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Morre vereador mais antigo de Gravataí: O que posso contar sobre Nadir Rocha

Essa é a última foto que Nadir Flores da Rocha escolheu para seu perfil no Facebook

A comoção pela morte do vereador mais antigo de Gravataí diz tudo sobre quem era Nadir Rocha, para além do parlamentar de quinto mandato e prefeito interino por duas vezes – o ‘camerlengo da sé vacante’, como brincávamos com ele, no Seguinte:, por comandar o Vaticano antes da fumaça branca em 2011, no golpeachment contra a prefeita Rita Sanco e, em 2017, depois do lawfare contra Daniel Bordignon.

O velório do 'vereador do povão', como contei em PERFIL NADIR ROCHA | O político do povão, será entre às 7h e às 15h desta quarta-feira, na Câmara de Vereadores, que suspendeu a sessão desta terça em homenagem a seu decano. Nas redes sociais, além do luto decretado pela Prefeitura de Gravataí, políticos de diferentes lados da ferradura ideológica lamentaram a morte do político.

Soube da morte do amigo e – me orgulho, por palavras dele, leitor de todos os artigos – bem cedo da tarde, mas, mesmo que contrarie a essência do jornalismo, que é informar, e tenham nesse interregno recebido inúmeras mensagens pedindo uma confirmação, não quis caçar-cliques com a tragédia antes de tentar ouvir a família e aqueles que o amam.

E, também, dedicar-me a este texto.

Foi difícil. Ouvir alguém e escrever.

Estão todos em choque na Janete Clair, onde na tarde desta terça o político que era referência nas Águas Claras foi encontrado morto aos 62 anos, em seu quarto, por uma das filhas, vítima de um enfarto, horas antes de cumprir sua rotina de ir até a Câmara de Vereadores para a sessão do dia.

– Foi um pai que apoiou os filhos em tudo. Antes de ser eleito vereador, passamos nossos perrengues quando ele foi demitido do (Grupo Hospitalar) Conceição. Nunca se entregou. A mãe fazia chocolate e ele ia vender nos comércios – contou, entre engasgos e lágrimas, o filho Leandro, de 41 anos, irmão da Josiane, 38, e da Gessica, 24, após muita insistência deste jornalista para que Clebes Mendes, também vereador e nos últimos dois anos maior parceiro político de Nadir, me colocasse em contato com alguém da família.

A matriarca a qual Leandro se refere é a Sonir, que faleceu em 2010, vítima de um câncer. Companheira que, um ano depois da morte, quando assumiu interinamente a Prefeitura, por ser presidente da Câmara e a prefeita Rita Sanco ter sido cassada, Nadir, em lágrimas, dedicou a posse, em discurso reproduzido na RBSTV.

Se Nadir ainda fumava, não sei. Eu, fumante, aplaudiria se não. Se tomava uma cervejinha, espero que moderadamente, sim, ou talvez tivesse partido antes. Notório é que o ‘véio’ era boêmio, adorava cantar em caraoquês de beira de faixa e, bonitão e galanteador, usava em seus santinhos de campanha política foto de cabelo pretinho de duzentos anos atrás.

Incontestável é que sempre foi dedicado aos seus – e provedor.

A relação com a atual companheira, Lucia, era de total parceria política, micromundo da aldeia onde se conheceram. Lucia sempre foi fã de Nadir. E ele contava com ela.

Nestas últimas horas de pesar, tentei ouvir Letícia Fischer, assessora de todas as horas do vereador, supervisora, maior cargo da Câmara, em seus mandatos, mas impediram-na de falar.

– Martinelli, ela não consegue!

Ouvi de amigo que ela chegou a comentar:

– O Martinelli não se toca, não para de ligar.

Letícia, minha intenção era captar o momento. Teu e de tantos que amavam Nadir.

Na história da política da aldeia, Letícia foi a ‘mulher forte’ ao lado de Nadir em um momento único do legislativo. É que, foi ele, como presidente (sob a carranca dela, como supervisora), que ao receber alerta sobre servidores ladrões, não se resignou ao cômodo espírito de corpo, do ‘deixa-assim-porque-assim-sempre-foi’ e mandou investigar.

A corrupção foi comprovada.

Mesmo sem cana, a justiça mandou gente bem conhecida da cidade devolver dinheiro.

– Eu fiz, né? – orgulhava-se.

Fato é que a morte de Nadir é uma perda para política de Gravataí.

Era daqueles caras que parecem eternos. Já estava cheio de cirurgias e molas no coração, mas desfilava jovial pelos corredores e a tribuna da Câmara – onde era homenageado a cada sessão por oposicionistas, onde hoje se situava politicamente, e também por governistas, como o presidente da Câmara, Alan Vieira, que, guri, genuinamente parecia compreender que o tempo, e suas personagens, são uma inevitável escola.

A simplicidade autêntica de Nadir era necessária nesta legislatura de meninos, uns o futuro da aldeia, outros fugazes.

Na votação do que chamo a ‘pauta-bomba da Sogil’, que aprovava subsídio de R$ 5 milhões para manter as passagens das linhas municipais congeladas em R$ 4,80, Nadir alertou:

– Olha, meninos, esse voto pode custar a carreira política de vocês.

Justo ou não o subsídio, e eu já opinei inevitável, o decano acertou. No Grande Tribunal das Redes Sociais, um fenômeno pré-Nadir, os vereadores nunca apanharam tanto.

Ao fim, Nadir era tri.

O leitor menos sensível pode dizer:

– Morreu virou santo!

O véio era santo tanto quanto você e eu, e, entre os políticos, restou entre aqueles que morrem pobres – se é que conta como ganho da política uma casa em Quintão.

Escrevo assim, em primeira pessoa, porque Nadir faz parte de meu dia a dia nos últimos 20 anos. Falem outros sobre seus mortos. Esse morto para mim é querido. É parte de minha vida, como é parte da vida de muitos, com imensurável dor.

Concluo com dois episódios que dizem muito sobre Nadir. A distância entre uma e outra história é de mais de 10 anos.

Uma é pública.

Antes de ser vereador, ele foi demitido do Grupo Hospitalar Conceição porque supostamente passava pessoas na frente na fila, de atendimentos ou cirurgias. Nunca negou. Mas dizia o kotivo:

– Eu ia deixar morrer? Passava na frente mesmo.

A outra passagem é um off, que conto agora, porque o amigo se foi.

Em 2016 a justiça eleitoral determinou nova eleição depois que o prefeito eleito Daniel Bordignon teve os direitos políticos suspensos. Até a realização de novo pleito, em março de 2017, a Prefeitura seria ocupada pelo presidente da Câmara. Nadir foi o escolhido.

Observando que, nos primeiros dias, Nadir queria fazer de tudo, isso, aquilo e mais, recebia o povo, comitivas de bairros, ouvir reivindicações de todos os tipos, instiguei Marco Alba, que tinha encerrado o mandato como prefeito e era candidato à reeleição:

– Assim o Nadir vai ser preso.

Marco Alba riu e disse:

– É o Nadir. Pergunta para ele. Estou em campanha. Nem apareço na Prefeitura.

Aos que já permitiram ao político Nadir a presunção da culpa, entendendo que eu denunciava corrupção, não! É que Nadir queria ajudar todo mundo sem olhar o orçamento e a limitação das leis.

Nadir, como Abílio dos Santos, o ‘pai dos pobres’ que veio antes dele, é adeus a uma época.

Se olharmos os orçamentos públicos só pelo que chamo ‘ideologia dos números’, políticos logo podem ser trocados por softwares ou inteligência artificial. Será bom para o povo não ter ao menos um pouquinho de Nadir no coração?

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O Seguinte: estreou em 2016 com uma série contando a história dos vereadores.

Siga a do Nadir, com fotos da trajetória dele, em PERFIL NADIR ROCHA | O político do povão.

Em setembro de 2019, quando Nadir voltou para casa após cirurgia cardíaca, fomos visitá-lo e produzimos a reportagem O Nadir é pop!; após o infarto, ’avisa lá que eu tô voltando’.

Assista ao vídeo.

 

 

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