Não se falou nisso ainda na Prefeitura, mas me parece uma furada para Gravataí a proposta do governo Eduardo Leite de entregar imóveis do Estado como pagamento da gigantesca dívida em repasses para a saúde.
Um pouco de contexto e depois comento.
A coluna de Rosane Oliveira, em GaúchaZH, revelou que “(…) em até 90 dias o governo do Estado terminará levantamento dos imóveis que poderão ser entregues às prefeituras para abatimento das dívidas não empenhadas da saúde. São R$ 480 milhões de serviços prestados, não pagos e para os quais sequer foram reservados recursos entre 2014 e 2018 (…) A Assembleia Legislativa precisa dar aval à transação (…)”.
Analiso.
Marco Alba não vai cair nessa. O prefeito sabe que não há áreas ou imóveis – que possam ser facilmente vendidos, ou que valha a pena usar para evitar aluguéis – que compensem os mais de R$ 24 milhões devidos pelo RS para Gravataí.
É um rombo que corresponde a um a cada 10 reais que se tem para usar na rede de saúde do município.
Para efeitos de comparação, Gravataí reduziu o endividamento de 56% da receita em 2012 para apenas 4,5% em 2018, mas mesmo assim as contas fecharam com déficit próximo a R$ 15 milhões – culpa do calote do Estado nos repasses da saúde.
É um dinheiro que poderia ter sido usado em investimentos em obras e serviços.
Para se ter uma idéia, todo contrato com o Dom João Becker, único hospital que atende pelo SUS em Gravataí, custa anualmente R$ 30 milhões para o município. E, a partir da negociação para assumir a Santa Casa, a Prefeitura aumentou o repasse em R$ 10 milhões.
Na pendura que passa pelos governo Tarso, Sartori e Leite, há espetos desde o Bebê Saúde até programas de Aids/DST, passando pelo Samu. Mas uma é conta simbólica: a falta de repasses em dia faz com que Gravataí lidere o ranking das cidades gaúchas com mais gente aguardando na fila por cirurgias eletivas pelo SUS – aquelas pelas quais o paciente passa por uma avaliação médica na rede de saúde e indica a necessidade da intervenção.
Dados de 2018 mostram que são cerca de 7 mil pessoas na espera, quase quatro vezes mais que Porto Alegre. Os números assustam por representar que, na média, um a cada 37 habitantes esperam por uma cirurgia, enquanto na Capital essa proporção é de um a cada 770. Na relação com municípios do interior de mesmo porte, Santa Maria, com 278.445 moradores, pouco mais do que os 275.146 de Gravataí, registra fila de 899 pacientes, por exemplo.
Os números superam sete dos 16 estados brasileiros que forneceram números para a pesquisa inédita feita pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) com base na Lei de Acesso à Informação.
A última promessa do governo estadual, feita em maio, é de quitar parceladamente menos de 10% até 2020.
Jean Torman, procurador-geral e secretário da Saúde de Gravataí já ingressou com três ações judiciais, nas esferas estadual e federal, ainda pendentes de decisão de mérito. Mas já há um mandado de segurança concedido em 2017 que obriga o governo estadual a pelo menos repassar em dia os recursos.
A decisão judicial nunca foi cumprida.
Fosse um prefeito, poderia estar preso ou inelegível.
Com governadores – seja do partido ou ideologia que for – a permissividade é cúmplice.
Quando se trata do caixa do Estado, ao fim responsável pelos duodécimos que sustentam os Três Poderes, a emergência maior parece ser sempre manter vivos os orçamentos do Executivo, Legislativo e, por óbvio, do Judiciário.
Aos Joões, Marias e Cauãs dos municípios, que é onde o povo pisa, e aos quais resta o SUS, o calote institucionalizado.
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