As estatísticas oficiais da criminalidade do Rio Grande do Sul em 2024 mostram que Gravataí foi o município onde, proporcionalmente, mais mulheres foram vítimas de estupros em 2024 entre as cidades com mais de 100 mil habitantes, quando considerados os casos relacionados à Lei Maria da Penha, que é quando o crime é cometido por familiar ou pessoa com relação íntima com a vítima.
É assustador que, neste contexto, a probabilidade de uma mulher ser estuprada em Gravataí é 60% maior do que em Porto Alegre, não?
Dos Grandes Lances dos Piores Momentos, a vereadora Anna Beatriz da Silva (PSD) detalhava na tribuna o relatório produzido por seu gabinete, ao apresentar indicação legislativa à Prefeitura para a criação do Grupamento de Atendimento a Mulheres pela Guarda Municipal de Gravataí, e vereadores não pareciam dispostos ouvir na última sessão da Câmara.
Falas, risos, eram ouvidos ao fundo. Está lá, documentado em vídeo.
Para piorar, identifico que Anna e outra vereadora, Vitalina Gonçalves (PT), foram alvo de intervenções no mínimo grosseiras pelo presidente da Câmara, naquele que reputo o pior momento possível.
Ou alguém acha que uma estatística dessas não abala uma mulher?
Clebes Mendes (PSDB) optou por cobrar dos parlamentares respeito aos cinco minutos regimentais na tribuna justamente após a manifestação de Anna, falando em “cortar o microfone”, “péssimo exemplo” e “falta de respeito” com a presidência.
– Também acho um péssimo exemplo os colegas conversando enquanto estou fazendo uso da palavra – Anna contrapôs.
O presidente justificou que é prerrogativa dos vereadores prestar atenção ou não nas falas dos colegas. E, alegando cumprir acordo entre líderes partidários e o regimento interno, também retirou de pauta o projeto de Anna e, a partir da decisão, não permitiu a manifestação de Vitalina.
– Acato sua deliberação na condição de presidente, mesmo ela não seja regimental – Vitalina cobrou.
– É regimental, ok?. Então acate a deliberação do presidente – Clebes respondeu.
Tudo num tom de voz bem ruim. Insisto: inadequado para o momento. Eram mulheres falando sobre as gravatienses terem 60% mais chances de serem estupradas do que as porto-alegrenses. Por familiares…
Para os vereadores que preferiram fofocar durante a fala de Anna, ou não compreenderam o tamanho da tragédia que era relatada, sigamos com mais dados levantados a partir da Lei de Acesso à Informação pelo mandato da vereadora Anna como presidente da Procuradoria Especial da Mulher.
Considerando todos os casos registrados, que incluem aqueles em que não se aplica a Lei Maria da Penha, além de crimes de roubos que resultaram em estupros, foram 153 vítimas na cidade no último ano. Representam dois casos a cada cinco dias, ou um a cada 57 horas.
A maior parte das vítimas eram crianças (64), no entanto, em quase 60% dos casos, mulheres adolescentes ou adultas foram as vítimas (89).
Entre os 153 casos de estupro, 89 (58%) enquadram-se na Lei Maria da Penha, e formam a maioria dos 108 casos (70,5%) registrados dentro de casa. Surpreende o fato de que em quase 70% dos casos sujeitos às penalidades da Lei Maria da Penha (61), não foram solicitadas medidas protetivas no momento do registro do crime na Polícia Civil.
É elevado também o volume de estupros que não se enquadram na Lei Maria da Penha. Foram 64 vítimas (42%) no ano passado. A maior parte também aconteceu dentro de casa (39), no entanto, quase 40% dos crimes (25) foram cometidos na rua ou em outros lugares, incluindo escolas.
Os dados apontam 11 casos, quase um por mês, comprovadamente cometidos nas ruas de Gravataí. E aí, as vítimas adultas e adolescentes representam mais de 80% dos casos, e os crimes concentraram-se mais entre o final da tarde, noite e madrugada, em 72,7% dos crimes. Enquanto a idade média de uma vítima de estupro em Gravataí é de 14 anos, quando considerados somente os casos ocorridos nas ruas, a idade média das vítimas é de 29 anos.
O levantamento inclui ainda 29 casos classificados como ocorridos em “outros” lugares, que podem incluir locais de circulação pública.
“O dado alarmante exige o reforço das ações da rede de proteção na cidade, e para que isso aconteça, conhecer os dados em detalhes é fundamental”, observa a vereadora no relatório.
Ao fim, complemento: para conhecer, é preciso prestar atenção, o que alguns vereadores não fizeram naquele momento ‘quinta série’.
É preciso respeito e ações práticas para enfrentar a violência contra a mulher, não bastam cards bonitinhos em datas comemorativas ou discursos oportunistas após a mulher do dia ser estuprada ou morta.