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COM VÍDEO | Como foi o processo para regularizar as casas invadidas há mais de 30 anos na Granja Esperança

Valcir Guimarães, da comissão de moradores que negociou o acordão com a Habitasul, na rua Juscelino Kubitschek, uma das mais movimentadas da Granja Esperança por ter se transformado em um polo comercial da região.

A história da ocupação, como preferem algumas pessoas – ou invasão, no dicionário de outras – das quase 1.800 casas do bairro Granja Esperança, em Cachoeirinha, construídas lá no final dos anos 80 pela financeira Habitasul, teve pelo menos um fato trágico que até hoje é lembrado por uma das moradoras mais antigas do local.

Maria da Graça Oliveira Sviersc, ex-vereadora de Cachoeirinha no período de 1989 a 1996, uma das lideranças da comunidade, hoje dona de casa e integrante da comissão de moradores que negociou o acordo com a Habitasul para a regularização das moradias, lembra da história e conta os nomes como forma de homenagear a família.

Foi no começo.

Havia apenas as casas construídas, e as ruas traçadas. Algumas asfaltadas.

Mas faltava algo!

Energia elétrica era privilégio, no máximo com um ponto de luz em cada moradia, contando que não pifassem os únicos quatro transformadores – de baixa potência – que serviam toda a vila. Até um movimento para que o banho fosse preferencial aos trabalhadores e em horários alternados, para não sobrecarregar a rede, chegou a ser ensaiado.

Mas não deu certo.

Em uma das moradias, marido mulher e o filho recém-nascido usavam uma luminária à gás – o velho e popular liquinho – para clarear os cômodos da casa. Certa noite, a família dormiu com o equipamento aceso. A ‘camisa’ se rompeu, a luz apagou e o gás continuou a vazar, tomando conta do ambiente sem que alguém percebesse. Rosane, João Luiz e o bebê Jonatan foram encontrados por um familiar, no dia seguinte, sem vida.

Eles morreram asfixiados pelo gás que escapou do botijão. Foi a partir daí que os moradores se mobilizaram, lotaram alguns ônibus e foram a Porto Alegre fazer pressão na então Secretaria Estadual de Minas e Energia para que fosse instalada uma rede descente para distribuição da luz elétrica. O pleito foi atendido e junto com a rede a invasão, ou ocupação, ganhou mais 10 novos transformadores.

 

Olha o carteiro!

 

Outra situação contada por Maria da Graça remete à dificuldade que os moradores enfrentaram, nos primeiros anos na Granja, para receberem em seus domicílios as cartas dos parentes.

Ou cobranças!

Não havia internet ainda, lembre-se! Pelo menos não nos moldes atuais, com troca de mensagens instantâneas, redes sociais e outros aplicativos que permitem, por exemplo, até movimentação bancária via celular.

— Não tinha jeito de (a direção de) os Correios mandarem carteiros para cá. Ninguém recebia nada de correspondência, de conta para pagar, nada! — Graça recorda.

A situação só foi equacionada quando um grupo de mulheres estruturou um Clube de Mães, do qual a própria Maria da Graça foi presidente, e foi à gerência da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (era esse o nome, à época) reivindicar um posto para recebimento e distribuição de correspondências e até encomendas.

— Nos comprometemos a montar um posto sem qualquer custo para os Correios onde seriam deixadas as correspondências. Dali a gente distribuía ou as pessoas passavam no posto e pegavam o que estava endereçado a elas — conta a moradora da Granja desde os primórdios, lá em 1987.

— Há 32 anos e oito mês — faz questão de destacar.

 

A mobilização 

 

O ex-servidor da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, hoje aposentado, Valci Guimarães, é um dos integrantes da comissão de moradores que negociou com a Habitasul o acordo que foi aprovado na assembleia geral de quarta-feira passado. Ele comemora o resultado, que atribui à mobilização e organização dos moradores e à credibilidade do grupo que representou todos durante as negociações.

Ele tem a história da luta pela regularização dos imóveis da Granja Esperança quase na ponta da língua. Morador do lugar há 27 anos, Valci lembra que três dias depois da invasão já havia um mandado de reintegração de posse despachado pela Justiça, que o grupo resistiu, que a situação não dava base legal para um processo de usucapião e que

Foi em maio de 2018 que a situação se tornou quase dramática para quem estava morando nas casas e pleiteava a regularização dos imóveis. Por um acordo judicial entre a Habitasul e a então Cooperativa Habitacional São Luiz, os invasores eram obrigados a adquirir as construções em que estavam em um prazo de 180 dias. Caso contrário, seriam vendidas. Com quem estivesse dentro!

Mas, nesse meio tempo, foi instituído o programa de Regularização Fundiária Urbana e Rural, o Reurb, pelo governo federal, dando poderes às prefeituras para municipalizarem os processos de regularização de acordo com as peculiaridades de casa município. Em Cachoeirinha o prefeito Miki Breier (PSB) encampou e assinou o decreto. E foi o que viabilizou o acordo.

Com o decreto municipal do Reurb começaram as reuniões para definição dos valores e da forma de pagamento à Habitasul, processo que teve o acompanhamento da Prefeitura e Câmara de Vereadores, com mediação do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejus). Tudo sob os olhos atentos da advogada Clarice Zanini com a consultoria dos também advogados Jaques Alfonsin e Claudete Simas.

 

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Confira no vídeo a reportagem sobre a regularização das moradias da Granja Esperança. Clique na imagem e, depois, siga na matéria.

 

Os arrependidos

 

Conforme Valci Guimarães, no lote atual dos beneficiados com o acordo para regularização estão 1.632. O número é do cadastro, mas pode ser um pouco menor porque desde que foram retomadas as negociações algumas famílias se anteciparam e formalizaram a compra dos imóveis em que habitam.

— Aliás, estão arrependidíssimos porque compraram pelo preço de antes e agora estão, inclusive, procuram informações para saber se tem como recorrerem para reduzir os valores — revelou.

O número de moradores do bairro Granja Esperança, nas casas ocupadas há quase 33 anos – que se completam em abril que vem, atualmente, é incerto. Originalmente eram cerca de 1.800 casas, ou lotes com tamanho médio de 10 metros de largura por 30 metros de comprimento com as habitações em cima. Hoje, muitos destes terrenos foram transformados em minicondomínios, com até quatro famílias morando neles.

— Se pensarmos que cada lote tem uma média de duas famílias morando neles, hoje, temos aqui 3.500 famílias, no mínimo — calcula.

Valci não vê aspectos negativos no acordo firmado com a Habitasul e que põe fim ao imbróglio judicial de mais de três décadas. Só relaciona coisas positivas, como o prazo de carência, o período estipulado para o pagamento das casas, os valores fixados para os imóveis, o prazo fixado para parcelamento da entrada. Ainda assim, segundo Valci, pelo menos meia centena de famílias ficarão de fora do acordão.

São pessoas com renda familiar pequena, que vivem em situação de pobreza e que não têm como honrar com o formato estabelecido para que tomem posse legal e definitiva das casas em que moram. Para que estas famílias não sejam despejadas, a comissão de moradores já está trabalhando no sentido de estudar um caminho que viabilize a regularização dos imóveis.

 

COMO FICOU

 

O acordo definido pela comissão de moradores com a direção da Habitasul e que foi referendado na noite de quarta-feira passada prevê:

 

Valor dos imóveis

 

Casas com um dormitório: R$ 46 mil

Casas com dois dormitórios: R$ 55 mil

Casas com três dormitórios: R$ 61 mil

(Os valores são médios e aproximados, e correspondem a um terço do que estava sendo pedido originalmente pela financeira)

 

Detalhes do acordo

 

1 – O financiamento vai ser assinado diretamente com a Habitasul, e deve ser referendado (homologado) pela Justiça. Trata-se de uma “venda judicial”.

 

2 – O comprador deve pagar 10% do valor do imóvel como entrada. A quantia pode ser parcelada em até 12 vezes.

 

3 – O comprador terá um ano de carência para começar a pagar o financiamento da compra da casa.

 

4 – O financiamento pode ser de até 15 anos. Com o ano de carência, torna-se um financiamento em 16 anos.

 

5 – Os juros estipulados no acordo com a Habitasul para o financiamento é de 6% ao ano, praticamente a metade do que vem sendo praticado hoje pelo sistema financeiro.

 

6 – O ocupando ou invasor que quiser quitar a casa à vista será beneficiado com 10% de desconto sobre o valor original.

 

7 – Pelo Reurb, os adquirentes ficam isentos do pagamento do Imposto sobre Transferência de Bens Imóveis (ITBI) e outras taxas cartoriais.

 

 

 

 

 

 

 

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