Em noite de novo recorde de mortes, os prefeitos Luiz Zaffalon, de Gravataí, e Miki Breier, de Cachoeirinha, desligaram a videoconferência com o governador Eduardo Leite experimentando a certeza de que, a partir de segunda, a cogestão será retomada com a permissão para reabertura do comércio em todo Rio Grande do Sul.
Já antecipei em Morrer de COVID, não de fome: comércio reabrirá no pior mês da pandemia; Março terá metade das mortes de 1 ano.
Antes da análise, a palavra oficial e o contexto.
– As propostas convergem: volta da cogestão, bandeira vermelha de dia mantendo fechamento total das 20h às 6h. Prefeitos e governador entendemos que é preciso combater de forma mais forte as aglomerações, ser mais presente nos parques, praças e espaços públicos e contundentes na fiscalização. Ele prometeu ajuda do Estado nisso – relatou Zaffa ao Seguinte:, lamentando que, por exemplo, foi necessário, em um só domingo, a Guarda Municipal ir três vezes até o Parcão da Morada do Vale para orientar sobre aglomerações, o mesmo acontecendo em outros pontos de grande circulação durante as duas semanas de bandeira preta.
– Nós também pedimos ao governador que os supermercados tenham liberdade maior no horário, pois entendemos que aglomera mais quando se reduz os horários. É matemática pura – concluiu.
Para saber como funciona a bandeira vermelha e entender o que poderá ou não abrir, acesse o artigo Como fica o ’lockdown à Gravataí’; O BBB e a Karol Concá.
– Estamos sentindo uma leve arrefecida nas internações. Estamos monitorando. No final da tarde teremos um panorama mais preciso – disse ao Seguinte:, às 7h desta sexta, o secretário da Saúde de Gravataí Régis Fonseca.
Sigo eu.
Apesar da boa notícia trazida pelo secretário, as mortes não pararam.
Infelizmente, a letalidade piorou.
Levantamento que fiz de 24h entre quarta e quinta, com base no próprio site oficial do coronavírus da Prefeitura, registra 18 vidas perdidas – o recorde em um ano de pandemia. Para efeitos de comparação, Gravataí só ficou atrás de Porto Alegre, que teve 53 óbitos. Cachoeirinha, 4, e Canoas, 13.
Associo-me a um dos mais respeitados cientistas brasileiros para apelar por um lockdown de verdade, o que já fiz há duas semanas em Não seria hora de um lockdown de verdade, de indústria, supers e ônibus em Gravataí e Cachoeirinha?; O exemplo que funcionou.
Miguel Nicolelis é o Átila Iamarino com 40 anos de ciência – e alguém que, infelizmente, até o momento, não errou.
Em novembro de 2020, observou a sincronização do crescimento de casos em todo Brasil, conforme ele como consequência das campanhas políticas e da reabertura do comércio em regras de normalidade.
Em 18 dezembro, o cientista apelou por cuidados nas festas de Natal e Ano Novo e pelo cancelamento do Carnaval, não só formalmente, mas com atenção às aglomerações e festas clandestinas em cidades e litoral.
Em 4 de janeiro Nicolelis avisou: o caos vai bater na porta entre 25 e 31 de março, com 3 mil mortes por dia. Aí seu ‘erro’. O volume de mortes que corresponde a 15 Airbus caindo por dia (sem sobreviventes) foi percebido uma semana antes.
– Vamos passar dessas 3 mil mortes como um foguete – projeta.
O cientista, que faz uma analogia do 2021 com a Segunda Guerra, alerta para efeitos colaterais como o colapso funerário, que pode infectar a água e alimentos; a escassez de anestésicos que já está fazendo com que médicos precisem amarrar pacientes para fazer a intubação; a perda de profissionais da saúde da linha de frente (são 500 mil infectados em um ano, recorde mundial) por sequelas da COVID, pedido de licença por depressão e aposentadoria precoce; além do que mais assustador: crescimento de partos prematuros quer já está superlotando UTIs neonatais e obstétricas.
– Pesquisa da BBC já mostra que no Brasil morrem 10 vezes mais crianças que nos EUA e 20 vezes mais que no Reino Unido.
Para ter detalhes recomendo assistir a live do cientista no UOL, que reproduzo ao fim deste artigo. Atenho-me aos argumentos para sustentar o lockdown de verdade.
O Nuncaerris adverte que o momento de restrições regionais já passou.
– É consenso de que é preciso fazer lockdown nacional – resume.
De certa forma, o prefeito de Gravataí, chamou atenção sobre isso, quando em reunião com entidades empresariais descartou o lockdown recomendado pelos técnicos da Vigilância em Saúde. Para Zaffa, a restrição em apenas uma cidade não resolve, já que as pessoas circulam sem fronteiras entre cidades metropolitanas como as nossas.
O cientista defende que, NACIONALMENTE, pare tudo por 30 dias, inclusive o transporte coletivo, com restrições também ao fluxo nas malhas rodoviária e aeroviária; o fechamento do espaço aéreo internacional – para a variante da África do Sul “não nos atingir como um tsunami” – e vacinar 100 vezes mais: de 200 mil para 2 milhões doses por dia.
– O Brasil é hoje o epicentro mundial da COVID. Já houve pacientes graves aguardando UTIs em macas ou cadeiras. Nunca aconteceu isso com pacientes gravíssimos, como hoje – choca, e deprime:
– Preparem-se: vai ficar pior. Em pouco tempo estaremos isolados pela comunidade internacional como um leprosário.
Ao fim, é Gravataí, Cachoeirinha, o Rio Grande do Sul e o Brasil aceitando a tragédia ao, alegoria que faço, vender rosas enquanto a bomba cai em Hiroshima.
Ou, neste pré-feriadão, caríssimos ovos de Páscoa.
Como um Dr. Stockmann, em Um Inimigo do Povo, de Ibsen, insisto no lockdown de verdade não por gosto de “atrapalhar”, nem para ser “opinativo”, ou “dono da verdade”, como postou ontem o engenheiro Ernani Piccoli – contrariado por eu considerar exagero a declaração da presidente da Acigra, Ana Cristina Pastro Pereira, de que as pessoas estão morrendo de fome.
Sem torcida ou secação: salvo engano, não há saída para além de restrições de guerra e vacinação – o que acontece a conta gotas, como detalhei em artigos como 6 meses para ’vacina municipal’: no conta gotas atual, 2 anos para imunizar Gravataí e Cachoeirinha e Vacinas custariam 6 Pontes do Parque para Gravataí e Cachoeirinha; Parabéns, Bolsonaro!.
Convençam do contrário a mim e aos 71% que, conforme o Datafolha, já defendem um lockdown de verdade para evitar que pessoas queridas morram sufocadas em casa, em ambulâncias ou em cadeiras esperando leitos de UTI.
Reputo o abre-e-fecha fatal principalmente para o pequeno e o médio empreendedor!
Em Araraquara, que promoveu o lockdown de verdade, internações cairam 30% e taxa de exames positivos, 62%. As mortes ainda não porque já estavam em curso, da mesma forma como em Gravataí ou Porto Alegre, onde leitos só ficam disponíveis quando alguém morre, como relatou ontem na Assembleia Legislativa Clovis Soares, diretor do Divina Providência, hospital filantrópico como a Santa Casa de Gravataí.
O comércio aberto não é só, mas é também responsável pela circulação do vírus. Para chegar aos ambientes assépticos das lojas, funcionários e clientes se deslocam a pé ou no transporte coletivo; assim como vão às indústrias ou a praças, bares ou festas clandestinas.
Gente, Freud explica. Buscar a qualquer custo uma inatingível normalidade é nada mais que o mecanismo de defesa da negação, um recurso inconsciente para afastar de nós tudo aquilo que se mostra indesejável, insuportável para o Eu.
É freudianamente descrito esse sentimento infantil que permeia nossas vidas até a velhice. Achamo-nos imortais quase que o tempo todo, e só um pouco menos quando uma gripezinha nos derruba.
A gripezinha do dia já danou a história de quase 300 mil famílias.
Como conclusão ao artigo, mas nunca como um desafio ou deboche, e sim como um exercício de lógica, pergunto: Piccoli, a quem tanto respeito, por ser um cidadão de verdade, que tem a coragem de desde sempre de opinar sobre as coisas da sua cidade, mesmo que lhe cause incomodo e desafetos, o que o senhor considera mais próximo neste momento:
– Morrer de COVID ou de fome?
Estamos em guerra.
E, prefeitos Zaffa e Miki, adotem o que o Covas fez em São Paulo: antecipem os feriados para que as pessoas (acreditemos) fiquem em casa!
Assista ao cientista
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