fazer ilações, mas não discordo da suspeita”. Desconfias de participação do ex-prefeito nos bastidores dom impeachment?
Ávila – Vicente tem problemas maiores para se preocupar.
Seguinte: – Te referes à reprovação de contas?
Ávila – O que disse que é acredito que ele tenha mais coisas para se preocupar do que conspirar por um impeachment.
Seguinte: – O site O Repórter levantou suspeitas de que cada voto a favor do impeachment valeria 10 cargos em uma futura divisão da Prefeitura em uma ‘República de Vereadores’. Algo como o que aconteceu em Gravataí em 2011. Sabes algo sobre isso? O suposto toma-lá-dá-cá será usado na denúncia?
Ávila – Não acredito, porque alguns vereadores que votaram pela abertura do processo se mostraram surpreendidos pela pressa em ter que analisar tema tão complexo. Por que não votaram na sessão seguinte? A ordem do dia já está publicada sem constar a denúncia. Não houve tempo para os vereadores analisarem os documentos. Não se pode de forma açodada tentar cassar um prefeito, e um vice, eleitos democraticamente apenas por ambição de alguém notoriamente derrotado politicamente pelo prefeito, ou por outros interessados em se alçar de qualquer forma ao poder. Esse açodamento prejudicou a instalação e o andamento do processo. Acredito que a tentativa de impeachment será fulminada, quem sabe nas próximas horas. Ainda preciso ver com o prefeito se ele prefere dar a oportunidade do parlamento apreciar as denúncias ou se, assim que notificado, tomar as medidas judiciais pertinentes.
Seguinte: – Perguntamos a Miki: “cortaste um ‘mensalinho’ para políticos?”. Ele respondeu: “não sei se existia ‘mensalinho’. Mas garanto que em nosso governo nunca existiu. Governamos com uma composição política que ganhou as eleições, o que faz parte da democracia”. Sabes algo sobre ‘mensalinhos’?
Ávila – Não acredito. A gente ouve falar sobre muita coisa, mas tenho certeza de que não é, nem nunca foi prática no governo do Miki. Já trabalhei com muita gente honesta, e Miki é um dos mais honestos que conheço. Mas na política a gente sempre ouve falar nessas coisas.
Seguinte: – Fazes alguma mea culpa em relação ao impeachment em Gravataí?
Ávila – Juridicamente estava correto, tanto que os cassados tentaram mais de 30 medidas judiciais e o judiciário não aceitou nenhuma. Já politicamente, oito anos depois, como proponente da cassação acho que cidade não teve a resposta que merecia, e que eu imaginava. Gravataí piorou.
Seguinte: – Rompeste com Miki em 2014. Qual foi o motivo?
Ávila – Política. Tínhamos visões antagônicas sobre o MDB. Mas é um homem honrado, dois mais que conheci.
Seguinte: – Nas teorias da conspiração que orbitam o impeachment, fala-se que Marco Monteiro, denunciante a teu lado em Gravataí, estaria por trás das denúncias em Cachoeirinha.
Ávila – Ele foi consultado pelo outro lado, mas o convidei a se retirar e ajudar quem quer que a gestão Miki continue.
Seguinte: – Então não se cria dificuldades para vender facilidades?
Ávila – De forma nenhuma. Nem tinha ouvido sobre isso. Desconheço essa tese sem fundamento nenhum.
Seguinte: – Em Gravataí és articulador da candidatura de Dimas Costa (PSD) a prefeito. A reaproximação com Miki pode refletir nas eleições de 2020 na aldeia dos anjos?
Ávila – De forma nenhuma, nem se cogita isso. O PSB tem sua autonomia e acho que o PSD tem que trilhar seu próprio caminho. Com muita convicção na inocência, defenderei o Miki como advogado com experiência jurídica e também política, o que conta muita num processo como esse. Mas não há nenhuma relação com eleições.
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