3º Neurônio | comportamento

Mães e pais não necessitam ser perfeitos, não precisam tirar a ‘melhor nota’ no confinamento

Uma menina protegida com duas máscaras brinca com sua patinete na rua

Autora de ‘Hiperpaternidade’, afirma que os pais superprotetores estão vendo como as crianças são capazes de enfrentar uma situação frustrante e ser responsáveis. Segundo Eva Millet, pandemia não deve se transformar em outra maratona para ver quem é a melhor mãe ou pai. O Seguinte: reproduz a entrevista publicada pelo El País

 

A pandemia do coronavírus é uma prova para todos. Uma prova que colocou em xeque nossa resistência, nossa paciência e nossa capacidade de conviver em família, oferecendo objetivos novos, distantes de tudo o que conhecíamos e do nosso costume de abraçar e beijar nossos seres queridos. Agora não podemos. Mas esta nova realidade nos ensinou que devemos viver, trabalhar e criar de formas diferentes. Nossa ansiedade e nossos medos devem ser enfocados de outra maneira.

Eva Millet, autora de Hiperpaternidad (Hiperpaternidade), Hiperniños (Hipercrianças) e Niños, Adolescentes y Ansiedad (Crianças, adolescentes e ansiedade), explica como está sendo – e será – esta nova viagem, da qual com certeza podemos tirar proveito.

 

Pergunta. Esta pandemia coloca à prova a família? Como?

Resposta. Sim, sem dúvida é uma prova de fogo. Uma situação excepcional que obrigou pais e filhos a estarem 24 horas por dia juntos, sob o mesmo teto. Uma situação que magnificou nosso papel de progenitores, companheiros de brincadeiras, cozinheiros, “policiais” (para estabelecer alguns limites) e “jornalistas” – para informar nossos filhos sobre o que está acontecendo sem assustá-los. Um verdadeiro desafio.

 

P. Que mudanças acontecem dentro de casa?

R. Embora nossas casas continuem sendo as mesmas, as circunstâncias mudaram muito. Para começar, não se podia sair [na Espanha] até há relativamente muito pouco, e as dinâmicas familiares costumam ser de entrar e sair o tempo todo. Por outro lado (e considero isso muito interessante), os ritmos das famílias, que costumam ser trepidantes, diminuíram de forma brutal da noite para o dia. De repente, não havia mil coisas para fazer nas agendas dos filhos, que é uma das características da hiperpaternidade na qual me especializei. Agora dispomos de quase todo o tempo do mundo e, surpreendentemente, não aconteceu nada. De fato, graças ao confinamento, muitas crianças finalmente tiveram tempo de brincar, que deveria ser a principal atividade da infância.

 

P. E ao ar livre?

R. No domingo 26 de abril, houve uma verdadeira sede de ar livre na Espanha, de poder sair. A verdade é que as crianças, antes do confinamento, já não passavam o tempo adequado brincando lá fora, mas não a esse ponto extremo. Quero acreditar que essa situação servirá para que os pais percebam como o exterior é importante para a infância. O tempo ao ar livre não é um capricho, é um direito, uma necessidade para seu bem-estar físico e mental.

 

P. Como lidar com a ansiedade que tudo isso provoca?

R. Entre os diversos papéis que os pais adotam nestas semanas, está o de psicólogos. E embora todos os especialistas concordem que as crianças são muito adaptáveis e que seria preciso um confinamento muito mais longo para que houvesse sequelas graves, é importante estar alerta. A ansiedade é uma emoção muito difícil de definir e muito contagiosa. E nestes dias, assim como o medo, ela tem estado muito presente em nossas vidas: há ansiedade em relação ao futuro, ao vírus, ao vestibular, ao trabalho. É uma espiral!

Em sua faceta de aliada, a ansiedade nos ajudou a permanecer em casa de forma muito disciplinada. Mas em sua faceta neurótica, negativa, a ansiedade nos impede de dormir, gera mal-estar físico e apreensão, e não apenas nos adultos.

As crianças têm ainda mais dificuldade de explicar a ansiedade, de modo que precisamos estar atentos quando detectamos coisas como: sintomas reiterados de pequenos males (dor de barriga, dor de cabeça); preocupações constantes (com o contágio do vírus, com a morte dos seres queridos); medo de sair na rua; alterações de padrões de sonho e fome; mais irritabilidade e também silêncio. É certo que agora não estamos tendo uma vida “normal”. Mas, quando alguns desses sintomas são constantes e disruptivos, é preciso pedir ajuda profissional.

 

P. Superproteção versus liberdade: nos esquecemos desse sentido de superproteger tão atual? Ou, ao contrário, nos tornamos mais superprotetores?

R. Dias atrás, o psicólogo Javier Urra me comentou uma coisa interessante: que os filhos educados numa sociedade superprotetora estão vendo que hoje não os protegem; em vez disso, lhes dizem: “Você tem que ser responsável.” E isso é muito interessante porque os pais superprotetores – que justificavam seus filhos ao extremo e os consideravam incapazes de tolerar a frustração ou fazer seus deveres sem ajuda, por exemplo – estão vendo que os filhos podem! São capazes de lidar com uma situação muito frustrante e de se comprometer de forma responsável.

 

P. Sobre a responsabilidade paterna e o coronavírus: sabemos (e podemos) cuidar?

R. Acredito que sim, sem dúvida. Felizmente, a maioria das famílias quer e pode cuidar de seus filhos. Com seus altos e baixos, seus acertos e seus erros, mas o cuidado e o amor estão presentes. E creio que isso tem sido demonstrado nestes dias.

 

P. E quanto a cuidarmos de nós mesmos, como pais, para criar?

R. Também precisamos nos cuidar, sim, e manter a serenidade. Porque se nós não estamos bem, as crianças percebem. Isso não significa ter um positivismo extremo (a corrente do pensamento positivo é uma grande armadilha), mas tampouco desabafar completamente com os filhos, expondo todas as desgraças. Como sempre, a resposta está no senso comum e em nossa maturidade: mais do que nunca, os pais têm que ser os adultos da casa.

 

P. Mães superprotetoras na quarentena: como agregar a variável do teletrabalho?

R. Bem, especialmente nos primeiros, houve uma espécie de frenesi para ver qual era a família mais motivada e ativa durante o confinamento: centenas de fotos de jogos de mesa, tortas, atividades. E é muito bom dedicar tempo aos filhos, é fundamental nestas circunstâncias, assim como ter horários e organizar algumas atividades. Mas, por favor, que isto não se transforme em outra maratona para ver quem é a melhor mãe ou o melhor pai. A busca da perfeição é um grande gerador de ansiedade. E, com a ansiedade já trazida por esta emergência, só nos faltava competir agora por isso!

 

P. Agora somos animadores o tempo todo. Algum conselho para os pais?

R. Não é necessário que os pais sejam perfeitos. Eles não precisam tirar a “melhor nota” no confinamento. Desde que nós sejamos pais e mães bons o suficiente e consigamos ser “aprovados”, podemos estar contentes. Isso é muito difícil. Para todos.

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