RAFAEL MARTINELLI

É absurda cobrança por dragagem do Gravataí para conter enchentes; O curso do rio da política deve ser outro. O da ciência já é

Rio Gravataí

É absurda a cobrança pelo desassoreamento do Rio Gravataí como forma de enfrentar enchentes, feita ao governo federal pelo chefe da Defesa Civil de Cachoeirinha, Vanderlei Marcos, em post nas redes sociais. Explico. Com ciência, não política.

O desassoreamento, ou dragagem, que é a remoção de areia, lodo e outros sedimentos do fundo de rios e lagos, só provocaria um desastre maior. Em linguagem leiga, na chuva do inverno só empurra a enchente para o pátio do vizinho e na seca do verão colabora com a falta de água.

– Não é uma prioridade para o Rio Gravataí. Nenhum estudo técnico aponta como solução – resume Sérgio Cardoso, presidente do Comitê de Gerenciamento da Bacia do Rio Gravataí.

– Não é solução nem para o Guaíba, onde há milhões de elementos químicos. Mexer no solo inviabilizaria a água por 500 anos – acrescenta o geólogo.

Conforme Cardoso, desassoreamentos sem cálculos técnicos sobre o ‘tempo de recorrência’ das águas podem aumentar desastres, caso não sejam projetados observando a realidade das 28 bacias hidrográficas gaúchas e a partir de um Plano Estadual de Recursos Hídricos.

– Se você faz a água correr mais rápido aqui, inunda mais rápido ali – adverte, usando como exemplo desassoreamentos feitos no pós-enchente de maio em municípios do Vale do Taquari, que já repercutiram em inundações mais rápidas com a chuva de mês deste domingo.

Para se ter uma idéia da escala de ‘descida’ das águas, a diferença de nível entre Vacaria e Lajeado é de um quilômetro. Entre Santo Antônio da Patrulha e Porto Alegre, o caminho do Rio Gravataí, é de 10 metros.

No caso do Gravataí, o desassoreamento, que teria custos milionários em um manancial de 34 quilômetros, faria a água correr mais rápido na direção do Guaíba, onde restaria represada em eventos como de maio, inundando Gravataí e Cachoeirinha ainda mais.

O Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), fez alerta, em nota técnica publicada dia 11:

“(…) a dragagem como medida para prevenção de efeitos das novas cheias não deve ser executada apenas com base em suposições e em observações subjetivas únicas do sistema natural, sem estudos técnicos detalhados, evitando desperdício de recursos financeiros públicos e impactos ambientais negativos (…)”.

Conforme o IPH, “a dragagem é uma medida reconhecidamente positiva para pequenos rios e córregos”, mas não há comprovação científica de que colabora na prevenção de cheias em rios do porte do Gravataí, por exemplo.

– Ainda assim é preciso cuidado: a água vai para algum lugar, corre mais rápido para o Rio Gravataí. Ao evitar alagamento em um ponto, pode inundar outro – observa.

Reproduzo a nota técnica e, abaixo, sigo.

O principal projeto para a Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí, com projeção de execução nos próximos dois anos, prevê 13 microbarragens, para aumentar as áreas de banhado e segurar a água, o que é bom na cheia e na seca.

Dia 11, o Comitê da Bacia aprovou uma lista de prioridades para minimizar os efeitos da crise climática. Além da desapropriação da ‘floresta urbana’ do Mato do Julio, que reportei em Comitê da Bacia do Rio Gravataí pede desapropriação do Mato do Julio ao governo federal; O Central Park do pós-enchente, consta nos ofícios enviados aos governos estadual e federal o apelo pela construção das 13 microbarragens.

Reproduzo o ofício e, abaixo, sigo.

O barramento é a principal medida elaborada a partir de estudos técnicos encomendados pela Metroplan, como parte do PAC Desastres, que desde 2013 custaram R$ 5 milhões.

O Eia-Rima, estudo de impacto ambiental, foi concluído em maio deste ano. O passo seguinte é a aprovação na Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), para iniciar a elaboração de projetos executivos e o processo de licitação. Há R$ 8,5 milhões disponíveis para a obra, que poderia ser concluída em até dois anos; leia em Guerra da água: projeto técnico para construção das microbarragens no rio Gravataí fica pronto em maio; De Niño para Niña, da cheia para seca.

Clique aqui para ler o Plano Metropolitano de Proteção Contra as Cheias e Estiagens na Bacia do Rio Gravataí, onde constam as 13 microbarragens.

Barragem emergencial feita pela Corsan no Mato Alto, Gravataí, no verão 2022-23

Ao fim, reputo o movimento correto, técnico, científico, e da política de resultados, com potencial para mitigar cheias e falta de água, é a mobilização regional pelas barragens.

Um desassoreamento, ou dragagem, repetiria o crime feito nos anos 60, quando para favorecer os barões do arroz o DNOS abriu um canal que mudou o curso do Rio, tirando a sinuosidade do manancial e aumentando a velocidade da água que inunda os ‘pobres de sempre’ no inverno e some das torneiras no verão. 

Rio Gravataí e, abaixo, o Canal do DNOS

Participe de nossos canais e assine nossa NewsLetter

Facebook
WhatsApp
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Conteúdo relacionado

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Receba nossa News

Publicidade