Em fevereiro, quando afirmei que desassorear o Rio Gravataí seria um desastre no combate às enchentes em Gravataí e Cachoeirinha, fui alvo de críticas furiosas dos ‘especialistas’ do Grande Tribunal das Redes Sociais. Agora, o governo do Estado trouxe à tona um dado incontestável: bancos de areia são formações naturais, não vilões das cheias. E, mais uma vez, a ciência prevalece sobre o achismo.
Nesta segunda-feira, a publicação oficial do Estado esclareceu que o banco de areia próximo à Ilha das Balseiras, no Guaíba, existe há mais de 60 anos, conforme registros da Marinha e do Exército entre 1961 e 1964. Apesar de ter aumentado após as enchentes de 2024, sua influência nas inundações de Porto Alegre –– e em Gravataí e Cachoeirinha devido ao represamento do Rio Gravataí –– é praticamente nula.
Fernando Mainardi Fan, doutor em Recursos Hídricos pela UFRGS, compara o impacto do banco de areia no Guaíba a “um carro parado numa área de descanso de uma rodovia” – insignificante para o tráfego. Glaucus Ribeiro, da Fepam, reforça: “Tecnicamente, sua remoção não evitaria enchentes”. Joel Goldenfum, do Comitê Científico de Adaptação Climática, lembra que bancos de areia são processos naturais em corpos d’água como o Guaíba, onde sedimentos se depositam quando a corrente perde velocidade.
O mito da dragagem salvadora
A insistência no desassoreamento como solução mágica para enchentes é um erro histórico. No artigo de fevereiro, já alertava: dragar o Rio Gravataí só empurraria a enchente para outros pontos, agravando o problema. Sérgio Cardoso, presidente do Comitê da Bacia do Gravataí, foi claro: “Nenhum estudo técnico aponta dragagem como solução”. Pior: mexer no leito do rio sem planejamento pode acelerar inundações, como já ocorreu no Vale do Taquari após intervenções precipitadas.
O IPH da UFRGS emitiu nota técnica em 2023 alertando que dragagens sem estudos detalhados são desperdício de recursos e risco ambiental. E, no caso do Gravataí, um desassoreamento faria a água correr mais rápido em direção ao Guaíba – que, em eventos extremos como o de maio de 2024, represaria o fluxo e inundaria ainda mais Gravataí e Cachoeirinha.
O prefeito de Gravataí, Luiz Zaffalon, compartilhou o artigo Seria um desastre desassorear o Rio Gravataí como forma de enfrentar enchentes em Gravataí e Cachoeirinha, onde trago a íntegra de notas dos órgãos especializados.

A solução real: barragens e planejamento
Enquanto a discussão sobre dragagens surge como populismo hidrológico, medidas efetivas seguem em compasso de espera. O Comitê da Bacia do Gravataí aprovou a construção de 13 microbarragens, projeto embasado em estudos da Metroplan que aguarda licença da Fepam. Essas estruturas retêm água na cheia e garantem abastecimento na seca, equilibrando o ciclo hidrológico sem intervenções brutais no leito dos rios.
Além disso, o cinturão de diques do PAC, com investimento de R$ 2,9 bilhões do governo federal e execução do governo estadual, é outra frente essencial. Enquanto isso, a desapropriação do Mato do Julio em Cachoeirinha – uma “floresta urbana” que serve como área de amortecimento – também depende de ação governamental.
A lição que o passado já ensinou
Nos anos 1960, o DNOS cometeu um crime ambiental ao retificar o Rio Gravataí para favorecer o cultivo de arroz. O resultado? Água que hoje ou inunda os mais pobres ou some nas torneiras no verão. Repetir esse erro, agora com dragagens sem critério, seria condenar a região a novos desastres.
A ciência já deu seu veredito. Resta saber se o debate público priorizará o conhecimento técnico ou seguirá refém de soluções simplistas que só agradam a plateia das redes antissociais. Enquanto isso, as verdadeiras soluções – barragens, diques e preservação de áreas naturais – esperam por vontade política.
Ao fim, é hora de escutar quem estuda, não quem grita mais alto.