3º Neurônio | 11 dicas

Guia para não passar vergonha quando falar de ditadura

Imagem do documentário ’Torre das donzelas’.

Em meio ao fogo cruzado do debate negacionista do regime, uma lista de livros, filmes e documentos com informações essenciais sobre o regime militar. O Seguinte: reproduz o artigo publicado pelo El País

 

Em seus 55 anos, o golpe militar de 1964 nunca esteve tão atual. Depois de o presidente Jair Bolsonaro ordenasse a comemoração da data por parte das Forças Armadas — decisão contestada na Justiça e que causou forte reação da sociedade civil —, atos pró e contra a ditadura militar brasileira ocorreram em diversas cidades do Brasil e terminaram em confrontos em São Paulo. Enquanto o Palácio do Planalto divulgava por WhatsApp um vídeo em defesa da "revolução de 1964", dez capitais mobilizaram-se em atos pela memória das vítimas diretas e indiretas da ditadura e contra o revisionismo do presidente. Dias depois, o ministro da Educação, Ricardo Vélez, prometeu mudar livros didáticos por “visão mais ampla” da ditadura, tornando uma política de Governo o "negacionismo histórico"

A interpretação do que aconteceu em 1964 como "revolução" está ligada à teoria dos dois demônios", conforme explicou ao EL PAÍS o historiador Daniel Aarão Reis: o golpe teria acontecido para livrar o país da ameaça comunista. "É uma interpretação vesgamente enviesada, que procura um ponto de equilíbrio que não existe em história e tem como resultado a absolvição histórica do golpe e dos golpistas", afirma Aarão Reis. Há consenso internacional sobre os crimes de lesa humanidade perpetrados pela ditadura militar brasileira. Em julho do ano passado, por exemplo, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) condenou o Estado brasileiro pela falta de investigação, julgamento e punição aos responsáveis pela tortura e assassinato do jornalista Vladimir Herzog, ocorrido em 1975.

Em meio ao fogo cruzado do debate, o EL PAÍS faz uma lista de livros, filmes e documentos essenciais para não passar vergonha na hora de falar sobre esse período da história do Brasil.

 

1. A Casa da Vovó

Neste livro lançado em 2014, o jornalista Marcelo Godoy conta a história do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna) de São Paulo, órgão de repressão subordinado ao Exército, depois de ouvir alguns dos mais ativos agentes que participaram de sequestros e torturas durante a ditadura militar. Godoy explica que a lógica de investigação policial aliada às práticas e hierarquias militares que originaram o DOI-Codi resultaram numa máquina de tortura e assassinatos. Além de mais de duas dezenas de entrevistas com pessoas que defendiam o regime, o jornalista também realizou uma dedicada leitura dos principais livros e teses acadêmicas sobre a repressão, tendo acesso a documentos inéditos que mostram as engrenagens do DOI-Codi paulista e sua articulação com o sistema de informação e repressão da ditadura.

 

2. O ano em que meus pais saíram de férias (2006)

Entre 1964 e 1985, "sair de férias" muitas vezes significava fugir para viver na clandestinidade, no caso dos dissidentes políticos perseguidos pelo regime militar. É o que acontece com os pais de Mauro, de 12 anos, neste filme de Cao Hamburger. Em 1970, enquanto a seleção de Pelé, Tostão, Gerson e Rivellino brilhava rumo ao tricampeonato na Copa da México, a repressão da ditadura aumentava. O longa-metragem conta essa história através da visão infantil do protagonista, que é deixado com o avô paterno quando seus pais precisam fugir para não morrer.

 

3. Estranhas catedrais: as empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar

Neste livro, o historiador Pedro Henrique Pereira Campos, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), identifica no período entre 1964 e 1988 a origem da inserção, contaminação e subordinação dos governos brasileiros aos interesses do segmento dos empreiteiros. A publicação põe foco no crescimento e consolidação das principais empresas de construção pesada no país, algo que, de acordo com o autor, propiciou o desenvolvimento expressivo, a modernização e a internacionalização das "gigantes do setor". Ao demonstrar as injunções políticas, estratégias e práticas que permeiam as relações da iniciativa privada e poder público e sua legitimação por "intelectuais orgânicos", a publicação constata e fornece elementos de compreensão acerca de recentes escândalos de corrupção, como os investigados pela Operação Lava Jato.  

 

 

4. Uma noite de 12 anos (2018)

Conhecido como o "filme do Mujica", Uma noite de 12 anos, do uruguaio Álvaro Brechner, recria a odisseia do ex-presidente José Mujica como preso político entre 1972 e 1985 —que pertencia à guerrilha dos Tupamaros—. O longa-metragem retrata aspectos em comum entre as ditaduras brasileira e uruguaia, como as incontáveis sessões de tortura a que eram submetidos Mujica e seus companheiros.

 

5. Cativeiro sem fim

Depois de 20 anos de intensa investigação, o jornalista Eduardo Reina publica, em 2019, o livro Cativeiro Sem Fim, que lança luz sobre um dos crimes mais invisibilizados durante o regime militar: o sequestro e adoção ilegal de crianças por parte de famílias militares ou de pessoas ligadas às Forças Armadas. Reina contabilizou pelo menos 19 casos, entre eles o de Rosângela Serra Paraná, que teve a certidão de nascimento forjada ao nascer e, até hoje, 60 anos depois, ainda desconhece a origem de sua família biológica.

 

6. Kamchatka e A história oficial

Outras obras que mostram como regimes ditatoriais afetam as crianças são as ficções argentinas Kamchatka (2003) e A história oficial (1985). Kamchatka conta a vida na clandestinidade a partir do ponto de vista de Harry, de 10 anos, que tem que fugir com os pais para o campo em 1970. Já A história oficial narra a história de uma mãe que, ao descobrir sobre os sequestros de crianças e outras atrocidades ocorridas na ditadura argentina, começa a investigar a origem de sua filha adotiva.

 

7. Coleção Elio Gaspari

Considera um clássico sobre o período de governos militares no Brasil, a coleção de Elio Gaspari —formada pelos os livros A ditadura envergonhada, A ditadura escancarada, A ditadura derrotada, A ditadura encurralada e A ditadura acabada— ganhou uma edição revista e atualizada. As versões digitais trazem fac-símiles de documentos pesquisados e citados na publicação, além de fotos, vídeos e áudios.

 

8. Torre das donzelas (2018)

O documentário de Susanna Lira traz o relato de um grupo de mulheres —incluindo a ex-presidenta Dilma Rousseff— 40 anos depois de terem sido presas entre 1969 e 1972 na ala feminina do presídio Tiradentes, em São Paulo, pavilhão conhecido como Torre das Donzelas e destinado às presas políticas. A organização do espaço, o preparo das refeições, os dias de visita, as conversas sobre política e sexualidade, as estratégias para resistir compõem a colcha de retalhos de um percurso intenso e pulsante. “Eu acho que nós demos felicidade para nós na pior situação possível”, diz Rousseff em determinado momento do documentário. Todas as mulheres que aparecem no longa foram fichadas como "terroristas" e torturadas. Torre das donzelas venceu o prêmio especial do júri no Festival de Brasília e o prêmio de melhor documentário segundo o júri popular na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e no Festival do Rio (onde também arrematou o prêmio do júri oficial)

 

 

9. Barra 68 – Sem perder a ternura (2001)

O documentário de Vladimir Carvalho mostra a luta de Darcy Ribeiro no início dos anos 1960 para criar e implantar a Universidade de Brasília (UnB). Narrada por Othon Bastos, a obra traz depoimentos de Oscar Niemeyer, Roberto Salmeron, Jean-Claude Bernardet, Ana Miranda, Marcos Santilli, Cacá Diegues, José Carlos de Almeida Azevedo e familiares de Honestino Guimarães, além de resgatar as repetidas agressões sofridas pela universidade, desde o golpe de 1964 até os acontecimentos de 1968, quando tropas militares ocuparam o campus da UnB. Naquela ocasião, prenderam e atiraram nos estudantes, sendo que 500 deles foram detidos numa quadra de esportes. A crise culmina no Ato Institucional nº 5, o AI-5, que fechou o Congresso Nacional.

 

 

10. Cidadão Boilesen (2009)

Este documentário de 2009, dirigido por Chaim Litewisk, conta a vida e morte de Henning Boilesen, empresário dinamarquês dono da Ultragaz. Diretor da FIESP (Federação das Indústria do Estado de São Paulo) e da Associação Comercial de São Paulo, Boilesen teve participação direta na OBAN, organização clandestina e repressiva, financiada por vários empresários e criada em São Paulo para combater o movimento armado —seus membros faziam pagamentos regulares para financiar operações de caça aos chamados terroristas—. A OBAN foi o embrião do que viria a ser o DOI-Codi, criado em 1971.

 

11. Comissão Nacional da Verdade, Instituto Vladimir Herzog e MPF

Duas das principais fontes documentais da ditadura militar brasileira são os sites da Comissão Nacional da Verdade, que reúne os relatórios sobre os diversos crimes e violações dos direitos humanos realizados durante os regimes militares, e do Instituto Vladimir Herzog, que mantém viva a memória do jornalista, que foi assassinado no DOI-Codi no dia 25 de outubro de 1975. Todo o material da Comissão da Verdade também está reunido, de forma mais acessível, no Facebook.

O Ministério Público Federal (MPF) trabalha há 20 anos tentando responsabilizar criminalmente os agentes de Estado envolvidos nos crimes e violações dos direitos humanos ocorridos durante a ditadura. Em fevereiro, o órgão lançou o site Justiça de Transição, que reúne a documentação sobre todos os casos denunciados e investigados, além de informações sobre as vítimas.

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