A General Motors prorrogou a suspensão da produção em Gravataí, a fábrica mais produtiva da montadora que, acelerada com três expansões e R$ 4,5 bilhões de investimentos desde a inauguração em 2000, emprega 5 mil pessoas e responde por praticamente metade do orçamento municipal bilionário.
O comunicado da extensão da paralisação até a próxima segunda-feira foi feito nesta manhã ao sindicato dos metalúrgicos, como confirmou com exclusividade para o Seguinte: o diretor do Sinmgra, Valcir Ascari, o Quebra-Molas.
A montadora tinha anunciado uma parada de 10 dias, que encerraria nesta quarta-feira, mas só volta na próxima segunda-feira, 26. A justificativa oficial para a parada também em São José dos Campos (SP) é “adequar os volumes de produção”.
Para efeitos de comparação, o custo mensal da suspensão é de R$ 5 milhões, uma ‘Ponte do Parque dos Anjos’ a cada 30 dias, ou 5 reais por minuto. Já são 10 meses de paralisações, entre o 2020 da pandemia e 2023.
Como tratei quando do anúncio dos 10 dias, as contas equilibradas da Prefeitura de Gravataí permitem um ‘airbag’ para suportar as perdas.
– Fechamos o primeiro quadrimestre 29% acima de 2022, que já foi 118% maior que 2021. Ainda que se percam esses dias, há uma gordura para queimar – tranquilizou o secretário da Fazenda Davi Severgnini, reconhecido por seu realismo ao publicizar os altos e baixos do orçamento municipal, que só na pandemia perdeu R$ 50 milhões em receitas; parte pelas interrupções na produção do complexo automotivo.
O momento é, também, de expectativa sobre o impacto da adesão, já confirmada pela montadora, ao programa do governo Lula que incentiva a compra de carros populares.
A GM terá R$ 20 milhões em créditos tributários, dos R$ 320 milhões já solicitados por nove montadoras, dos R$ 500 milhões disponibilizados pelo governo federal.
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O chefão do ‘sindicato da GM’ é até menos otimista que o secretário da Fazenda, que avaliou que “sem dúvidas ajuda” o incentivo governamental ao setor automotivo.
– É paliativo. O carro ainda está muito caro – resume o sindicalista.
Sem os incentivos, que devem passar a valer a partir da próxima semana, os veículos produzidos em Gravataí são comercializados a preços entre R$ 82 mil a R$ 112 mil.
Ascari aponta como vilão os juros altos do BC de Roberto Campos Neto, em uma economia que só agora começa a dar sinais de recuperação.
– Ou o país, do trabalhador ao patrão, pressiona para o Banco Central baixar os juros, ou nem Jesus salva – avalia o dirigente que, como secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos anuncia para os próximos dias campanha nacional pela redução na taxa de juros.
Comungo com a profecia do Quebra-Molas.
Mesmo que paliativo, o programa de incentivos chega em um momento no qual as montadoras sofrem com o ‘efeito pena de morte’ dos juros altos, 8% real, denunciado inclusive pelo Nobel de Economia Joseph Stiglitz como “capaz de matar qualquer economia”, como já reportei em GM: após a festa dos 4,5 milhões de carros, a ressaca; A ‘pena de morte’ para Gravataí.
A expectativa em março era de que, sem uma mudança na política do Banco Central, ou uma intervenção do governo, como a que hoje ocorre, o quadro de desaquecimento de vendas se prolongasse até 2024, com constantes suspensão de produção, conforme estudo de economistas do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do banco Bradesco.
“Ao contrário do último biênio, em que a oferta era a principal fonte de desafios da indústria automobilística, a demanda deve ser o fator-chave para o cenário de 2023-2024”, assinalou o Depec, em relatório assinado pelo economistas Renan Bassoli Diniz e Myriã Bast.
Para efeitos de comparação, em 2019, as vendas de veículos no Brasil foram de 2,787 milhões de unidades. No ano passado, esse número caiu para 2,104 milhões de unidades, 24,5% a menos.
E os estoques estão recompostos, com a retomada do fornecimento global de semicondutores, cuja falta fez com que no pico da pandemia os estoques correspondessem a apenas 10 dias de vendas.
Conforme o levantamento do Estadão, no fim de fevereiro havia 187,4 mil carros nos pátios das montadoras e das concessionárias, suficientes para 40 dias de vendas, acima da média normal que é de 30 a 35 dias.
Fernando Trujillo, consultor da S&P Global Brasil, disse à reportagem que o problema da falta de consumidores já vinha ocorrendo, mas no ano passado foi, de certa forma, “maquiado” pela falta de chips.
Ainda em março, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) projeta crescimento de apenas 4% nas vendas em 2023. A previsão é era de que boa parte dos mais de 600 mil carros que deixaram de ser produzidos nos últimos dois anos por falta de peças seria vendida neste ano.
– Isso não deve ocorrer diante da perda do poder de compra do consumidor, inflação e juros altos, restrição dos bancos na liberação de crédito por causa da inadimplência e indefinições de políticas econômicas por parte do novo governo – disse, à época, Trujillo.
Estudo da S&P Global, divulgado em março, mostra que a indústria automotiva brasileira opera com quase 40% de ociosidade. A capacidade produtiva do setor é de 3,6 milhões de veículos ao ano com a maioria das fábricas operando em dois turnos. Se fosse em três turnos, seria de 4,3 milhões de unidades.
– Além de ajustes com férias coletivas, como já está acontecendo, é possível que ocorram demissões – previu Trujillo.
Traduzindo do economês: tem carro no pátio, mas não tem gente com grana para comprar zero.
E, sem previsão na queda de juros pela ‘República do Banco Central’, é o programa de incentivos do governo Lula que pode, mesmo que minimamente, ajudar a GM e as montadoras que produzem carros populares – e estão parando – a melhorar as vendas.
Por obvio, não é um programa para o ‘pobre’ comprar carro zero. Mas é um inegável socorro ao setor automotivo, que gera muitos – meio bilhão – e bons empregos e ajuda no crescimento da economia do país (corresponde a 2 a cada 10 reais do PIB brasileiro).
Ao fim, concluo da mesma forma que no artigo anterior: estado mínimo, máximo ou necessário à parte, fato é que toda ideologia precisa de um orçamento.
Aguardemos. Cometendo uma hipérbole, se restarmos absorvidos entre o capitalismo selvagem de Hong Kong e o comunismo domesticado da China, com Lula roubando nosso desemprego, já está bom.
Ainda mais após os estragos do ciclone, talvez a maior tragédia da história de Gravataí, qualquer vento a favor da venda de mais carros pela GM é uma bênção.