A Polícia Civil do Rio Grande do Sul, por meio da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) de Canoas, desencadeou na sexta-feira a Operação Vozes da Inocência. A ação teve como objetivo prender indivíduos suspeitos de cometer crimes sexuais contra crianças e adolescentes, sendo os autores justamente aqueles que deveriam protegê-las: avós, padrastos e pais. A violação dessa relação de confiança manteve as vítimas em silêncio por longos períodos, durante os quais foram submetidas a repetidos abusos dentro de seus próprios lares.
Mobilizando 30 policiais civis, a operação resultou no cumprimento de cinco mandados de prisão preventiva e seis de busca e apreensão em diversos bairros de Canoas, como Guajuviras, Mato Grande e Fátima, além de diligências no Rio de Janeiro. Quatro suspeitos foram presos, e as equipes buscam o quinto foragido. O trabalho é parte de investigações aprofundadas que buscam fazer justiça por crimes que devastam vidas desde a infância.
O grito rompe o silêncio: a coragem das vítimas
Liderada pelo delegado Maurício Barison, a operação visa não apenas prender os suspeitos, mas também trazer luz à importância das palavras das vítimas, frequentemente desacreditadas ou minimizadas até mesmo pela família.
“A operação, além de dar cumprimento à justiça, simboliza o respeito e a valorização do depoimento dessas crianças e adolescentes, que, mesmo fragilizadas, tiveram coragem de romper o silêncio”, destacou o delegado.
Barison enfatizou que confiar nos relatos das vítimas é fundamental para prevenir e punir eficazmente crimes que “não apenas ferem corpos, mas destroem a alma e comprometem o futuro”.
Casos que chocam pela crueldade e traição
As investigações revelaram casos de extrema gravidade, que ilustram a vulnerabilidade das vítimas e a perversidade dos agressores:
Caso 1: o avô e suas “namoradas” – Um homem de 78 anos é acusado de estuprar a neta de 14 anos e uma amiga dela de 12. Ele se aproveitou do acolhimento da família após as enchentes de 2024 para cometer os crimes. Não satisfeito, levava as meninas a um bar e se referia a elas como suas “namoradas”. Elas só conseguiram denunciar com apoio da equipe escolar.
Caso 2: o padrasto e a chantagem – Um padrasto de 42 anos abusava das enteadas de 12 e 14 anos na ausência da mãe, mascarando os ataques como “brincadeiras” de cosquinhas. Ele ainda chantageava as meninas, oferecendo um cartão de crédito. A denúncia partiu da avó materna.
Caso 3: quatro anos de horror – Um avô de 71 anos abusou da neta dos 7 aos 11 anos de idade, enquanto morava na casa do filho. Sob o pretexto de buscar assistência após um AVC, cometeu beijos, carícias e conjunção carnal, levando a menina à perda da virgindade. Ela só relatou os abusos na adolescência.
Caso 4: o pai e a automutilação – O pai biológico, de 41 anos, abusava sexualmente da filha de 12 anos. A dor e o silêncio levaram a vítima a um sofrimento tão extremo que começou a se automutilar. A denúncia foi feita com o apoio de uma meia-irmã, que também havia sido vítima do mesmo agressor.
Caso 5: o “tio” foragido – Um homem de 51 anos, companheiro da tia da vítima, abusava sexualmente da menina de 10 anos dentro de casa. O crime foi flagrado pela irmã adolescente da vítima. O suspeito fugiu para Duque de Caxias (RJ), onde diligências seguem para localizá-lo e prendê-lo.
“Libertadas de um cárcere psicológico”
Os casos mostram que as vítimas enfrentam não apenas a violência, mas também a indiferença e a omissão de familiares. Essa negação do sofrimento gera um sentimento de abandono, agravando ainda mais os traumas. As autoridades identificaram graves consequências, incluindo isolamento social, automutilação, ideação suicida, insônia, regressão comportamental, incontinência urinária e severas dificuldades afetivas e sociais.
O diretor da 2ª Delegacia Regional Metropolitana (2ª DPRM), delegado Cristiano Reschke, reafirmou o compromisso institucional. “A operação libertou 7 vítimas do que considero uma espécie de cárcere psicológico, com danos que acompanharão suas vidas. Essas crianças e adolescentes tiveram suas vozes sequestradas… Hoje a voz delas ecoou e resultou na prisão desses verdadeiros monstros”, declarou.
Reschke finalizou com um alerta à sociedade: “Fatos tão cruéis não devem apenas gerar indignação, mas mobilização para que a sociedade também desempenhe um papel ativo na proteção de suas crianças”.