Hoje não é dia para se esconder atrás do muro. Ou se repudia a conspiração por um golpe de Estado no Brasil, ou se passa pano em golpistas.
Entendo foi o que fez a deputada estadual de Gravataí, Patrícia Alba (MDB), ao dedicar parte de sua participação no programa Esfera Pública, da Rádio Guaíba, para criticar a “politização” e decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) supostamente tomadas “no calor das ruas” ou influenciadas por “pressões políticas”.
São fartos não indícios ou evidências, mas provas, coletadas pela Polícia Federal, de que o ex-presidente Jair Bolsonaro e os generais Braga Netto, seu vice, e Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), conspiraram para um golpe.
Há trocas de mensagens no Inquérito 4781 mostrando alterações pedidas por Bolsonaro na ‘minuta do golpe’, onde o ex-presidente exigiu inclusive a prisão do ministro do STF Alexandre de Moraes.
Em outras interceptações, Braga Netto chega a chamar de “cagão” o chefe do Exército, general Freire Gomes, por não concordar em aderir ao golpismo.
Foi apreendido um vídeo, gravado por Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro, onde o ex-presidente, assessores e militares tramam o golpe que, consumado, também prenderia o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.
Advogada, Patrícia preferiu se colocar como operadora do direito e dizer que, por não conhecer o processo, não faria “julgamentos antecipados”.
Errou, porém, ao abusar de falsas simetrias que só ajudam o discurso da extrema direita.
A deputada falou em “polarização de extremos” e lembrou que a esquerda chama o impeachment de Dilma de golpe.
É verdade que o afastamento da ex-presidente foi constitucional. Tanto que chamo de golpeachment, imputação que não existe na Constituição ou no Código Penal.
Não reconheço, entretanto, um mínimo paralelo possível com um crime de traição de Pátria, como a conspiração para golpe de Estado, que hoje se prova teve as digitais de Bolsonaro; em alguns países, é caso de corte marcial e até fuzilamento, um absurdo para mim, um inimigo da pena de morte.
Está lá, no Código Penal, entre os “Crimes contra as instituições democráticas”, a “Abolição violenta do Estado Democrático de Direito”:
Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência.
Por obvio é “tentar”, porque se o golpe fosse consumado, em vez de punições teríamos medalhas aos golpistas.
E Patrícia falou sobre o impeachment, mas não referiu em nenhum momento, de forma direta, o golpe de Bolsonaro – hoje, com o passaporte apreendido, um preso no Brasil.
A deputada também apelou na rádio pelo debate sobre outras pautas supostamente mais importantes para a vida das pessoas.
Lembrou ainda que criticava o petismo, assim como faz com o bolsonarismo, pelo “radicalismo” de não permitir que “haja convergência entre divergentes”.
Não concordo com essa equivalência, porque nunca depois de 1964 um grupo com força política trabalhou por uma intervenção militar, ou seja, pelo verdadeiro fim das liberdades individuais.
Não consigo compreender uma equivalência entre uma extrema-direita golpista e a esquerda envergonhada lulista, que é mais ‘extremo centro’ do que qualquer coisa.
Avalio é, sim, restar atrás do muro em um dia histórico para a democracia, que solapada impediria talvez até a própria deputada de criticar governos, já que é oposição municipal, estadual e federal.
Para os mais pragmáticos pode ser compreensível Patrícia ter ficado atrás do muro.
É uma política de “centro”, como se apresentou inclusive. E na rádio foi pega de surpresa com a troca de pauta do programa, já que exigia ao jornalismo repercutir o escândalo do dia.
Mais: tinha como debatedora, além de Luciana Genro (PSOL), Adriana Lara, deputada do PL, partido que, ao menos publicamente, é hoje o único aliado do ex-prefeito Marco Alba na eleição deste ano pela Prefeitura de Gravataí.
(Aqui vale um parêntesis: sobre o discurso napoleão de hospício de Adriana Lara nem comento, você assiste o programa completo abaixo – alerto, porém, que é impossível ‘desver’.
Dedico-me a analisar a participação da deputada de Gravataí em um canhão de mídia que é Guaíba, ao falar sobre uma bomba política que, não tenho dúvidas, após a prisão de um ex-presidente, Bolsonaro, e generais de quatro estrelas, vai para os livros de História.
Ao fim, eu, civil de nascença, jornalista e não político, analiso era dia para chamar o demônio pelo nome: golpe de Estado. Ao menos nos filmes, era o princípio do exorcismo.
Quem criticar meu artigo por falta de isenção, certamente nunca me leu. Entre democracia e ditadura, sempre tive lado, e não foi da tortura e dos ratos na vagina de presas políticas.
É como aquele suposto ditado alemão: “Se um nazista se senta à mesa com 10 pessoas e ninguém se levanta, então há 11 nazistas”.
Ah, o Martinelli chamou a Patrícia de nazista. Não, imbecil. Reputo a deputada, minha amiga, que afianço ser uma democrata e legalista, correu o risco de, ali na mesa da Guaíba, ser identificada como passa pano de golpistas.
Assista ao programa na íntegra