Impecável a manifestação de Patrícia Alba (MDB) sobre a prisão do motoboy negro Everton Henrique Goandete da Silva, 40, após ser vítima de uma aparente tentativa de homicídio por um homem branco, no último sábado em Porto Alegre.
– A vítima da facada foi conduzida (na cela do porta malas) no camburão e o agressor no banco de trás. É uma situação que demonstra um preconceito inicial – disse a deputada estadual de Gravataí ao programa Esfera Pública, da Rádio Guaíba.
A advogada defendeu “o trabalho de excelência” da Brigada Militar gaúcha “na maioria das ocorrências” e a necessidade de “ouvir os dois lados”, mas observou que o caso do sábado foi filmado e tem testemunhas.
– Por que abordar primeiro o homem negro, que era a vítima? Isso é muito cruel. Me comove pensar em alguém andando na rua e ser abordado pela cor da pele – disse, lembrando que estudos que mostram que a raça influencia nas abordagens policiais.
A deputada também defendeu o uso de câmeras corporais pelos profissionais de segurança “para proteção de todos”.
Assista ao programa completo clicando aqui.
Analiso.
É urgente o Governo do Estado trabalhar uma formação antirracista nas forças de segurança. A Brigada Militar tem que aceitar a crítica e agir para virar enredo de escola de samba.
Vamos à ‘ideologia dos números’?
Pesquisa realizada pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) sobre a abordagem policial em seis territórios da Região Metropolitana de Porto Alegre aponta que ser negro, jovem e ter tatuagem são as três principais características que levam uma pessoa a ser considerada suspeita.
A pesquisa, parte de convênio do UNODC com o governo do Estado, criou entre novembro de 2015 e fevereiro de 2023 o índice de compliance da atividade policial (ICAP), com 27 indicadores, como morte civis decorrentes de intervenção policial e também mortes de policiais em confronto, mas também relacionados à abordagem policial.
Em consulta virtual feita em 2020, por meio de um questionário com 30 perguntas enviado para os 400 policiais que atuam nesses territórios, sendo 320 militares e 80 civis, 113 policiais preencheram o questionário e responderam de forma anônima.
Ao serem questionados sobre quais características são compreendidas como suspeitas ao ponto de gerar uma abordagem, as características mais elencadas foram: ser negro (2,95%), ter tatuagens (2,69%), ser jovem (2,65%), ser homem (2,52%), estar com vestimenta suspeita (2,31%) e estar de mochila (2,07%).
– Aqui no Rio Grande do Sul, a gente felizmente tem um nível de controle muito relevante da letalidade policial. A situação gaúcha é muito diferente, por exemplo, do Rio de Janeiro, de São Paulo ou mesmo do Paraná, para usar um estado aqui da região Sul em termos de letalidade. A nossa maior dificuldade em termos de integridade do uso da força é justamente a abordagem policial – explicou ao SUL 21, em maio do ano passado, o coordenador da área anticorrupção e integridade do UNODC no Brasil e especialista em segurança cidadã e compliance, Eduardo Pazinatom.
Resta agir.
Ao fim, reputo acerta Patrícia em se posicionar com a firmeza que não teve o governador Eduardo Leite (PSDB), que se limitou a tuitar ter determinado apuração do caso, não sem no fio ter dado aquela passada de pano na BM.
O registro da ocorrência resta filmado e o absurdo jogado na cara de todos aqueles que se indignam com racismo estrutural, que perverte as instituições, como bem descreveu o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida.
– Me senti um saco de lixo – disse o motoboy Everton Henrique Goandete da Silva ao G1, e você assiste clicando aqui.
Fato é que, apesar da esperança que fica da indignação geral pela abordagem com evidências racistas, ‘saco de lixo’ seremos nós, como sociedade, se ao fim das apurações, prevalecer a tese de que houve desacato (uma excrescência constante no Código Penal) por parte do motoboy, ali um Malcom X denunciando uma injustiça.
Como o nazismo está na pauta da semana, lembro Martin Luther King Jr.: “Nunca se esqueça que tudo o que Hitler fez na Alemanha era legal”.