A disputa em torno da primeira grande reforma da Lei Orgânica de Gravataí (LOM) desde 1991 ganhou novo capítulo nesta quarta-feira (22). Em decisão publicada pela manhã, o juiz Régis Pedrosa de Barros, da 4ª Vara Cível da Fazenda Pública de Gravataí, determinou que a Câmara de Vereadores refaça, em dois turnos, a votação da Emenda nº 01/2025, incluindo eventuais emendas apresentadas, e afastou a exigência de coautoria de um terço dos vereadores para a apresentação de alterações ao texto.
Horas depois, a Câmara protocolou recurso ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), pedindo suspensão dos efeitos da liminar e acusando o magistrado de ingerência indevida em matéria interna corporis, ou seja, de interferir no funcionamento interno do Legislativo.
Juiz vê violação de rito e garante emendas
A decisão judicial atendeu parcialmente ao mandado de segurança impetrado pela vereadora Vitalina Gonçalves (PT), que contestou ato da presidência da Câmara que indeferiu cinco emendas de sua autoria ao projeto de revisão da Lei Orgânica, sob o argumento de que faltavam as assinaturas de apoio de pelo menos sete vereadores — um terço do plenário.
Para o juiz Régis Pedrosa, essa exigência não encontra respaldo legal e restringe indevidamente a atuação parlamentar, sobretudo das minorias.
“Eventual vedação de apresentação de emendas a projetos de lei inviabilizaria a atuação das minorias parlamentares e prejudicaria a própria atividade legislativa”, apontou o magistrado.
O juiz destacou que o controle judicial deve se limitar ao aspecto formal do processo legislativo, e não ao conteúdo das proposições, mas entendeu que, neste caso, houve violação ao devido processo legislativo.
“Pode o projeto de lei tendente à sua alteração receber emenda parlamentar. Nem mesmo por simetria se poderia acolher o raciocínio do chefe do parlamento”, afirmou.
Régis Pedrosa também afastou as acusações de má-fé feitas contra a vereadora Vitalina, que está sob ameaça de representação na Comissão de Ética após ter apresentado a primeira liminar em plenário durante a sessão do dia 16 de outubro, que acabou suspensa.
“Não compete a este juízo analisar a cordialidade da conduta parlamentar, notadamente em razão da inviolabilidade por suas opiniões, palavras e votos”, registrou o magistrado.
Por fim, determinou a realização de nova votação, em primeiro e segundo turnos, sob pena de multa de R$ 100 mil em caso de descumprimento, com responsabilidade pessoal do agente público que descumprir a ordem — no caso, o presidente do legislativo, vereador Clebes Mendes (PSDB).
Câmara recorre e alega violação da separação dos poderes
A resposta do Legislativo veio poucas horas depois. Assinado pelo procurador-geral José Adriano Custódio Ferreira, o agravo de instrumento foi protocolado no TJ-RS na tarde desta quarta-feira, pedindo efeito suspensivo à decisão de primeiro grau.
O recurso sustenta que o juiz invadiu competência do Legislativo ao determinar nova votação de um projeto já aprovado em dois turnos, e afirma que o entendimento de que emendas e subemendas exigem a assinatura de um terço dos vereadores está consolidado desde 1990 e jamais havia sido contestado judicialmente.
“A decisão incorre em contradições internas e viola princípios constitucionais estruturantes, notadamente o da separação dos poderes”, argumenta o texto.
“O magistrado atribuiu a si competência substitutiva, violando o princípio da autonomia institucional”, diz outro trecho.
A Câmara também classificou a multa pessoal de R$ 100 mil como “desproporcional e desarrazoada”, alegando que não houve descumprimento doloso da decisão judicial, mas apenas divergência interpretativa de boa-fé.
No pedido alternativo, o Legislativo sugere que, caso a liminar seja mantida, a reabertura da votação se limite apenas às emendas da vereadora Vitalina, sem necessidade de refazer toda a votação da emenda principal, aprovada por 15 votos a 4 no plenário.
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A crise política e o impasse jurídico continuam
A decisão desta quarta-feira é o terceiro ato judicial envolvendo a tramitação da reforma da Lei Orgânica de Gravataí, a primeira ‘pauta-bomba’ do segundo governo do prefeito Luiz Zaffalon (PSD). O texto aprovado altera regras sobre o funcionalismo público, o processo de escolha de diretores de escola e o zoneamento ambiental da Estância Província de São Pedro, entre outros pontos.
A primeira liminar, concedida no dia 17 de outubro, suspendeu os efeitos da votação em segundo turno e ordenou que a Câmara se abstivesse de promulgar a emenda, sob pena de multa. No dia 20, a Câmara reagiu, acusando a vereadora Vitalina de litigância de má-fé e pedindo a revogação da liminar, o que foi rejeitado.
Agora, com a nova decisão determinando refazimento integral da votação, o Legislativo tenta reverter o quadro no Tribunal de Justiça, alegando que o Judiciário está “substituindo o juízo político do plenário por interpretação judicial alheia à sua autonomia”.
Enquanto o recurso tramita, a reforma da Lei Orgânica segue paralisada. Se o TJ mantiver a decisão de primeiro grau, a Câmara terá de repetir todo o processo, reabrindo espaço para novas emendas e prolongando uma disputa que já tensiona os três poderes municipais.
Ao fim, a ‘pauta-bomba’ resta armada.
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