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Histórias de um brigadiano das antigas

Américo mantém em uma sala de sua casa, que chama de escritório, lembranças dos tempos em que serviu à Brigada Militar, de soldado até primeiro-tenente

Em uma sala que ele chama de escritório, com cerca de 16 metros quadrados – um pouco mais, um pouco menos, talvez! – ele mantém rigorosamente organizados quadros de cursos que realizou, de homenagens recebidas, as fardas (de gala – com a qual oficializou seu casamento – e de trabalho) e vários outros itens, como miniaturas de carros, motos, bonecas, e uma especial, que mandou confeccionar, de uma viatura modelo caminhonete que toca sirene e acende as luzes de emergência, o popular giroflex.

Metódico, vaidoso ao ponto de frequentar manicure para deixar as unhas brilhando, bem falante e contador de histórias, Ilson Roberto Cezar Américo é um oficial da reserva da “briosa” Brigada Militar, a polícia fardada do Rio Grande do Sul. Mesmo fora da escala de trabalho desde 2006, quando – teoricamente – teria chegado o tempo de ele passar a usar pijamas e calçar pantufas no seu dia a dia, o tenente Américo garante:

— Continuo sendo da polícia. A única diferença é que hoje não uso farda e nem estou sujeito à escala. Mas as prerrogativas são as mesmas, e inclusive ando sempre armado.

Américo, filho único que lembra da avó – já falecida – que o criou, Maria da Silva Cezar, completou 59 anos no dia 14 de junho passado, tem oito filhos e atualmente é casado com Jaqueline Alves da Costa, sua companheira desde setembro de 1999. Eles se conheceram quando ela era fiscal de trânsito em Gravataí, época em que o governo era comandado pelo professor de História Daniel Bordignon. Os dois não têm filhos, e dedicam todas as atenções à ‘keikinho’, uma cadela da raça chow-chow, preta, linda, mas que mete medo em quem não a conhece.

 

Peito estufado

 

O tenente Américo, como é chamado dentro e fora do círculo de amizades, conhecidos e ex-colegas de farda, é natural de Porto Alegre e morador de Gravataí desde 1987. Passou por Porto Alegre e Torres, e trabalhou no 9º Batalhão de Polícia Militar, na capital, integrou o Pelotão de Choque da BM, atuou no Estado Maior da Brigada Militar e, cá na aldeia, prestou serviços no 17º BPM. Está na reserva desde 2006, quando tinha 46 anos.

— Mas não fica pensando que me beneficiei de alguma forma. Juntei meu tempo de trabalho antes de entrar para a Brigada e o período da ativa para conquistar o direito de entrar para a reserva — se apressou a esclarecer diante do olhar de espanto do editor de imagens do Seguinte:, Guilherme Klamt, quando falou a idade com que se aposentou.

Com peito estufado, o tenente Américo conta que fez curso para ingressar na BM em 1979, quando as 34 melhores notas davam direito a ter acesso direto à Companhia de Polícia de Choque, popularmente conhecida (e temida!) como Batalhão de Choque, unidade de apoio às ações da corporação em todo território gaúcho. E enfatiza que ficou com a sexta colocação entre os aproximadamente 200 formandos do curso de formação de soldado daquele ano.

Sobre ser policial à sua época, e hoje, não tem dúvidas:

— Era muito mais fácil, muito melhor. A Constituição (Federal) de 1988 deixou o trabalho policial muito engessado, muito mais difícil. Hoje qualquer coisa que um policial faça, mesmo que não seja errado ou ilegal, tem alguém filmando para colocar nas redes sociais e criticar — exemplifica.

 

O paradoxo

 

Américo é um ex-atual-oficial que além de assegurar que antes de 1988 era mais fácil ser policial, reclama do desmantelamento das forças de segurança que pode ser medido pela redução ano após ano do efetivo enquanto a criminalidade – e o número de criminosos – aumentam em sentido inverso em velocidade muito maior. Lembra, por exemplo, que quando ingressou na força, o contingente da BM era de 33 mil homens.

— Hoje, a impressão que se tem, e eu não tenho os números oficiais, é que não há nem a metade disso — afirma.

Outra diferença é comportamental. Américo fala que há algumas décadas os bandidos não faziam um enfrentamento aos policiais, da Brigada do Polícia Civil, como acontece hoje.

— Hoje se tu mandar um marginal parar e botar as mãos na cabeça, tu tá arriscando a tomar tiro. E temos exemplos bem recentes de quatro policiais que foram abatidos pela bandidagem — afirma.

Outra questão comportamental na visão do tenente Américo depende do comando das tropas. Citou o caso de um comandante, o coronel Mendes, nome de guerra do oficial Paulo Roberto Mendes Rodrigues, que não “afrouxava” quando um integrante da tropa era morto em confronto com criminosos.

— Ele mandava o recado pela imprensa mesmo: ‘ou tu te apresenta ou nós vamos atrás’. E daí ninguém voltava para casa antes de capturar quem tinha praticado um crime desses. Sou desse tempo — recorda.

Para ele, “o policial está muito regrado”, e esse é um grande problema que expõe o agente da lei à fragilidade que impõe um marginal que não segue regras e está bem armado, muitas vezes com armas mais potentes que as dos policiais. Esse engessamento que vem da Constituição promulgada há 31 anos aumentou com as leis complementares que vieram depois e pelas ações de movimentos, como o dos Direitos Humanos, e a tecnologia, uso de celulares e smartphones para filmagens.

— O policial não tem que ser violento, tem que ser técnico. Mas essa técnica tem que lhe dar segurança, e não é o que está acontecendo — diz Américo.

 

SUPREMACIA DE FORÇA

 

— Tem uma coisa que aprendemos lá no curso de formação de soldado, que é quando começamos a caminhar e alguém pega na nossa mão e diz ‘é por aqui, guri’: Para abordar um e dois, para abordar dois é quatro e assim sucessivamente. Se em determinada situação eu não tenho certeza, tenho que pedir apoio, reforço. Quando tiver gente suficiente para fazer uma abordagem com segurança, daí a gente faz essa abordagem.

 

Maiores sufocos

 

Em Porto Alegre:

Durante ocorrência de assalto a uma agência bancária, em Porto Alegre, Américo e um colega foram os primeiros a chegarem. O oficial orientou que o colega pedisse reforço enquanto gritava para os bandidos que se entregassem porque o banco estava cercado.

— Era mentira, só estávamos eu e o colega, mas ele não sabia disso. Em seguida chegou o reforço e acabamos pretendendo todos e recuperando o dinheiro.

 

Em Gravataí:

Quando estava de folga participou de um confronto com homem que recém havia assaltado uma terceira pessoa. Ele e um colega da BM que estavam em um ponto de ônibus saíram em perseguição ao bandido e, quando se defrontaram, aconteceu um tiroteio.

— Neste confronto o colega, infelizmente, não agiu com a técnica mais adequada e acabou baleado. Ele levou um tiro, eu levei ntrês e o Cheiro (apelido do assaltante) levou quatro.

 

: Américo com a esposa Jaqueline e a Keikinho

 

ADRENALINA A MIL

 

O tenente Américo garante que nunca chegou a sentir medo antes de entrar em ação ou participar de algum confronto com tiros. Segundo ele, na grande maioria das vezes, quase na totalidade, não há tempo suficiente para que o medo seja percebido.

— Até porque a adrenalina vai a mil, vai lá em cima.

A diferença, explica, é que em toda a ocorrência – “sem querer fazer uma generalização burra”! – o policial se expõe ao ponto de doar a própria vida.

— Em toda ocorrência o policial vai parar morrer! Enquanto todas as pessoas estão fugindo de onde está acontecendo o fato, nós estamos correndo na direção do fato.

 

As drogas

 

Lembrando que no tempo em que atuava na Brigada Militar a droga não era a razão principal da criminalidade, assaltos e roubos com morte, pelo menos não tanto quanto é hoje, Américo reputa ao tráfico a razão principal dos altos índices de crimes violentos. Também não eram comuns as facções, como acontece atualmente. No máximo, segundo o oficial da reserva, havia o “patrão da boca”, que era o traficante que dominava o comércio de drogas em determinada região.

— O crime, hoje, depende da droga, com certeza. Quando sai um grande traficante de cena já tem outro pronto para assumir a cadeira dele. E justamente porque é um negócio que, sob o aspecto financeiro, é altamente rentável — fala.

Na visão dele, a solução capaz de por freio na criminalidade passa por uma severa mudança na legislação penal. Para Américo, as leis precisam ser mais rigorosas.

Por exemplo:

— Há pouco tempo a polícia prendeu traficantes com 4,6 toneladas de drogas. E o que aconteceu? Na audiência eles alegaram que foram espancados pelos policiais e acabaram sendo colocados em liberdade. Isso é o que precisa mudar.

 

Américo hoje

 

Se dedica a algumas ações sociais, entre elas dá apoio à ONG Paz e Amor Bichos, e ajuda o Canil Municipal.

Gosta de viajar para diversos lugares e tem a intenção de, ainda, mudar para Santa Catarina que considera como um país, e não um estado.

Sempre que faz refeições em restaurantes durante suas viagens, pede as sobras de comida para alimentar animais famintos que encontra na margem da estrada.

Tem por lazer a pescaria, junto com a esposa, e para isso mantém uma lancha num atracadouro na Ilha dos Marinheiros, em Porto Alegre.

 

Polemizando

 

Seguinte: – Tenente, o senhor concorda com a frase ou com quem diz que “bandido bom é bandido morto”?

Américo – Isso vai contra o que muita gente diz, mas para mim bandido bom é bandido morto. Ou preso. Só que ele estando preso, somos nós que vamos alimentá-lo, se ele queimar o colchão num dia, depois de varrida a cela e recolhidas as cinzas já vai ganhar um colchão novo, dado por nós… E tem muita gente que dorme na rua, sem um colchão. Então…

 

Clique na imagem abaixo e assista ao vídeo com o bate-papo do tenente Américo e a reportagem do Seguinte:.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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