Fenômeno da violência religiosa tendo por origem o fundamentalismo dos EUA sob o “sacerdócio” de Trump. Compartilhamos o artigo, publicado no ICL Notícias, de Valdemar Figueredo (Dema), coordenador do Observatório da Cena Política Evangélica, pós-doutorando em sociologia pela USP, doutor em ciência política (IESP-UERJ) e em teologia (PUC-RJ), além de pastor da Igreja Batista
Jesus era sábio. Conhecia os segredos do coração humano. Psicanalista insuperável. Disse: “O homem bom tira coisas boas do seu tesouro. O homem mau tira coisas más do seu tesouro”. Ou seja: a gente sempre encontra aquilo que está procurando. Isso se aplica à leitura que se faz das Escrituras Sagradas. Pessoas que estão cheias de medo, de sentimento de vingança, de autoritarismo encontrarão na Bíblia ameaças, castigos, infernos, um Deus cruel e vingativo: parecido com elas. [1]
Na terça-feira (4), com a sua hostil transparência, Donald Trump defendeu a ideia de expulsar os palestinos da faixa de Gaza para transformar o território numa “Riviera do Oriente Médio”. Nos ambientes evangélicos fundamentalistas, gritaram glória, aleluia e amém!
O Café da Manhã Nacional de Oração no Capitólio, realizado em Washington na quinta-feira (6), que ocorre há mais de 70 anos, é frequentado por congressistas, tanto do Partido Republicano quanto do Partido Democrata. Em tom messiânico, o Presidente Trump afagou o público do nacionalismo cristão ao anunciar que determinará a criação de uma força-tarefa para erradicar o preconceito anticristão. Segundo ele, há atualmente nos Estados Unidos “violência e vandalismo anticristão” passível de criminalização.
Talvez, um modesto recuo histórico nos ajude a dimensionar o que viria a ser esse movimento cristão radical ensejado pelos fundamentalistas na atualidade.
Como conciliar a exegese do texto bíblico com os avanços técnicos-científicos e o desenvolvimento das ciências naturais e históricas em plena modernidade? Parece impossível, num primeiro olhar.
A exegese histórica-crítica surgiu entre os protestantes não sem resistências. Nesse turbilhão de fatos históricos, revoluções científicas e sociais em curso, no início do século XX nos Estados Unidos, as reações à modernidade, que se manifestaram de forma mais contundente com a exegese histórica-crítica, ganharam contornos que ficaram conhecidos como fundamentalismo.
Além da afirmação exaltada da inerrância da Bíblia, os fundamentalistas publicaram uma série de fascículos que versavam sobre pontos cruciais da fé. Segundo eles, não havia qualquer possibilidade de negociar certezas ou flexibilizar doutrinas.
Revisionismo dos grupos religiosos em suas práticas não era tolerado. Abertura para debates ensejados pela exegese histórica-crítica, para os fundamentalistas, não estava em questão. Portanto, entre 1910 e 1915, nos Estados Unidos, o fundamentalismo se estruturou nas igrejas protestantes enquanto reação à modernidade.
A Bíblia interpretada literalmente, jamais lida de forma simbólica. Para os fundamentalistas: o mundo foi criado em seis dias, Adão e Eva foram figuras históricas, o dilúvio de Noé aconteceu tal como foi narrado no livro de Gênesis, os milagres aconteceram conforme descritos no texto, Enoque viveu mesmo 365 anos… Enfim, levam ao pé da letra o texto bíblico.
Os níveis de articulação entre os fundamentalistas protestantes contemporâneos nos Estados Unidos. São tantos, e com tamanho poder de articulação que conceberam na vida pública americana o movimento que ficou conhecido como “maioria moral”. Tal movimento cumpriu papel importante nas recentes eleições norte-americanas para eleger presidentes conservadores: Ronald Reagan (1980); George Herbert Walker Bush — pai (1988); George Walker Bush — filho (2000).
As ações da “maioria moral” como ator político nas duas eleições do Donald Trump (2016 e 2024) são evidentes. É fato: a agenda da “maioria moral” foi assumida por Donald Trump com extremo ímpeto. Inclusive, enquanto fervor religioso que se manifesta com linguagem violenta.
As reações aqui no Brasil nos grupos evangélicos fundamentalistas foram de santa euforia como se estivéssemos diante de uma nova religião. Fervor violento e com ambições universalistas. Os ressentidos da modernidade vêm a Trump pela fé na nova ordem mundial comandada pelo nacionalismo cristão.
[1] Alves, Rubem. As cores do crepúsculo: A estética do envelhecer. Campinas, SP: Papirus, 2013. p. 111