opinião

Como tirar Gravataí do rodapé do saneamento

Parceria Público-Privada da Corsan foi apresentada ao Codes nesta quarta

2028 é o ano em que o saneamento básico estará universalizado na Gravataí que hoje é a 87ª pior no ranking das 100 maiores cidades do país. Significa que toda população terá água e nove a cada dez economias, 94% delas residências, terão esgoto tratado. Ao menos no PowerPoint é a meta da parceria público-privada apresentada por gestores da Corsan ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social na manhã desta quarta, no auditório da Dana.

Vamos às informações e, ao fim, comento.

– É uma revolução, um momento histórico para Gravataí. Só entre a região das novas pontes do Parque dos Anjos e a parada 103 temos 17 empreendimentos parados porque não tem condições de construir redes próprias – resumiu o prefeito Marco Alba, que conhece como ninguém a extensão do desastre no saneamento.

– Um dos projetos, próximo à Sogil, está parado há dez anos. Outro, da MRV, ao lado da Pirelli, está investindo em rede própria, o que encarece o empreendimento em pelo menos R$ 5 milhões – acrescentou Luiz Zaffalon, presidente da Fundação Municipal de Meio Ambiente.

Marco Alba foi entusiasta do Pró-Guaíba, lançado pelo governador Antônio Britto, e que começou em 1998 as obras que não avançaram em mais de 30% da área urbana a cobertura por rede de esgoto. Como secretário de Saneamento do governo Yeda Crusius, entre 2007 e 2010, integrou, ao lado de Zaffalon, indicado por ele presidente estadual da Corsan, o grupo restrito que começou a elaborar uma modelagem de concessão sem privatização que avançou também nas gestões de Tarso Genro e José Ivo Sartori e tem, em 2019, a previsão de lançamento pelo governo Eduardo Leite do edital dia 16 deste mês, o recebimento das propostas das empresas habilitadas em 24 de novembro e, no dia 3 de dezembro, a abertura do leilão.

Para efeitos de comparação, o desastre é ainda maior quando calculados índices da área de cobertura da Corsan, ou 315 municípios do Rio Grande do Sul: em média nem duas em cada 10 residências têm esgoto tratado.

– Será a primeira parceria público-privada do RS. Somos um dos estados mais atrasados do país nesse tipo de negócio, mas já avançamos todas as fases iniciais – observou Marcelo Rocha, responsável pela modelagem econômica e financeira da PPP, cujas linhas são traçadas desde 2011 pela consultoria Price Waterhouse Coopers Auditores Independentes e já foi submetida a auditorias prévias da Procuradoria Geral, Contadoria e Tribunal de Contas do Estado.

– Tudo aprovado.

O chamado sistema Gravataí-Cachoeirinha, hoje conjuntamente com uma cobertura de 59% (graça a Cachoeirinha, que tem metade das economias urbanas com cobertura de esgoto), será o primeiro a atingir a universalização do saneamento, em 2028, um ano antes de Viamão, Alvorada, Canoas, Esteio, Sapucaia do Sul, Eldorado do Sul e Guaíba, os outros sete municípios integrados ao contrato – de R$ 9,5 bilhões em 35 anos, cálculo de 32 mil empregos, geração de renda de R$ 2,9 bilhões e valorização dos imóveis numa média de 10% – que projeta crescimento dos atuais 483 mil propriedades com esgoto, na atual população de 1,5 milhões de pessoas, para 1,6 milhões atendidos em uma população de 1,9 milhões em 2055.

O investimento direto em obras e tecnologia será de R$ 1,9 bilhão da empresa vencedora da PPP e outros R$ 370 milhões já estão em execução pela Corsan, a maior parte dinheiro do PAC, conforme os gestores, já garantido no orçamento. Só entre Gravataí e Cachoeirinha serão R$ 300 milhões em investimentos.

Do fundo de gestão compartilhada com a Corsan, para uso em obras de saneamento, mas também para consertar estragos na pavimentação provocados pelas obras, Gravataí garantiu R$ 20 milhões e Cachoeirinha R$ 9 milhões pela prorrogação dos contratos por 21 e 18 anos, respectivamente.

– O resultado da parceria espelhará o rio – comparou o engenheiro Luiz Carlos Klusener, citando exemplos dos rios Tamisa, em Londres, e Sena, na França, para ilustrar o objetivo da PPP:

– Não é apenas transferir a operação do sistema. Os reflexos são na saúde das pessoas e na recuperação dos rios Gravataí, Sinos e Guaíba – explicou, informando que, paralelamente ao curso da parceria, um estudo encomendado pela Corsan junto à Ufrgs já mede os impactos do tratamento do esgoto nos três rios e o cumprimento de metas estabelecidas no contrato.

Estimativas da Organização Mundial da Saúde apontam que a cada dólar investido em tratamento de água e esgoto, quatro dólares são economizados na saúde pública.

O engenheiro faz um ‘spoiler’:

– Os primeiros levantamentos são surpreendentes: o Gravataí e o Sinos não são tão ruins quanto se projetava – disse, explicando que o estudo só será liberado depois de assinada a PPP.

Conforme o IBGE, o Gravataí e o Sinos, ao lado do Tietê, são os três rios mais poluídos do Brasil.

A empresa que vencer a licitação criará Sociedade de Propósito Específico que prestará contas a Corsan e se dissolverá ao fim do contrato. O lucro virá da operação de todo o sistema. Nos primeiros seis meses a partir da assinatura do contrato, programado para abril de 2020, a SPE acompanhará a operação da estatal e, pelo mesmo período, invertem-se os papéis e depois, até o fim dos 35 anos, a ‘concessionária’ cuidará de toda água e esgoto dos nove municípios, que com R$ 2,8 bilhões corresponderam a 20% de todo faturamento da companhia, recebendo as tarifas conforme a extensão das redes de água e esgoto, com multas e bônus, conforme o andamento das obras e ligações de rede.

A SPE também cuidará do sistema de hidrômetros, para evitar os ‘gatos’ e perda de água que hoje chega a 50%, cobrará pelas conexões das caixas coletoras até os imóveis, além de poder usar todas as estações já existentes para seus negócios, seja tratamento de chorume de aterros sanitários ou venda de adubo produzido a partir da matéria orgânica.

Só entre Gravataí e Cachoeirinha 50 estações serão repassadas por 35 anos, a maioria de pequeno porte. Entre os nove municípios, a SPE vai receber instalados 975 quilômetros de rede, 74 estações elevatórias de água e 30 estações de tratamento de esgoto. As prefeituras dos nove municípios terão assentos no conselho de gestão.

– As obras precisam ser bem programadas. Ou param uma cidade – alerta o superintendente regional da Corsan.

– Inevitavelmente teremos investidores internacionais – confirma André Borges, sobre o que tratei no artigo A solução para o desastre no saneamento; os ’comunistas’ vem aí, citando grupos chineses, canadenses, coreanos, espanhóis e franceses como interessados no vácuo que ficou no pós-Lava Jato, com a quebradeira de empresas nacionais que antes tinham poderio para disputar um contrato com exigência de garantias bancárias na ordem de meio bilhão.

– Na hora dos lances será necessária capacidade financeira. Então, o grupo que ganhar certamente terá bancos e fundos como parceiros.

Ok, mas e a conta para o consumidor?

A água não aumenta um centavo além dos reajustes que já existem referentes a inflação. Porém, o tratamento de esgoto é cobrado.

– Quem paga hoje R$ 50, vai pagar R$ 75, já contando o serviço de esgoto – projeta, usando valores para facilitar o cálculo, o superintendente André Borges.

 

Analiso.

Para formar uma opinião, recomendo usar da ‘ideologia dos números’, necessariamente baseada nos fatos, aqueles chatos que atrapalham argumentos. Primeiro um pouco de contexto para quem gosta do ‘contra ou a favor’ às ‘privatizações’.

No caso da PPP gaúcha, a Corsan continua como gestora do contrato e fonte recebedora das tarifas, depois repassadas à ganhadora da licitação conforme a fórmula estabelecida, que leva em conta as obras feitas e a extensão das redes. Se a empresa não investir e não ampliar a cobertura, recebe menos ou até não recebe. É a chamada ‘PPP administrativa’, diferente, por exemplo, da ‘PPP patrocinada’, como é o caso do pedágio da Freeway, em Gravataí, concedido à CCR.

Assim, pelo menos na beleza do PowerPoint e do leilão das boas intenções que antecipa a licitação, execução dos serviços e cobranças das tarifas, o que teremos é a água e esgoto sob controle público. A Corsan segue com poder sobre o contrato e os municípios terão assento no conselho gestor da PPP para que os moradores não matem um prefeito por obras mal planejadas causarem transtornos nas cidades.

Assim, não caberia aquele que considero um corretíssimo alerta de que em países desenvolvidos não se está privatizando, mas retomando o controle público dos serviços de água e esgoto. Estudo do Instituto Transnacional, integrado por onze organizações majoritariamente européias, mostra que, após a ‘feira livre das privatizações’ dos anos 90, da virada do milênio até 2017 foram registrados 267 casos de ‘remunicipalização’, ou ‘reestatização’ de sistemas de água e esgoto. No ano 2000, de acordo com o estudo, só se conheciam três casos.

A PPP é vendida como a fórmula para jorrar dinheiro privado onde o dinheiro público pinga a conta gotas, sem entregar um patrimônio público estratégico como a água – sim, água, porque não é rentável a nenhuma empresa operar apenas o esgoto.

Conforme o Trata Brasil, em 2018 os governos estaduais e o federal disponibilizaram R$ 5,5 bilhões para o saneamento básico, quando o valor mínimo deveria ter sido de R$ 22 bilhões. Conforme as metas de universalização do Plano Nacional de Saneamento Básico, lançado em 2013, o país precisaria investir R$ 304 bilhões até 2033.

Para efeitos de comparação, o ranking da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental aponta que 7 dos 14 municípios que estão próximos de atingir 100% no tratamento de água e na coleta de esgoto têm o saneamento gerido por, ou em parceria com a iniciativa privada.

Como o prefeito referiu no Codes, o saneamento é uma das grandes intervenções que historicamente Gravataí precisa. E a PPP, que carrega na construção de sua modelagem uma década de diferentes ‘ideologias’ – Yeda, Tarso, Sartori e, agora, Leite –, aparece hoje como a fonte que restou de financiamento para a Corsan bancar o que é mais caro, e o que menos consegue fazer, que é ‘enterrar canos’: o custo de instalação de um quilômetro de rede de esgoto é dez vezes maior que a mesma extensão em tubulação de água.

Que funcione, porque hoje temos 70% do esgoto circulando sem tratamento em Gravataí e um rio lindo em um trecho, praticamente morto em outro.

Fato é que não há almoço, e nem esgoto tratado de graça. Quando as ligações chegarem à porta de quem ainda não as tem, não é caso de ‘sim’ ou ‘não’, mas de ‘quanto?’.

 

MAIS SOBRE A PPP

A Corsan tem link especial sobre a PPP, com informações, gráficos e vídeos que você acessar clicando aqui.

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