Aos 84 anos de vida, que vai completar na semana que vem, dia 17, o simpático monsenhor Aloisio Irineo Flach, que comandou por 21 anos a Paróquia Nossa Senhora dos Anjos, vive hoje a sua “aposentadoria” no quarto número quatro do Lar Sacerdotal Fraterno Auxílio, localizado junto ao Seminário São José, em Gravataí.
Está no local há três anos, desde que deixou a condição de pároco da matriz, onde tem acompanhamento médico, faz exercícios físicos, celebra missas na capela e sai, geralmente para visitar os padres na sede da paróquia, visitar amigos ou até rezar terços ou missas em eventos que acontecem na região.
Não dirige mais seu próprio carro. Por recomendação médica, já que tem problemas cardíacos que exigem cuidados frequentes.
— Se não é por vontade própria, é por uma imposição dos outros — diz, sorriso entredentes, deixando evidente uma ponta de queixa sobre ter sido proibido de pisar no acelerador.
Natural de São José do Hortêncio, hoje município emancipado de São Sebastião do Caí, o monsenhor tem uma descendência com rigorosa tradição germânica, com ênfase à religiosidade e à família. Neste contexto entram respeito ao próximo, além de valores éticos e culturais, principalmente.
Nomeado monsenhor da Igreja Católica pelo falecido papa João Paulo II, guarda a “bula papal” assinada em 29 de outubro de 2001 devidamente emoldurada e em meio a várias obras literárias, de muitos autores, a grande maioria sobre religião. Na Nossa Senhora dos Anjos, trabalhou 21 anos rezando o Pai-Nosso, dando conselhos e distribuindo a hóstia sagrada.
Rotina alterada
Ex-atleta do Esporte Clube Prafrente – hoje Aliança!, de São Sebastião do Caí – ele jura que até era um bom ponteiro esquerdo – monsenhor Irineo está mais magro, nada assustador. E o cabelo branco e o riso fácil o tornam inconfundível. Sobre como está a vida, atualmente, garante que tudo vai muito bem e muito tranquilo.
— Aqui a gente está vivendo tranquilamente, sendo bem assistido. Eu até já melhorei, estive um tempo em cadeira de rodas. Estou bem reanimado — fala o monsenhor.
Sem perguntar, revela:
— Como estou bem, agora uma vez por semana eu passo na igreja Nossa Senhora dos Anjos. Num cantinho que tem lá, tem uma placa que diz “confissões”. E onde converso com as pessoas sobre o que elas quiserem.
Sobre o que mudou na sua vida, sob o ponto de vista da religiosidade, passar a viver no Lar Sacerdotal, o veterano padre diz que a maior alteração foi na sua rotina diária. Lembra que vive quase em tempo integral no Lar Sacerdotal, que mantem contato com os outros 11 padres internos – “alguns piores e outros em melhores condições de saúde!”.
Além disso, com os outros sacerdotes participa do terço, que é diário, e da celebração da missa que é rezada todos os dias, nos finais de tarde. Para a missa, há uma escala, da qual ele participa, definindo quem oficia a cerimônia e em qual dia. Também faz suas orações prediletas diariamente e, claro, é obediente quando as enfermeiras trazem os medicamentos prescritos pelos médicos para manter a saúde em ordem.
O monsenhor não se faz de “coitadinho”, mas admite que passados mais de três anos ainda sente saudades do contato diário com os fiéis nas paróquias pelas quais passou em Gravataí, em Santo Antônio da Patrulha, Montenegro – ainda no período da implantação do Polo Petroquímico de Triunfo – e da Linha Francesa, no município de Barão, região do pé da Serra Gaúcha.
— A gente tem uma recordação muito agradável e especial destas localidades todas. Com certa frequência, aliás, vêm pessoas destas paróquias me visitarem aqui no Lar.
O amor de Deus
Seguinte: – Monsenhor, uma vez padre, é sempre padre?
Monsenhor Irineo Flach – Sim, sempre padre! É um sacramento, Deus não retira o seu amor por nós, nunca.
Avanço positivo
Com 57 anos de ordenação sacerdotal, monsenhor Irineo viu passar pelo Trono de Pedro, no Vaticano, sede da Igreja Católica, pelo menos cinco papas: Pio XII, João XXIII, João Paulo I (pontificado de apenas 30 dias), João Paulo II, Bento XVI e, agora, o Papa Francisco. Sobre qual foi o seu preferido, desconversa, assegurando que o melhor papa é aquele que está dirigindo a igreja. No caso, hoje, o argentino papa Francisco.
Destaca, entretanto, a passagem de João XXIII que chamou o Concílio Vaticano II, congresso do alto clero que deu novas diretrizes e rumos ao catolicismo e à relação dos padres com seus fieis. Por exemplo, liberou a celebração das missas também em português (no caso do Brasil) e não apenas em Latim, como era antes. E os padres também deixaram de rezar as missas permanentemente de costas para os fieis.
— Ele dizia que havia muita poeira na igreja, que era preciso abrir as janelas para arejar, para deixar o Espírito Santo entrar…
Ele também elogia o atual sumo pontífice, a quem classifica como “figura extraordinária”, além de João Paulo II, o polonês Karol Józef Wojtyła, por muitos denominado e chamado de “o papa do povo”. Ambos são populares e têm os olhos voltados para os mais humildes, e isso os torna muito semelhantes enquanto responsáveis pelos rumos dos católicos e do catolicismo em geral.
Sobre como analisa as mudanças que aconteceram na relação clero-fieis, desde que se tornou padre em uma época na qual a celebração era toda em Latim, os padres rezavam a missa de costas para o povo e andavam nas ruas devidamente paramentados, com as túnicas sacerdotais, Irineo Flach diz qued foram muito positivas todas as mudanças.
— O padre não podia ser aquela figura no pedestal, tinha que se juntar ao povo. Ele não é superior. Todos nós padres temos, como denominador comum, o amor pelo povo e o serviço que lhes devemos prestar — comenta.
Quatro temas
CRIMINALIDADE
— Vejo isso com muita tristeza. Há elementos que considero como causas, e poderia dar como exemplo, principalmente, a desestruturação das famílias. Desde que foi aprovada e começou a vigorar a lei do divórcio, a instituição da família virou “uma coisa”.
DROGADIÇÃO
— Também tem como causa a falta de uma família sólida, com valores sólidos. Outro problema é que as autoridades combatem o tráfico penalizando quem consome, mas deveriam agir com mais rigor onde as drogas são produzidas. Às vezes até brinco que Deus deveria acabar com o que está aí, por um fim, e começar tudo de novo!
PROSTITUIÇÃO
— A prostituição em toda sua forma é algo de ruim, sobretudo a infantil que é um crime muito mais grave, Mas eu vejo que não existem coisas más, mas um mau uso das coisas como é a relação que deveria se limitar ao homem e à mulher, aos casais unidos em matrimônio.
A PEDOFILIA
— Tem exagero nisso tudo. A Igreja Católica está sempre em evidencia, e há muita maldade por parte das pessoas. É preciso reconhecer as atitudes do papa que são muito corajosos, ao ponto de liberar para que padres e outros religiosos respondam por seus crimes, alguns até cumprindo pena na cadeia.
Mãe para os filhos
Monsenhor Irineo Flach cursou Filosofia e Teologia no Seminário Maior de Viamão. Diz que estudou por longos 15 anos para ser padre (foi ordenado em 14 de julho de 1962) e disparou uma flecha quando criticou os evangélicos pelo fato de os pastores em três meses – segundo disse – estarem aptos para pregar a palavra do Senhor.
De uma família numerosa – com cinco irmãos ficou sem mãe em 1940 quando ela faleceu aos 33 anos. O pai, cinco anos depois, contraiu um segundo matrimônio, do qual nasceram outros quatro irmãos. E não poupou elogios ao que chamou de atitute louvável tomada pelo seu pai.
— Ele teve uma grande preocupação, que deveria ser comum entre os que vivem a situação de perder o companheiro ou a companheira de vida. Ele procurou arrumar uma mulher que fosse muito mais uma mãe para seus filhos do que uma esposa. Quando eu era guri não entendia isso, mas as pessoas contavam que ele até se aconselhava sobre o que amigos pensavam a respeito — conta o padre.
DEUS É AMOR?
— Mas não tenha dúvida! Ele, incondicionalmente, nos ama, sem olhar quem somos ou como somos. Deus é misericordioso, é a força motora que nos move, e que bom seria se fosse capaz de mover o mundo todo!