20 anos depois

O dia em que a GM escolheu Gravataí

Inauguração da GM Gravataí, em 20 de julho de 2000

Duas décadas depois, o Seguinte: recordará a escolha de Gravataí pela GM e seus efeitos. No artigo de hoje, o dia do sim

 

Na primeira vez em que viajou de avião, além de mãos suadas pela turbulência em uma manhã de temporal, o anônimo Luiz trouxe na bagagem uma confirmação que mudaria a história de sua aldeia.

A GM era de Gravataí.

Arriscando uma cassação cinco meses após ter sido eleito prefeito em outubro de 1996, Daniel Bordignon usou apenas o nome do meio no bilhete aéreo para deixar a cidade secretamente (sem comunicar a Câmara, como exigia a Lei Orgânica) e ouvir naquela quinta-feira, 13 de março de 97, em São Caetano do Sul, São Paulo, o sim da maior montadora do mundo e à época líder do mercado mundial.

– Era segredo de estado. O governador só anunciaria na segunda, 17 – conta, relatando o telefonema que, às 18h do dia anterior, ele mesmo atendeu em um dos dois únicos celulares da Prefeitura e compartilhou apenas com a esposa, Rosane, a chefe de gabinete Bia Torres, que providenciaria as passagens, e o secretário do Planejamento, Marcelo Lucca, que embarcaria junto.

Do outro lado da linha, Luiz Moan, à época diretor de Relações Institucionais da General Motors e hoje presidente da associação nacional dos fabricantes de veículos automotores (Anfavea), comunicava que Gravataí vencera Guaíba e Eldorado do Sul na disputa pela nova fábrica da multinacional, que ano passado comercializou cerca de 1 milhão de veículos no país e, no auge em 2014, chegou a comercializar mais de 3 milhões de carros.

Apenas três meses eram passados da primeira reunião em que o poderoso secretário do Desenvolvimento e Relações Internacionais Nelson Proença comunicou que a GM queria conversar com o prefeito eleito de Gravataí. Ao sair do Palácio Piratini, Bordignon ouviu Rogério Mendelski ironizar na Gaúcha que era sabido onde a GM não se instalaria: na terra de um barbudo petista.

 

Nada por tudo

 

Do 8 de novembro do ano anterior quando ao desembarcar de Detroit Antônio Britto anunciou o investimento em solo gaúcho, até a manhã do dia 17 quando Bordignon botou o boné e subiu numa caminhonete da grife automotiva ao lado do governador para visitar a área de figueiras na parada 100, forças políticas e empresariais de Gravataí, como Albrecht Schott e Flávio Sabbadini, Acigra e Sindilojas, se movimentaram. Mas é notório que pesaram muito mais decisões estratégicas da direção mundial da montadora do que vantagens oferecidas pelos três municípios concorrentes, com a crise que se arrastava desde os anos 80, um mais esgualepado que o outro.

Na última barganha dos norte-americanos, Gravataí ofereceu 30 anos de isenção de IPTU, cinco a mais que Eldorado. Até aquele ano, pré-Plano Diretor, o imposto era o ITR, por ser uma área rural, e não custava mais de R$ 1 por hectare. A cada ano, pouco mais de R$ 50 mil eram arrecadados. Isentou também o ISSQN da obra, que não chegou a R$ 100 mil. Além de batizar de Avenida GM o acesso ao complexo automotivo que inauguraria em 19 de julho de 2000.

– Fomos ágeis e não brigamos para chamar Avenida Che Guevara, por exemplo – brinca Bordignon, lembrando a aprovação dos projetos pela Câmara em um domingo de janeiro, em convocação extraordinária durante o recesso parlamentar.

Dos 21 vereadores, apenas um votou contra, o comunista Neio Lúcio Pereira.

Problemas no solo em Eldorado e Guaíba (até então apresentadas pela mídia como as preferidas do governador por representarem símbolos de recuperação da metade sul prometida na campanha de 94) aceleraram a escolha por Gravataí e sua localização de excelência, com duas RSs, a 118 e a 030, e uma BR, a 290.

– A participação do ministro dos transportes Eliseu Padilha foi fundamental para a construção do trevo de acesso a 290, exigência da empresa – acrescenta Edir Oliveira (PTB), que se despedia do mandato de prefeito em 96, e conta ter ido ao aeroporto pedir ao governador para incluir Gravataí na lista de cidades para instalação da montadora.

– O Lasier Martins cobria a chegada do Britto no Salgado Filho e perguntou o que eu fazia lá. Quando expliquei, ele riu no ar – diverte-se o ex-prefeito, que depois como secretário da Região Metropolitana tinha como uma das principais tarefas acompanhar a instalação da montadora.

 

O pai da GM

 

Aldeia à parte, se há digitais de Bordignon e Edir na GM Gravataí, não é preciso teste de DNA para apontar como o grande ‘paizão’ da montadora no Rio Grande do Sul Antônio Britto e seus polpudos incentivos, ainda mais turbinados por, um ano antes, o governador ter perdido a Renault numa verdadeira guerra fiscal com o Paraná.

As estimativas da mídia à época eram de que o contrato, até hoje aplaudido por muitos e contestado por tantos, chegaria a um investimento de 600 milhões de dólares. Contrário ao negócio, estudo da bancada do PT aponta perdas três vezes maiores para os cofres do Estado, além dos empregos não chegarem à metade dos 100 mil estimados em 97.

– Incontestável que para Gravataí foi um grande negócio – resume Bordignon, que à época, ameaçado até de expulsão, virou o malvado favorito no partido e nas esquerdas gaudérias.

Para efeitos de comparação, sem falar nos R$ 300 milhões que, mesmo em crise, a GM direcionou para o Orçamento de Gravataí ano passado, dos empregos gerados até 2016, mais de 8 mil foram registrados em Gravataí.

– Meu raciocínio era simples: fui eleito para defender os interesses da cidade. Os deputados é que tinham que pensar no Estado. Acredito que estive à altura do momento histórico para Gravataí – recorda Bordignon, que em 2011, aí como deputado estadual, apresentou ao lado da bancada emenda, não aprovada, prevendo que os novos incentivos concedidos por Yeda Crusius (PSDB) previssem juros e correção monetária.

No mesmo plenário, Marco Alba (PMDB), hoje prefeito reeleito de Gravataí, articulava em nome da governadora a aprovação das isenções para ampliação da montadora, que transformou Gravataí no maior PIB industrial do RS.

 

O caminho do dinheiro

 

Mas a principal peça para a GM – e logo depois a Ford – negociar com o RS foi a criação do Mercosul em 95, um sedutor mercado de mais de 40 milhões de consumidores, principalmente argentinos e seus austrais que valiam dólares.

Para a GM, era mais rentável à época, ao invés de ampliar a unidade de São Caetano, instalar uma fábrica em Gravataí e reduzir em mais de mil quilômetros a distância com esse mercado.

O pinote da Ford para a Bahia em 99 – mais do que trancaços do governo Olívio Dutra ou o incentivo bilionário aprovado de madrugava em uma mudança do regime automotivo sintonizada entre o presidente do Congresso Antônio Carlos Magalhães e o presidente da República Fernando Henrique Cardoso – tem como componente a Argentina quebrada, em moratória da dívida e com uma explosão no câmbio.

 

Estacionados no tempo

 

Consenso entre qualquer aldeano que viveu a época é que, antes da GM, Gravataí estacionara como um dos patinhos feios da Região Metropolitana. Além de ter perdido em 66 sua área urbana mais desenvolvida com a emancipação de Cachoeirinha, foi o último entre os municípios médios a se industrializar. A primeira grande fábrica, a Trafo, se instalou apenas em 58 e o parque industrial só ganhou corpo em 74, com a gigante Pirelli, além de um distrito com empresas como Dana, Wotan, Panatlântica e Carlos Becker.

Um símbolo de como a aldeia dos anjos virava roda é que, enquanto lojas de departamento existiam nos Estados Unidos desde 1860, a aldeia teve seu primeiro super somente em 70: o Dom Bosco, no Centro, de propriedade de Darci Fonseca. Quando o primeiro executivo da GM entrou pela 59, Gravataí tinha apenas cinco prédios com mais de quatro andares.

Só um com elevador.

O que não parava de acelerar era a explosão populacional: 30 mil habitantes em 70, 106 mil em 80 e 200 mil em 90. Para fazer frente a isso, o Orçamento no 96 pré-GM não passava de R$ 33 milhões. Irmãos mais bem sucedidos, Novo Hamburgo e São Leopoldo arrecadavam o dobro.

Imaginando que a GM tivesse dito não a Gravataí, os R$ 33 milhões corresponderiam hoje a R$ 290 milhões. Ano passado, dos R$ 592 milhões arrecadados pela Prefeitura, um orçamento desse tamanho corresponderia apenas ao que tem origem na GM.

– Não chegamos ao milhão de habitantes que muitos projetavam, comparando com Betim, que é diferente por ser o anteparo do Nordeste. O Rio Grande do Sul despenca do mapa e Gravataí tem fácil acesso para quem mora em outras cidades da região e trabalha na GM – analisa Bordignon, trocando o chip do político para o professor de história e geografia que domina êxodo e expansão demográfica.

Pela projeção do IBGE sobre o censo de 2010, Gravataí chegou no ano passado aos 273 mil habitantes.

– Ainda somos gmdependentes. O setor de serviços avançou, mas nosso comércio ainda é fraco. Basta ver o que aconteceu com o Shopping Gravataí – observa, 20 anos depois.

 

Gravataí, terra da GM

 

Mas um dos fenômenos que o prefeito que ouviu o sim da GM considera mais marcante, foi o fim dos movimentos emancipacionistas que agitaram os anos 80 e 90. No Parque dos Anjos, por exemplo, a vitória foi esmagadora, e a separação só não ocorreu pela participação mínima não ter sido atingida. Costa do Ipiranga e Morungava também viveram situações semelhantes. Nas Moradas do Vale, a população chegava a trabalhar com duas opções: ou emancipar ou anexar a Cachoerinha.

– Além de contribuir com metade da arrecadação e ajudar a atrair outros negócios, a GM ajudou a melhorar a auto-estima da gente. Muitos que diziam “eu moro perto de Porto Alegre”, passaram a se orgulhar de dizer que moravam na terra da GM. Viramos uma Gravataí só.

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