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Gravataí e Cachoeirinha podem ter armas liberadas; para quem?

Se sair do Twitter e da entrevista ao canal do Silvio Santos – e não houver recuo – a flexibilização para a posse de arma de fogo pode atingir três em cada quatro brasileiros, já que o decreto projetado pelo governo Jair Bolsonaro deve simplificar a liberação para quem mora em cidades onde a taxa de homicídios por 100 mil habitantes é maior que 10.

Gravataí e Cachoeirinha estão na linha de tiro. Da posse, não porte, porque isso dependeria de mudança na legislação aprovada pelos congressistas. Vamos aos números, e depois trago dados que mostram que há um contexto que envolve esse percentual.

Levantamento do jornal O Estado de S. Paulo com base em dados do Ministério da Saúde mostra que a medida atingiria 3.485 das 5.570 cidades, ou 62% dos municípios do país, onde vivem 159,8 milhões de pessoas (76% da população brasileira).

Gravataí, com a projeção de 279.398 habitantes em 2018, teve 66 vítimas de homicídios – uma taxa de 23,6 por 100 mil habitantes.

Cachoeirinha, com projeção de 129.307 habitantes em 2018, teve 27 vítimas de homicídio – uma taxa de 20,8 por 100 mil habitantes.

A coisa é tão maluca e apressada – e a história de guardar a arma em cofre desagrada até os armamentistas – que, se Bolsonaro não disser que não disse o que disse, a megalópole São Paulo ficará de fora das cidades abrangidas, já que em 2018 a taxa de homicídios foi de 9,5/100 mil habitantes.

A Polícia Federal, além de documentos e exames psicológicos e de capacidade técnica, exige hoje que o cidadão apresente justificativa de “efetiva necessidade” para a posse de arma – o que permite ter o equipamento dentro de casa ou de estabelecimento comercial.

O decreto de Bolsonaro deverá dizer o que objetivamente seria uma justificativa aceitável. Uma das ideias em estudo, segundo revelou o próprio presidente, seria afrouxar essa “efetiva necessidade” nessas cidades violentas. Assim, o cidadão que requerer na PF a arma nesses lugares, em tese, veria o processo andar mais rápido.

Mas, então, aqui nas nossas aldeias, será um liberou geral para as armas entre a ponte e Glorinha? Não para a maioria da população. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, em Gravataí a média dos vencimentos é de 2,9 salários mínimos, o que dá R$ 2.894,2. E apenas 20,4% das pessoas estão empregadas. Em três em cada 10 domicílios, a renda por morador é de meio salário mínimo, ou R$ 499. Em Cachoeirinha, a média dos vencimentos é de 2,5 salários mínimos, ou R$ 2.495. Estão empregados 36,9%. E, em quase três em cada 10 domicílios, a renda por morador também é de meio salário mínimo, ou R$ 499.

Já entendeu onde quero chegar, não? Os caubóis menos remediados terão que financiar a arma.

Um levantamento feito pelo jornal 'O Globo' mostra que os custos para adquirir uma arma atualmente partem de R$ 4 mil em diante e podem chegar a até R$ 10 mil. Enfim, os valores estão longe das possibilidades da maior parte dos brasileiros. Segundo dados do IBGE, referentes a 2017, metade da população tem renda média de R$ 754 por mês.

Vamos além, nos fatos, aqueles chatos que atrapalham argumentos pré-concebidos: segundo Atlas da Violência de 2018, com dados até 2016, 71,5% das mortes se dão por armas de fogo. O perfil das vítimas também dá uma pista dos motivos: jovens representam 53,7% do total no país; elas são majoritariamente homens: mais especificamente, 94,6%. São negras ou pardas 71,5% das pessoas assassinadas. A esmagadora maioria é constituída de pobres.

A conclusão parece óbvia: as armas legalizadas estarão nas mãos dos mais ricos e quem continuará morrendo são os mais pobres. É algo como ‘o muro trumpiano do Bolsonaro’, que agrada seus eleitores – 39,3%, quatro em cada 10, arredondando para cima – mas não muda em nada os principais problemas do Brasil, como os 13 milhões de desempregados, um em cada quatro procurando trabalho a pelo menos dois anos.

Arrisco dizer: piora. Teremos mais ‘cidadãos de bem’ morrendo – e, anote aí: matando.

Chegou o dia em que concordei com David Coimbra: "o soco de hoje será o tiro de amanhã".

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