A nova rodada de agressões acontece dias antes da conferência da ONU que discutiria a ‘solução de dois Estados’. Compartilhamos o artigo do jornalista João Paulo Charleaux, publicado em Carta Capital
A única maneira pacífica de solucionar a crise no Oriente Médio é a solução de dois Estados, por meio da qual Israel e Palestina tenham suas fronteiras demarcadas e reconhecidas internacionalmente. Um passo importante nessa direção seria dado pelas Nações Unidas na próxima terça-feira 17, com uma conferência em Nova York sobre a solução de dois Estados. Mas, quatro dias antes, Israel bombardeou o Irã e mergulhou a região novamente no caos e na incerteza, abrindo as portas de um inferno militar e trancando para o lado de fora a diplomacia.
O ataque israelense aconteceu no mesmo dia em que, em Paris, a França sediava um encontro de organizações da sociedade civil internacional, como parte dos preparativos para a conferência das Nações Unidas. Era para ser um período de distensão, diálogo e convergência, na direção de uma solução diplomática, até que os bombardeios contra o Irã e, na sequência, a resposta iraniana sobre Israel deram novo impulso à espiral de violência no Oriente Médio, que, desde 1948 – ou, mais recentemente, desde 7 de outubro de 2023 –, mantêm toda a região como refém.
Horas antes de Israel atacar o Irã, o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, havia enviado uma carta ao presidente da França, Emmanuel Macron, na qual condenava os ataques terroristas e exortava o Hamas a libertar os 53 reféns israelenses que ainda são mantidos na Faixa de Gaza. A carta era um passo importante na coreografia diplomática para construir o caminho para a solução de dois Estados.
A ANP é uma instituição corrupta e ineficiente na gestão da vida pública na Cisjordânia, mas é o único ator que realisticamente pode assumir o papel de governo sobre o território de um futuro Estado Palestino hoje.
Com o gesto, Abbas se credenciava diplomaticamente. A crítica de dele ao Hamas era uma forma de dizer ao mundo que a causa palestina pode existir, persistir e triunfar por vias pacíficas se todos os atores envolvidos recuarem no uso da força. “Só uma solução política enraizada na justiça e no direito internacional, e a mútua aceitação e reconhecimento, levarão a um futuro luminoso para todos”, dizia Abbas no documento.
O “reconhecimento mútuo” ao qual ele se refere é importante, porque não apenas o governo do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, age para inviabilizar um futuro Estado palestino, mas o Hamas e uma constelação de outros grupos armados da região, apoiados política e militarmente pelo Irã, se opõem à solução de dois Estados.
O Irã não quer uma solução de dois Estados; ele quer a extinção do Estado de Israel – e essa não é uma acusação controvertida que se impute maliciosamente ao Irã, mas uma linha da política externa e militar iraniana, proclamada com todas as letras como tal desde pelo menos a Revolução dos Aiatolás, em 1979.
Ou seja, o novo capítulo do caos no Oriente Médio está sendo promovido justamente pelos dois atores mais poderosos da região que trabalham contra a solução de dois Estados. E ambos decidiram escalar a guerra entre si precisamente no momento em que a França e outros atores tentavam pavimentar um caminho diplomático para distensionar a região, por meio dessa nova conferência em Nova York.
Sempre se pode argumentar que a esperança em mais uma negociação de paz, como esta, prevista para ocorrer Nova York, é algo ingênuo. O fracasso de todas as tentativas anteriores seria a prova de que o caminho da diplomacia leva a um beco. Por outro lado, o caminho da guerra parece levar à explosão do beco, das casas ao redor, das escolas e dos hospitais.
A perspectiva da negociação pode até despertar desconfiança em quem já se cansou de ver fracassos vestidos de terno e gravata, mas a aposta nos coturnos só interessa aos que ainda acreditam nas hipóteses de aniquilação mútua, deixando de lado a única via possível para a paz, que é a da solução de dois Estados convivendo em paz, com fronteiras mútuas demarcadas e reconhecidas internacionalmente.