A presença desse instrumento é confirmada desde a Idade do Bronze (6,5 mil anos a.C.) na Ásia Menor. Na antiguidade, tinha a dupla função de cortar os alimentos e também levá-los à boca, o que só se modificou com o surgimento do garfo, muitos séculos depois.
Ao longo da história, as facas foram produzidas das mais diferentes maneiras, desde as pedras lascadas pelo homem primitivo, passando pelas facas produzidas a partir de pedaços de meteoritos – ricos em ferro, até as produzidas nos dias de hoje pela indústria moderna.
Por aqui, na aldeia dos anjos, em um galpão à margem da estrada do Barro Vermelho, as facas são produzidas por um ex-funcionário de uma multinacional do Complexo Industrial Automotivo de Gravataí (Ciag), que praticamente implorou para ser demitido.
Quem ainda não viu por aí, comece a observar porque, provavelmente, vai se deparar com a marca Graxaim impressa na lâmina da faca com a qual está cortando aquela costela assada. A marca, aliás, vem do apelido do cuteleiro por opção Uilson Schmidt dos Santos.
O ex-operador de logística de 32 anos, casado com Daniela e pai da Manoela, de apenas oito meses, “bate ferro” como profissão há cerca de quatro anos, mas há seis começou a lidar, de fato, com forjas e produção destes instrumentos que têm funções as mais variadas possíveis.
Uilson conta que começou mesmo a produzir quando ainda estava empregado em uma multinacional, fornecedora da montadora General Motors. Fazia muito mais por hobby, no início. Depois, como seus colegas passaram a adquirir as facas que levava, tratou de aumentar a produção.
— Eu vendia para os colegas da empresa, e aproveitava para fazer um dinheiro que botava na restauração de uma camioneta antiga que comprei — conta Uilson, o Graxaim das facas.
Dia de chuva
Atualmente ele diz que já perdeu as contas de quantas facas deve ter produzido nesse tempo, mas acredita que já deve ter passado das seis mil. Hoje, num ritmo – digamos! – mais confortável e tranquilo, Uilson produz em torno de 20 facas por semana. Em um final de semana recente, de chuva, foi “brincar” no galpão.
Produziu uma faca e um garfo a partir de duas ferraduras que estavam penduradas em uma das paredes.
— Estava chovendo e eu resolvi fazer uns pilas — diz.
A faca, sem cabo, acabou sendo arrematada por R$ 150,00 em um leilão virtual realizado em um grupo da internet do qual participam colecionadores e apreciadores da arte da cutelaria. Atualmente, Uilson produz as facas Graxaim que entrega na forma de lotes para cerca de 10 vendedores de diferentes regiões.
Os materiais têm origens diversas. As forjadas, desde ferraduras, molas de automóveis e caminhões, às laminadas que são as de maior produção, com aço 1.070, com maior grau de dureza e, por isso, maior durabilidade. Nas chapas de aço ele desenha o modelo da faca que quer produzir, faz o corte e dá o acabamento.
O cuteleiro da aldeia diz que já tem clientes em vários outros estados, principalmente Santa Catarina e São Paulo, que vende muito de sua produção ( — para o Brasil todo! — acentua) pela internet, além dos revendedores, e que entre seus planos está fixar e difundir a marca Graxaim que surgiu a partir do apelido que carrega desde a adolescência.
IMPORTANTE
1
Uilson dos Santos conta que para manter a qualidade das facas que levam sua marca – Graxaim – usa sempre o mesmo aço, o 1.070, que lhe garante a preservação da lâmina e do corte.
2
É o mesmo aço com o qual são produzidos outros objetos utilizados em atividades que exigem o corte, entre eles serrotes e serras.
3
O preço das facas – no caso da marca Graxaim as mais caras, atual.mente, ficam na faixa dos R$ 300,00 – é definido pelo tipo do cabo usado e o tempo de trabalho empregado na sua produção.
PARA SABER
A cutelaria é considerada por Uilson como uma atividade extremamente complexa. Nem tanto pela dificuldade em ensinar uma outra pessoa como fazer uma faca. Tanto pensa assim que Uilson diz que pretende continuar sozinho na sua produção de facas.
A fala do Graxaim
— As facas que eu faço são mais para churrasco mesmo. Não faço facas para cortar prego, arame ou madeira. São para cortar carne, cebola, tomate, desde que não seja sobre uma lâmina de vidro porque, daí, não tem fio que aguente.
Uilson Schmidt dos Santos
Cuteleiro
Os cabos
As facas fabricadas por Uilson dos Santos e que levam na lâmina a marca Graxaim têm acabamento que ele mesmo produz. Desde a bainha, quase sempre em couro cru, aos cabos que podem ser de osso, chifre ou madeiras de diversos tipos, especialmente as de lei por sua maior durabilidade.
Alguns cabos são industrializados e têm modelos variados. Os de alumínio, forjados, recebe de um fornecedor e faz a fixação na faca com resina e epóxi. Sobre a durabilidade, Uilson-Graxaim se mostra ousado:
— Dou garantia vitalícia. Enquanto eu estiver caminhando por aqui, a min há faca tem garantia — afirma.
Na internet
Na rede social Facebook, Facas Graxaim
No WhatsApp, número 51 9655-9909.
Confira no vídeo (clicando na imagem abaixo) o bate-papo de Uilson com o Seguinte: sobre a produção das facas Graxaim.
O CUTELEIRO
: Cutelaria, armiaria ou armoaria é a arte ou ofício do cuteleiro ou cutileiro, armiário, armoário ou acerador, ou seja, a pessoa que fabrica ou vende instrumentos de corte.
: São produtos da cutelaria, portanto, espadas, adagas, facas, facões, machados, punhais, navalhas, ou seja, todos utensílios metálicos de corte e/ou perfuração.
Assador, quase advogado e…
…vendedor de facas!
Sílvio Corrêa de Oliveira Júnior, o Goly – apelido que carrega desde a infância, tem 38 anos, é casado há 10 com Daniela e tem uma filha. Justo a idade da filha – seis anos – é o tempo em que ele se dedica a uma atividade que, no começo, era uma brincadeira.
Ele passou a comprar e vender facas.
— Começou por eu gostar de facas, pelo meu desejo de ter facas de boa qualidade. Quando achei uma pessoa que produzia facas, eu mandava fazer, com prava, mas acabava vendendo a minha faca.
Geralmente vendia para amigos. Voltava ao cuteleiro, mandava fazer nova faca, que também acabava vendendo. Foi aí que deu o “tilt”, aquele famoso estalo em que as pessoas despertam para algo novo.
No caso, por que não comprar e vender facas e fazer, disso, uma atividade lucrativa?
Foi o cuteleiro que lhe produzia facas pessoais quem lhe deu o primeiro estojo com facas para que vendesse. Vendeu todas! Entre amigos, colegas de trabalho e nos churrascos dos quais participava.
E participa de churrascadas, até hoje, só que agora… Sobre isso, daqui a pouco!
Por tamanho
Goly não classifica as diferentes facas que vende por estilo ou pelo cabo, mas pelo tamanho e a funcionalidade do equipamento. Diz que as menores, geralmente com seis polegadas, são mais apropriadas, em uma carneada, para desossar o animal.
As de tamanho médio, oito a 10 polegadas, são ótimas para o corte da carne em um churrasco. Já as maiores, que têm de 12 polegadas em diante, são mais eficientes em cortes robustos, de peças que vão ser assadas, por exemplo.
Há ainda facas com funcionalidades específicas, como a javalizeira (usada no abate de animais) que tem a lâmina mais comprida, mais estreita e é vazada (para escorrer o sangue). Estas, tem um desenho que ajuda na hora de empunhar e uma corda para ficar no pulso e evitar que a faca acabe caindo.
: Goly, acadêmico de Direito e vendedor de facas
SAIBA MAIS
Os cabos podem ser de diferentes tipos, de acordo com Goly. Os mais usados, segundo ele, por uma questão de tradição, são os de madeira, principalmente da Guajuvira, árvore que oferece as peças mais bonitas depois do acabamento, sem contar que são mais resistentes ao uso.
De madame
O técnico em analista de qualidade e estudante do quatro semestre da faculdade de Direito diz que o comércio de facas, que começou como um hobby, está se transformando em profissão porque o mercado é crescente. Há carência deste tipo de produto de boa qualidade e com características artesanais, garante.
Tanto que as facas que ele vende, afirma, não são lâminas que devem entrar “em cozinha de madame”. São mais rústicas, destinadas especialmente às lides de campo como carneadas e grandes – ou nem tão grandes – a churrascadas. Hoje, Goly diz que vende entre 20 e 25 facas por mês.
— Dá para obter uma boa renda, sem dúvida — conta, sem entrar nos detalhes dos números quando o assunto remete às finanças.
E brinca.
— Em casa, por exemplo, não deixo facas muito afiadas, porque são muito perigosas e qualquer descuido pode causar um acidente. Sem contar que uma faca muito afiada na mão “da patroa” é sempre um risco muito grande…
NA INTERNET
: Garfos para churrascos com a marca própria Golys
E o churrasqueiro?
Voltando à parte sobre participação nas churrascadas… Goly, ou Sílvio de Oliveira, por gostar do ofício e para agregar a atividade à venda das facas, fez um curso com o mestre churrasqueiro Mauro Camargo, criador da rede Chef Carnes e considerado mestre churrasqueiro do Rio Grande do Sul.
Foi em janeiro passado e, hoje, ele aceita convites para ser o assador oficial em festas das mais variadas naturezas. São eventos em que aproveita para levar as facas que têm em casa para oferecer, e onde geralmente acaba fazendo boas vendas.
— A gente, só porque é gaúcho, acha que sabe tudo sobre churrasco. Mas depois que faz um curso como esse em que se aprende novas técnicas, vê que é capaz de se deixar um churrasco muito mais gostoso — afirma.
O FUTURO
— Vou ser advogado e vendedor de facas. Depois que me formar é certo que vou atuar como advogado, mas vou continuar vendendo facas. Não vou conseguir me livrar disso porque, como costumo brincar, comprar e vender facas virou uma cachaça, um vício muito bom.
Sílvio Correa de Oliveira Júnior, o Goly
Acadêmico de Direito e vendedor de facas
Confira a entrevista (clique na imagem abaixo) de Goly para o Seguinte: em que o assunto, claro, foi… facas!