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Como foi o julgamento de Bordignon no TRE

Julgamento foi nesta quarta-feira à tarde

O Seguinte: acompanhou o julgamento onde o TRE impugnou a candidatura de Daniel Bordignon e conta como foi.

 

Poucos minutos depois das 14h da quinta-feira, quem entrava no salão acarpetado onde ocorrem as sessões do Tribunal Regional Eleitoral, na Duque de Caxias, em Porto Alegre, via gente tensa, roendo unhas, pernas balançando nervosamente.

Apesar dos 58 processos em julgamento, era de Gravataí a maior comitiva, a grande maioria ligada à campanha de Daniel Bordignon (PDT), esperançosos de que o ex-prefeito receberia do TRE a confirmação da homologação de sua candidatura pela Justiça Eleitoral de Gravataí, em 23 de abril.

A confiança na vitória era tanta que poucos metros além da porta, um tripé segurava um celular, que transmitiria ao vivo a sessão pela página do PDT de Gravataí.

Sem oba-oba, já experiente pelas marcas emocionais de duas impugnações (2008 e 2012) e uma vitória (2014) ali naquele tribunal, Diego Pereira, o assessor mais próximo de Bordignon, era um dos mais inquietos. A todo instante se mexia na cadeira, arrumava os óculos e apertava a mão da esposa Daniela que, militante das campanhas desde a adolescência, também não escondia o nervosismo.

Uma série de mãos tapando a boca e cochichos começaram quando Patrícia Bazotti entrou no salão, ao lado de dois assessores.

– Hi, se a Patrícia está aqui não é bom sinal. Ela não viria aqui para perder… – foi um dos comentários audíveis, mesmo a baixa voz.

Advogada do PMDB, Patrícia é a esposa do prefeito Marco Alba (PMDB). Mas estava ali como expectadora. Não usaria a palavra. Dentro do plenário, já de toga, Valdir de Mattos, advogado da coligação de Anabel Lorenzi (PSB), e Cláudio Ávila e Antônio Augusto Mayer dos Santos, advogados da coligação de Bordignon, aguardavam para fazer a sustentação oral.

A desembargadora Liselena Schifino Robles Ribeiro deu início a mais uma sessão do TRE que ficaria para a história de eleições eivadas de ‘tapetões’ em Gravataí, desde o início dos anos 90, quando Abílio dos Santos, falecido este ano, foi impugnado e renunciou à candidatura.

Ali, a candidatura de Bordignon será mais uma vez julgada por condenações que remontam a 2005 e se arrastam até o Superior Tribunal de Justiça (STJ), pela contratação emergencial, sem concurso, de 1.024 funcionários, entre professores, médicos e operários, além de dois procuradores.

 

Os homens da 'capa preta'

 

Martelo batido, Valdir Mattos foi o primeiro a falar, pedindo a inelegibilidade de Bordignon:

– Não é uma matéria fácil. Mas o tribunal não pode deixar de refletir que apenas por um detalhe, um lapso cartorial, não houve a declaração do trânsito em julgado das condenações de Bordignon. Ele está com os direitos políticos cassados por cinco anos – argumentou.

– Sou advogado, defensor da garantia da mais ampla defesa, mas em casos onde as decisões possam ser alteradas no mérito. Nenhum recurso pode mudar as condenações, como o próprio STJ já reconheceu, multando o candidato pelo excesso de recursos de caráter inequivocadamente protelatórios – disse, apelando para “o momento que vive o país, com a justiça fazendo uma verdadeira revolução, e o eleitor querendo ver valer a lei da ficha limpa”.

– Essa corte precisa abrir os olhos e enxergar o que está por trás da conduta do candidato e seus inúmeros recursos para evitar a certificação do trânsito em julgado que, materialmente, já ocorreu.

– Se eleito, não poderá permanecer no cargo, porque essa certificação virá – concluiu o advogado, envolto na capa preta.

Cláudio Ávila, que também é o candidato a vice de Bordignon, e poderia ser impugnado junto ao ex-prefeito, foi o segundo a fazer a sustentação oral.

– Em 2012, convergíamos na mesma tese. Hoje, frontalmente não – lembrou o advogado, ao saudar o procurador regional eleitoral Marcelo Veiga Beckhausen, que nas eleições anteriores à Prefeitura pediu, e levou, a impugnação de Bordignon, como também fez Ávila, à época uma das mentes da campanha de Anabel Lorenzi (PSB). 

Cláudio dividiria os 15 minutos com Antônio Augusto Mayer, que trataria exclusivamente da parte jurídica. Ele, Cláudio, para boquiabertos desembargadores, fez da tribuna um palco para duros ataques políticos ao prefeito Marco Alba e à promotora Ana Carolina de Quadros, do Ministério Público de Gravataí.

– Nos últimos dias fizeram fila no STJ, em Brasília, buscando a certificação do trânsito em julgado e nenhum ministro reconheceu os pedidos. Simplesmente porque o processo não terminou. Nossos embargos infringentes buscam desempatar diferentes entendimentos no TJ (tribunal de justiça gaúcho) e no STJ. E tratam da mais moderna jurisprudência que não considera improbidade a contratação emergencial, desde que com autorização da Câmara, o que Bordignon tinha.

– Que lapso cartorário é esse que fazem mais de 30 petição pedindo o trânsito em julgado e o STJ não o reconhece? – disse, subindo o tom:

– Nunca vi lobby igual, nunca vi tanto interesse do Ministério Público. Não vejo a mesma preocupação com o abecedário de crimes que o prefeito responde no TRF da 4ª Região.

– Não há um número em toda legislação brasileira que sustente a tese do MP. Só faltou a promotora botar o 15, que é o número do PMDB – concluiu, para desembargadores visivelmente surpresos.

Antônio Augusto Mayer dos Santos entrou no vácuo sustentando que, pela lei que disciplina a improbidade administrativa, pela qual Bordignon foi condenado, e por “entendimentos consolidados” no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), “a inelegibilidade só se dá com o trânsito em julgado”.

O advogado, que é uma das referências gaúchas em Direito Eleitoral, alertou que nenhum dos sete acórdãos anexados ao pedido de impugnação pelo MP e pela Procuradoria Regional Eleitoral, para sustentar que já há o trânsito em julgado, diz respeito a improbidade ou cassação de direitos políticos.

– São sobre furto simples, anistia a militar, direito comercial, homicídio por erro médico e outros tipos de condenações – listou, alertando também para o risco de decisões pouco ortodoxas, mais interpretativas, em matérias eleitorais.

– Se prevalecer a tese do MP e da coligação derrotada na Justiça Eleitoral de Gravataí, estaremos reduzindo o processo eleitoral a uma matéria teórica, não mais bem firmada na lei.

 

Procurador: direitos político já estão suspensos

 

O procurador regional eleitoral Marcelo Veiga Beckhausen fez uma sustentação rápida da sua tese, que se associa à do MP de Gravataí, assinada pela promotora Ana Carolina de Quadros Azambuja.

– O centro de tudo aqui não são hipóteses de inelegibilidades, mas sim que o candidato está com os direitos políticos suspensos por cinco anos.

– A jurisprudência é clara, já houve o trânsito em julgado – defendeu, lembrando a série de recursos apresentados pela defesa de Bordignon e que foram negados ou não reconhecidos pelo STJ, inclusive com aplicação de duas multas pelo excesso de apelações.

Ele usou trecho da decisão da juíza Keila Tortelli, de Gravataí, para defender o trabalho do MP de Gravataí.

– É um trabalho exemplar. Na própria decisão de 1º Grau que liberou o candidato, a juíza afasta litigância de má-fé da promotora, e diz que, se há má-fé, é do candidato, pelo excesso de recursos torpes.

Beckhausen também alertou que, em caso de liberação da candidatura e eleição de Bordignon, ele correria o risco de não ser diplomado ou, após assumir a Prefeitura, perder o mandato.

– Quem assumiria seria o vice, que está aqui, Cláudio Ávila.

– Não é correto enganar assim o eleitor.

 

Começa a cobrança de pênaltis

 

O som do silêncio passou a ser ouvido no tribunal por breves instantes, enquanto o relator do processo, Jamil Andraus Hanna Bannura, indicação da classe dos advogados à Corte, preparava a tela do computador e ajeitava o microfone para dar seu parecer.

Era como uma decisão por pênaltis, onde Jamil seria o primeiro de seis (ou em caso de empate, sete) batedores. A diferença para um estádio de futebol é que os interessados só poderiam extravasar a alegria ou sofrer suas tristezas silenciosamente.

Ele começou com o que, frente ao sim, ou não à impugnação, ninguém parecia mais interessado. Negou recurso da coligação de Bordignon para condenar a promotora Ana Azambuja por litigância de má-fé, afastou a mesma condenção de Anabel, não aceitou apelação da coligação de Marco Alba para anular a sentença de 1º Grau que liberou Bordignon, por uma susposta falta de abertura de prazo para alegações finais e, já entrando no mérito do julgamento da inelegibilidade de Bordignon, não aceitou os recursos das coligações de Anabel e Marco, que pediam a impugnação.

– Além da condenação não configurar lesão ao patrimônio público, nem enriquecimento ilícito, o prazo de oito anos de inelegibilidade encerrou em 2012 – foi o resumo, citando que o próprio TRE já havia julgado e negado pedidos, pelos mesmos motivos, em 2014, quando Bordignon teve homologada sua candidatura a deputado estadual.

Quando Jamil começou a analisar a tese da impugnação proposta pelo MP e pela PRE, Vinícius Alves, um dos advogados da coligação de Bordignon, que acompanhava o julgamento da assistência, começou a balançar a cabeça negativamente. Pelo tom do relator, parecia saber que não sairia do TRE comemorando, como fizera em 2012, quando era adversário de Bordignon e, no instante do voto que matematicamente decidiu a impugnação, saltou de uma daquelas cadeiras em direção à recepção, já anunciando o resultado, eufórico, quase aos gritos, no telefone celular.

– O candidato teve condenação no TJ e multa de 50 seu último salário, tentou embargos infringentes não reconhecidos, recurso especial não aceito de forma monocrática pelo relator e agravo regimental negado pela 2ª Turma. Ao acórdão, no STJ, apresentou embargos de declaração considerados intempestivos, novos embargos de declaração rejeitados e, pelo caráter protelatório, recebeu multa de 1%, tentou novos embargos declaratórios que foram rejeitados e a multa foi aumentada para 10%, até apresentar embargos de divergência, do qual está pendente julgamento – listou, e fulminou a candidatura.

– Quando a decisão de mérito é imutável e indiscutível, há o trânsito em julgado. É o caso.

– Não prospera a tese da defesa de que seja necessária certificação, frente à imutabilidade da condenação. O trânsito em julgado é automático e inevitável – julgou, fixando a data do trânsito em julgado em 28 de setembro de 2015 – o que liberaria os direitos políticos de Bordignon apenas na mesma data de 2020.

– Daniel Bordignon está com os direitos políticos suspensos e, portanto, inelegível – concluiu.

 

Ao fim, 6 a 0 e defesa do MP

 

Silvio Ronaldo Santos de Moraes foi o voto seguinte.

– Inicialmente estava balançado, por saber que a condenação está em recurso. Mas observando o histórico de recursos interpostos a destempo, acompanho o relator. No caso, o trânsito em julgado ocorreu e não precisa de certificação.

Carlos Cini Marchionatti já abriu o voto acompanhando “integralmente” o relator:

– O processo não é um fim, mas um meio para se chegar a um resultado. Daqui a alguns dias, sai a certificação, porque há o trânsito em julgado.

O desembargador traduziu em palavras a expressão facial dos colegas, minutos antes, ao ouvirem os ataques da defesa de Bordignon ao Ministério Público.

– Alegação de má-fé do MP, olha… – e fez instantes de silêncio – não é coisa que suja todo dia.

– Em 30 anos de magistratura, nunca tinha ouvido isso antes. É obrigação, dever funcional do MP defender sua tese. Jamais pode ser imputado a isso má-fé.

Não se ouvia nem respirações quando Gisele Anne Vieira de Azambuja ajeitou o microfone. Se acompanhasse o relator, Bordignon estaria impugnado. Seria o quarto voto entre sete. E o golpe veio rápido, desencadeando murmúrios de lamentação dos apoiadores da candidatura.

– Sigo integralmente o relator. É comum, pelo grande volume de processos nos cartórios, que certidões demorem um pouco a serem expedidas – argumentou.

Maria de Lourdes Galvao Braccini de Gonzalez, que votou a seguir, também seguiu o relator e condenou os ataques ao MP.

– Estou abismada. Tenho mais de 30 anos de magistratura e também nunca vi alegarem má-fé ao Ministério Público.

Também rapidamente o desembargador federal Paulo Afonso Brum Vaz decretou o 6 a 0, uma impugnação por unanimidade – a presidente só votaria em caso de desempate.

– Há súmula do STF (Superior Tribunal Federal) regulando a consumação prática do trânsito em julgado, que é o que ocorreu neste caso.

 

"A campanha continua"

 

Em minutos, a comitiva de Gravataí, exceto a primeira-dama e sua assessoria já estava descendo as escadas do TRE. Diego Pereira consolava a companheira Daniela, que chorava, da mesma forma que em 2008 e 2012. Cláudio Ávila e Augusto Mayer se afastaram um pouco do grupo para conversar.

– Vamos ao TSE – disse Mayer.

– O que houve aqui foi um absurdo, um julgamento político – emendou Cláudio, quando se juntaram a eles Diego, que é o coordenador-geral da campanha, e o advogado Vinícius.

– A campanha continua. Amanhã ele vai estar na madrugada em frente a Sogil – já avisou Diego, pegando o celular para agendar uma reunião na manhã seguinte com Bordignon e todos os pré-candidatos a vereador.

À reportagem do Seguinte:, Mayer explicou que, conforme o artigo 16 A, da lei eleitoral 9504, Bordignon segue candidato, sub judice, e segue com foto na urna.

– Jamais pensamos em substituir a candidatura – disse Cláudio, se referindo ao prazo limite, que foi em 12 de setembro.

– Até porque temos certeza de que estamos com a razão. Ganhamos na Justiça Eleitoral de Gravataí e perdemos aqui, nesse tapetão político que foi montado. Vamos desempatar no TSE. Lá vai ser diferente – concluiu.

– Vamos até a ONU se for necessário para reverter esse absurdo – disse Mayer, se despedindo, e tentando descontrair um pouco o clima de decepção e as cabeças baixas que caminhavam para os carros.

 

 

 

"Votos aparecerão zerados novamente"

 

Na antesala do tribunal, aguardando os apoiadores de Bordignon irem embora, Patrícia Bazotti mexia no celular. Séria, não sorria, nem debochava, como permitiria o momento.

– Sempre disse a todos que me peguntavam que havia o trânsito em julgado. Era previsível essa decisão. O Ministério Público foi muito feliz na sustentação do pedido de impugnação. O candidato está com os direitos políticos suspensos, então não pode ser votado e nem votar.

– A chapa inteira está impugnada. Se permanecerem na eleição, novamente os votos que receberão aparecerão zerados, como aparecem até hoje os votos de Bordignon em 2012. É só consultar no site do TSE – concluiu, caminhando para o carro.

 

 

COMO LER O ACÓRDÃO COMPLETO

O leitor pode ler o acórdão completo do julgamento no site do TRE clicando aqui

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