JEANE BORDIGNON

No dia 12, celebro a mim

Decidi que vou dar flores a mim mesma neste dia 12. Porque meu amor maior sou eu! E não foi fácil chegar nessa conquista de autoestima, foram muitos anos, a maior parte da vida. Lembrem que eu nasci em 1980 e fui uma criança que pegou o auge da Barbie e dos contos de fada da Disney. E das novelas em que os mocinhos casam no final. Todo um ideal romântico sendo plantado dia após dia em nossas mentes, de que uma mulher só é feliz quando encontra seu príncipe.

Além da difícil realidade que é constatar que a imensa maioria dos homens está bem distante de ser um príncipe (por que a gente precisa quebrar a cara tantas vezes até acreditar nisso?), quem inventou que o lugar de princesa é o melhor para uma mulher estava bem equivocado… ou querendo perpetuar uma estrutura patriarcal mesmo. Ser a moça delicada, recatada e que aceita praticamente tudo sem reclamar… é bem conveniente, menos pra ela própria.

Outra falácia é ideia de buscamos alguém de nos complete, a famosa “metade da laranja”. Primeiro, porque perfeição é a maior das ilusões, então não existe uma “pessoa perfeita” para nós. Segundo, porque já somos completos, não precisamos de outrem para nos sentirmos inteiros. Terceiro, não dá pra projetar em outro ser a sua própria felicidade, é por isso que a maioria das relações termina em frustração. E quarto: a balança nunca é equilibrada, uma relação geralmente tem em um lado um homem que faz o mínimo e acha que está ótimo assim, e do outro uma mulher sobrecarregada fazendo dupla jornada (ou tripla, quando tem filhos).

Não pensem que esses equívocos se referem só a relações heteroafetivas. Criar ilusões e romantizar os parceiros/parceiras/parceires é algo que acontece com qualquer ser humano. E o que não falta é casal homo reproduzindo padrões heteronormativos, porque ainda muita gente foi criada para seguir esses padrões e leva um bom tempo para ter consciência do quão entranhados estão em nós, para enfim se libertar.

Quem está acompanhando essa coluna já deve estar pensando que talvez eu esteja com uma visão muito amarga da vida… O fato é que não sou uma pessoa romântica, apesar de já ter vivido meu “romance de filme”. Quando conto como conheci meu ex-marido sempre tenho essa sensação de que um bom roteirista poderia ter escrito nossa história. O Bê era músico de rua, tocando flauta transversa, e eu trabalhava de palhaça divulgando a ludoterapia nos ônibus… Eu pegava ônibus praticamente todo dia bem em frente a um dos principais pontos onde o Bê tocava, e desde a primeira vez que ouvi a música dele, foi como um carinho na minha alma que estava bem machucada naquela época. Por alguns dias, apenas ouvia de longe. Até que me aproximei para dizer que a música me fazia bem, e não paramos mais de conversar. E ele só viu meu rosto sem a maquiagem de palhaça depois de um bom tempo de conversa. Daí as coisas aconteceram rápido, por circunstâncias da vida fomos morar juntos com pouco tempo de namoro.

É na convivência que a gente vê que a realidade não é tão mágica quanto os filmes. Um relacionamento de verdade não se sustenta só de amor e tesão. Precisa de parceria para enfrentar os perrengues do dia a dia, e para crescer junto. Se os objetivos de ambos não estão em consonância, não tem amor que dê conta, a frustração logo vai bater e criar monstros muitas vezes que nem precisariam existir.

Talvez por isso eu não seja tão romântica. Porque se for para ter alguém na minha vida, tem que ser para construir juntos. Tem que ter batalhas e sonhos em comum, ou pelo menos que mirem a mesma direção. Deve ser por isso que só me relaciono com artistas… se não tiver um pé que seja na arte, é praticamente impossível combinar comigo. Relacionamento pra mim é parceria, acima de tudo. É feito mais de acordos e vontades compartilhadas do que de um sentimento tão idealizado pelos filmes e canções.

No livro “Ensaios de amor”, o filósofo suíço Alain de Botton relata um romance analisando-o pela ótica da filosofia, e um de seus apontamentos é de que “nos apaixonamos porque desejamos escapar de nós mesmos com alguém que seja tão ideal quanto somos decaídos”. Então, num primeiro momento, nos apaixonamos não pela pessoa real, mas pela idealização de alguém que gostaríamos de encontrar em nós mesmos. E quando essa imagem ideal vai sendo desconstruída, a paixão vai esfriando.

“Nós nos apaixonamos esperando não encontrar no outro o que sabemos estar em nós mesmos – toda a covardia, fraqueza, preguiça, desonestidade, comprometimento e estupidez bruta. Jogamos um laço de amor sobre o escolhido, e decidimos que tudo o que cair dentro de algum modo estará livre de nossos defeitos e, portanto, digno de ser amado. Localizamos no outro uma perfeição que nos ilude dentro de nós mesmos, e por meio da união com o amado esperamos de alguma forma manter (contra evidências de todo o autoconhecimento) uma fé precária na espécie.”

É só quando conseguimos nos relacionar sem essa necessidade de nos blindar dos defeitos (nossos e do outro) que podemos estar abertos ao amor real. “Preferível em quase todas as formas, a filosofia do amor maduro é marcada por uma consciência ativa do bem e do mal dentro de cada pessoa, é cheia de temperança, resiste à idealização, é livre de ciúmes, masoquismo ou obsessão, é uma forma de amizade com uma dimensão sexual, é agradável, pacífica e tem reciprocidade (e talvez explique por que a maioria das pessoas que conheceram os extremos mais bravios do desejo recusem à sua falta de dor o título de amor)”, explica Botton.

Mas para chegar nesse estágio de maturidade, é preciso encontrar primeiro o amor-próprio. Gosto muito de uma frase que circula na internet creditada a Oscar Wilde (não tenho certeza se é mesmo dele): “Amar a si mesmo é o começo de um romance para toda a vida”. Esse é o amor que eu quero celebrar nesse dia 12, transformando a data comercial numa exaltação desse sentimento que consegui alcançar depois de muitos anos de pouca valorização: a pessoa mais importante da minha vida sou eu mesma. Isso não é egoísmo. É orgulho da mulher que hoje reconheço em mim.

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