Antônio Carlos Weston completou um mês no Hospital Dom João Becker. Ao analisar o currículo e o histórico do médico, a indicação para a Superintendência é uma deferência da Santa Casa para Gravataí.
Formado pela Universidade Federal de Ciências da Saúde, Mestre em gastroenterologia, Doutor em ciências médicas pela Ufrgs e MBA em gestão na área da saúde, o porto-alegrense de 58 anos é o coordenador dos serviços de cirurgia e tem seus 35 anos de medicina dedicados à Santa Casa.
– Já tive convites até do exterior para trabalhar, mas costumo dizer que nasci, me criei e sou um apaixonado pela Santa Casa. A superintendência do Becker é uma missão que recebo com orgulho e dedicação – diz, citando a equipe diretiva, que tem como novidades Louise Chagas, na chefia administrativa, e Jaqueline Oliveira na chefia de enfermagem, além da permanência do diretor médico Marcelo Pasa.
– A pandemia é um momento difícil, complexo, tanto na saúde como na economia. Mas vai passar. Sejamos otimistas – apela.
Siga a entrevista de mais de uma hora, concedida ao Seguinte: com exclusividade de forma remota na tarde desta segunda, onde o médico faz um radiografia do HDJB, fala sobre investimentos e alerta para superlotação na emergência do SUS e no hospital de campanha para a COVID-19.
Seguinte: – Comecemos pela notícia do dia: Gravataí está sob a bandeira vermelha no Distanciamento Controlado do Governo do RS. O que muda no Hospital Dom João Becker?
Antônio Carlos Weston – Especificamente não há mudança significativa, já que os serviços médicos não sofrem restrição. Há sim uma recomendação, não uma obrigatoriedade, de que consultas eletivas, aquelas em casos sem urgência, devam ser postergadas até uma reclassificação de bandeira.
Seguinte: – Após duas semanas de atividade, qual a avaliação sobre o hospital de campanha?
Weston – O hospital de campanha chegou no momento certo, quando os números da pandemia, infelizmente, estão crescendo no Rio Grande do Sul, e em Gravataí não é diferente, tanto que toda a região entrou na bandeira vermelha. O hospital é um esforço de parceria entre a Santa Casa e a Prefeitura, aberto no tempo previsto no cronograma e imprescindível neste momento de maior demanda por atendimento a pacientes com o novo coronavírus.
Seguinte: – O hospital abriu com 4 respiradores cedidos pela Santa Casa. O prefeito anunciou em live que nesta semana chegariam mais 5, liberados pelo governo federal. Chegaram?
Weston – Hoje mesmo fomos informados que os respiradores chegam nesta semana. O dia ainda não sabemos.
Seguinte: – O hospital de campanha está lotado desde o primeiro dia?
Weston – Infelizmente, sim. Todos os leitos estão ocupados. Estamos com a capacidade de lotação esgotada. É preciso informar que o hospital de campanha de Gravataí é muito bem equipado e tem uma estrutura sofisticada, em todos os recursos, desde atendimento ambulatorial ao paciente menos grave, com sintomas respiratórios leves, até casos mais graves, com necessidade de internação e eventual uso de respiradores.
Seguinte: – O hospital de campanha tem capacidade para trata pacientes de qualquer gravidade da COVID, com internação, medicamentos e ventilação mecânica? Quando se dá a transferência para hospitais referência?
Weston – Sim, estamos equipado para casos mais leves, que podem ser atendido e liberados para quarentena domiciliar, como para todos os estágios, inclusive mais graves, o que felizmente não representa a maioria. Porém, por normativa estadual, o hospital de campanha é um equipamento de assistência a pacientes portadores de COVID-19, é pré-hospitalar, não um destino final. Assim, se durante o atendimento é detectada necessidade de permanência por mais tempo, o paciente vai ser referenciado para hospitais referenciais ao COVID-19, como o Universitário, de Canoas, e em Porto Alegre o Conceição, o Clínicas e, agora, também a Santa Casa. Mas temos condições de dar a assistência completa em Gravataí.
Seguinte: – Qual o tempo médio de internação no hospital de campanha de Gravataí?
Weston – Ainda estamos tabulando, já que oscila muito. Mas, até agora, em 13 dias de operação, a média é de 4 dias. Hoje estamos com os 10 leitos ocupados e a tendência é o hospital de campanha estar permanentemente lotado.
Assista vídeo no hospital de campanha e, abaixo, siga na entrevista
Seguinte: – Poderia fazer em números uma radiografia do Becker, para dimensionar o tamanho do atendimento pelo SUS no único hospital de Gravataí?
Weston – Temos 900 colaboradores, entre profissionais de medicina, enfermagem, higienização, fisioterapia e administração. São 183 leitos de internação, mais 10 de UTI e 8 salas de bloco cirúrgico. Entre 70% a 80% do atendimento é SUS, e entre 20% a 30% convênios. Estimamos em torno de 500 atendimentos/dia, mais de 15 mil consultas/mês, e, em exames e diagnósticos, 20 mil a cada mês. É um hospital de grande porte. Porém, consideramos que o Becker ainda precisa crescer para acompanhar o crescimento populacional que Gravataí teve nos últimos 20 anos.
Seguinte: – Como está a emergência SUS?
Weston – Superlotada, o que é normal nos meses de inverno. Aproveito para fazer um apelo à população para que só procure a emergência em extrema necessidade, ou caso contrário procure os postos de saúde, a UPA ou o 24H, para que não sobrecarregue ainda mais. São em torno de 15 leitos SUS, mas temos mais de 20 pacientes não-covid.
Seguinte: – A 27ª semana, a do início de julho, é sempre o ponto crítico. Deve ficar pior com a curva ascendente de infectados pela COVID-19.
Weston – É o pico da incidência de doenças de inverno, problemas respiratórios como bronquites e asma. Sem dúvida isso será agravado com a pandemia.
Seguinte: – Sempre se fala na integração entre a Santa Casa e o sistema de saúde municipal. O que significa e em que fase está?
Weston – Não existe nada definido. Mas seria a extensão da gestão da Santa Casa para rede municipal. Há conversas, mas não tenho participado, estou focado no Becker.
Seguinte: – unca se ouviu falar em corrupção na Santa Casa. Gravataí não sofreu nenhuma investigação, mas uma gestão da Santa Casa na rede evitaria escândalos como ocorreu com o Gamp, em Canoas, e na ‘Lava Jato’ de Viamão, não?
Weston – Podemos ter problema com o tamanho da demanda de atendimentos pelo SUS, o que é normal no sistema de saúde brasileiro. Mas afianço: nunca a Santa Casa esteve envolvida em malversação de recursos para saúde. São 200 anos de existência, passamos por crises, guerras e agora uma pandemia, mas somos referência no Brasil e uma das melhores, se não a melhor Santa Casa do país. E o Becker é a Santa Casa em Gravataí. O município é o município fora Porto Alegre que conta com a Santa Casa, o que assegura a continuidade dos processos. O Becker vai ficar para sempre, cada vez melhor, com mais investimentos e recursos.
Seguinte: – Na sabatina na Câmara falaste em uma perda de 80% da receita com a pandemia. Será necessário negociar um aporte maior de recursos públicos, e da Prefeitura, que já destina mais de R$ 40 milhões ao ano para o Becker?
Weston – Estamos trabalhando nisso. Gostaria de salientar a grande parceria que se formou entre a Santa Casa e a Prefeitura. O secretário da Saúde Jean Torman e o prefeito Marco Alba são muito parceiros, sempre abertos a conversar. Estamos negociando o contrato e as perspectivas são boas de que a Prefeitura nos ajude a complementar o resultado operacional.
Seguinte: – Uma nova emergência SUS e a ampliação da UTI estão lançadas no cronograma 2020 da Santa Casa.
Weston – Infelizmente, a pandemia atrasou tudo. Gostaria de poder dar prazos, mas qualquer coisa que diga seria irresponsável, tamanha expectativa que se cria. O cenário de hoje é de imprevisibilidade completa sobre quando teremos uma restituição do fluxo financeiro normal. Hoje não há como precisar quando a pandemia vai terminar. Na verdade, estamos assistindo a um retrocesso…
Seguinte: – Brasil e Estados Unidos não saíram da primeira onda da COVID-19 e a segunda já chega no mundo…
Weston – A previsão da nossa direção executiva era de que em agosto estaríamos operando em estado normal, mas hoje já trabalhamos com outubro para o atendimento começar a voltar ao normal.
Seguinte: – Mas o senhor garante os investimentos na emergência e na UTI?
Weston – Os projetos já estão prontos e são muito bons. Nunca vi nenhum organograma da Santa Casa não se realizar. Dou certeza de que será feito. Usaremos o espaço onde hoje está o hospital de campanha, que é uma área privilegiada.
Seguinte: – Uma das principais críticas feitas na sabatina na Câmara foi ao acolhimento de pacientes no hospital.
Weston – Já estamos trabalhando nisso, com treinamentos intensivos com colaboradores. A gestora Marcela Eilers, responsável pelas rotinas nos processos assistenciais de todo complexo da Santa Casa já está dentro do Becker, promovendo reuniões, discussões e treinamentos. Também reformulamos alguns serviços, como no centro obstétrico, cuja equipe é totalmente nova. São 24 novos obstetras, além de estarmos implantando a residência médica, com especialização e graduação.
Seguinte: – Como funciona a residência e quais os ganhos para o Becker?
Weston – Há um aprimoramento nos protocolos científicos e normativas de conduta médica, todas obedecendo evidências científicas, normas e rotinas reconhecidas internacionalmente como as melhores práticas médicas, além de reforçar quantitativamente a assistência. a cirurgia geral da Santa Casa já está trabalhando no Becker e vamos agregar novas equipes nos próximos meses.
Seguinte: – Outro ponto de cobrança sempre foi a pediatria.
Weston – Temos uma relação contratual com Prefeitura que temos cumprido. Estamos trabalhando em parceria com a Secretaria Municipal da Saúde para ampliar a oferta, não só na pediatria. Reconhecemos que está subdimensionada.
Seguinte: – Quando da compra, muitos imaginaram que quando o Becker não conseguisse atender um paciente pelo SUS ele seria transferido para o complexo de Porto Alegre. Mas não funciona assim. Explique o sistema de gerenciamento de internação.
Weston – É um sistema estadual, no qual o gestor, no caso a Secretaria Estadual da Saúde, avalia a necessidade de transferência de cada caso e o hospital com capacidade para receber o paciente. Não é automática a transferência para a Santa Casa, não depende da gente, mas do regulador estadual. Porém, temos conseguido muitas transferências do Becker para Santa Casa, num grande esforço que fazemos.
Seguinte: – Deixe uma mensagem para comunidade.
Weston – Otimismo! Estamos reforçando a gestão, promovendo modificações e muitos investimentos virão. O hospital Dom João Becker tem um grande futuro e responderá à altura com a qualidade de atendimento que a população de Gravataí merece.
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