É compreensível que grande parte da assim chamada opinião pública veja com bons olhos a intervenção militar na segurança pública do Rio de Janeiro. Após uma década de redução nos índices de criminalidade, coroada com a instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (as UPPs), a atuação irresponsável do governo estadual no plano fiscal, somada à crise econômica nacional, levou à quase completa paralisia do Estado do Rio de Janeiro na segurança pública, numa crise ainda mais grave do que a crônica crise gaúcha. A sensação que ficou foi de que o todo o esforço de pacificação foi para o ralo. De fato, os dados mais recentes mostram que, após uma década de queda, depois de 2012, a criminalidade no RJ voltou a ter uma tendência de crescimento. Os dados de 2017 ainda não estão disponíveis, mas, a julgar pelas notícias, confirmarão a tendência.
Some-se a isso o envolvimento de vários policiais cariocas com o crime organizado, situação bastante trabalhada na sequência de filmes Tropa de Elite. São poucos os batalhões sob os quais não pairam suspeitas de corrupção. Os militares, por outro lado, são associados à honestidade pela população, muito embora grande parte dessa percepção seja ilusória, como demonstram o envolvimento de militares com o tráfico de armas e o desvio puro e simples de verbas públicas. Ainda assim, parte dessa sensação tem algum fundamento na realidade – ao contrário dos policiais, soldados não praticam patrulhamento ostensivo em situações normais, o que diminui bastante as oportunidades de associação com o tráfico.
Ninguém nega, porém, as motivações políticas da intervenção assinada pelo presidente Temer. Com uma popularidade negativa recorde (a já impopular Dilma ostentava taxas de aprovação duas ou três vezes maiores quando sofreu o impeachment), Temer vê nas ações na área de segurança uma forma de recuperar parte da simpatia popular. Um indício disso é que os critérios para a escolha do Rio de Janeiro para a intervenção são muito nebulosos. Nada menos do que nove outros Estados estão com taxas de violência maiores do que as cariocas – e não são objeto de intervenção. Ocorre que a maioria desses estados (Rio Grande do Norte, Sergipe, Amapá, etc.) está longe de ter o glamour e a visibilidade associados ao Rio de Janeiro, sede da toda poderosa Globo – o que acontece por lá, inevitavelmente, é notícia nacional. Se a intervenção for bem-sucedida, o que é provável que seja, pelo menos no curto prazo, os resultados não deixarão de ser mencionados, urbi et orbe, no Jornal Nacional – e não esqueçamos: é ano de eleição.
Além disso, o Rio de Janeiro se acostumou com privilégios especiais. O estado, e especialmente a capital, se acostumou a receber uma fração desproporcional do dinheiro público brasileiro, que sustenta, via cargos públicos bem remunerados e pensões generosas, grande parte da alta sociedade da Zona Sul – repleta de descendentes dos aristocratas do Império. A “cidade maravilhosa” é privilegiada desde a chegada da corte portuguesa em 1808. Capital do Brasil Imperial e da República na maior parte do século passado, a cidade viu os primórdios da crise chegarem quando a capital foi transferida para Brasília em 1960. Durante 15 anos, houve uma sobrevida com o Estado da Guanabara, que englobava apenas o território da cidade, e era relativamente próspero devido a contar tanto com os impostos municipais quanto com os impostos estaduais. Os militares, porém, resolveram fundir em 1975 a Cidade-Estado com o pobre Estado do Rio de Janeiro, cuja capital era Niterói, e a decadência chegou e com ela a violência – o filme Cidade de Deus, por exemplo, se passa por essa época. Aliás, até hoje, membros da sociedade carioca continuam pedindo coisas esdrúxulas, como a recriação de um segundo distrito federal, com recursos vindos de todo o país, ou, ainda, a recriação do Estado da Guanabara.
Enquanto isso, nós, gaúchos, ficamos com o dolorido “plano de recuperação fiscal”, recentemente aprovado pelo Governo Sartori, e uma situação na segurança pública não muito melhor do que a fluminense.