Mercados públicos eram os shoppings de antanho.
O antanho ainda transparece neles: arquitetura centenária, circulação por corredores e bequinhos, lojinhas acanhadas que mais parecem tendinhas. Instalações e serviços? Tudo parado no tempo. Produtos e atendimento? Tudo tradicional e convencional.
E são essas características passadistas, não sincronizadas com a urbanidade atual, que arrastam as populações a esses prédios antigos. Quase sempre quadradões, entradas nos quatro lados da construção, se impõem na paisagem como relíquias culturais, que de fato são.
Apesar de sitiada pela modernidade, essa herança de antigamente – defasada e intrometida no cotidiano estressante de hoje – sobrevive entre nós graças ao apelo da simplicidade de outrora. Mercados são a área central dos centros históricos, e foi neles que o consumismo engatinhou até chegar à correria dos shoppings.
Mas, basta o cliente entrar no mercado público, e o tempo recua. Pernas e pés adotam o ritmo apropriado ao lazer das descobertas. A calma que os shoppings não conseguem oferecer, nos mercados públicos determina o clima do local e influi no comportamento das multidões. Parece mentira, mas a gente sossega lá dentro.
Cotovelos e joelhos se tornam civilizados, os corpos mais se roçam que se esbarram. Entre os frequentadores casuais ou assíduos, há encontros e reencontros, nunca encontrões. E é dessa maneira, com vagar, que as sacolas se avolumam, e todos se acostumam ao costume de agir como os antepassados agiam.
O hábito de ir ao mercado é sagrado, seja para católicos, umbandistas ou crentes. Lá surge uma religião única, a cortesia. Num ritual que se estende por horas, ocorre o abastecimento ecumênico. E todos saem do mercado agraciados pelas bênçãos de cada banca, desde o pão, o peixe, o pinhão, enfim, o prazer nosso de cada dia.
Seria maravilhoso se o Mercado Público, em pleno sesquicentenário, tivesse alguma garantia de que reinará absoluto, tal como está, por mais 150 anos. Acontece que já existe uma ameaça no ar: querem modernizar o patrimônio de todos. Querem entregar à iniciativa privada para gerir seu estilo, seu funcionamento, suas atrações.
Significa que a incompetência municipal abandona o que não sabe ou não quer administrar direito. Assim, com uma empresa privada a ditar as novas regras de ocupação e de uso, surge a incerteza sobre a permanência do modelo atual do mercado público. É evidente que a ganância dos ganhos e lucros vai interferir no mix das lojas.
A curto prazo, o mercado sofrerá com a concorrência de novas lojas a disputar espaço com as atuais. Os aluguéis subirão. A médio prazo, o mercado corre o risco de uma eugenia no comércio das lojas, invasão de butiques e fastfoods, chiqueização geral. E a longo prazo, a descaracterização do mercado como um todo. Vai virar um shopping igual a outro qualquer.
Até lá, não estarei aqui pra conferir se a minha rabugice com mudanças arbitrárias acertou ou errou na previsão. Bem, ainda é tempo de preservar o mercado público tal como é, uma belezura. Basta que o porto-alegrense defenda o que é seu, e não de um poder público desumanizado.