RAFAEL MARTINELLI

O eleitor de Gravataí ainda pode pedir a seu deputado isenção do IR; sem taxar os mais ricos, é Robin Hood às avessas

O eleitor de Gravataí ainda pode mandar mensagem ao seu deputado federal para garantir até um salário a mais por ano para 10 milhões de pessoas beneficiadas pela proposta de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil. Como não há brioche de graça, a conta precisa ser paga pelos 141 mil mais ricos.

É inacreditável a votação de hoje ser uma ‘escolha difícil’.

É dinheiro que deixa de sair do bolso de quem já sente o peso da inflação e dos juros altos. Mas não há benefício social que se sustente no vazio. Se a isenção não vier acompanhada da taxação dos mais ricos, quem paga a conta não são os bilionários e milionários, mas sim a saúde, a educação e as políticas sociais.

Emendas tentam desfigurar o projeto. E elas não são poucas: algumas transferem a fatura para cortes orçamentários nas áreas sociais, outras aliviam lucros e dividendos. Tudo para preservar a Casa Grande & Senzala que historicamente concentra a riqueza no Brasil.

A ‘ideologia dos números’ é simples.

O governo estimou em R$ 25 bilhões o custo da isenção. Esse valor pode e deve ser coberto com a tributação progressiva sobre quem ganha mais de R$ 600 mil por ano — pouco mais de 141 mil pessoas no país, que hoje pagam proporcionalmente quase nada.

Perceberam? São 10 milhões x 141 mil. É reducionismo tratar como ‘nós contra eles’. São TODOS, praticamente. Ou há sentido em cobrar até 27,5% de assalariados enquanto lucros e dividendos pagam, em média, 2,5%?

Não é uma guerra de narrativas, é uma “conta de padaria”, como diz meu amigo jornalista Rodrigo Becker.

Se os mais ricos não entrarem no jogo, a conta não fecha. E se a conta não fecha, o benefício vira um Robin Hood às avessas: pode até ser aprovado hoje, mas se transformará em corte de serviços básicos amanhã.

O que o eleitor precisa entender — e cobrar do seu deputado — é que apoiar a isenção sem a taxação justa é como trocar um alívio imediato por um rombo futuro.

Há quem defenda que “todos pagam muito imposto”.

O discurso pega bem nas redes antissociais, repletas de vassalos (e alguns poucos capitães do mato) de bilionários, mas esconde principal: quem paga mesmo é o trabalhador assalariado, o pequeno empresário, o servidor.

Os donos de fortunas sempre encontraram caminhos para escapar.

A proposta atual não é perfeita, mas representa uma rara oportunidade de inverter a lógica, colocando o peso onde ele pode estar: no topo da pirâmide — ridículos 0,13% dos contribuintes.

A ‘escolha difícil’ dos deputados e depois dos senadores é, de um lado, a responsabilidade fiscal aliada à justiça social: isentar a base e cobrar mais de quem pode mais; de outro, a manutenção dos privilégios históricos, em nome de um falso equilíbrio que nada mais é do que proteger o zero depois da vírgula do andar de cima.

Ao fim, o eleitor de Gravataí — que em seu conjunto, por opção, na eleição de 2022 não elegeu nenhum representante morador da cidade para cobrar na fila do super — tem a chance de agir hoje. Mandar mensagem, cobrar posição, exigir voto.

Se o Congresso aprovar a isenção sem taxar os ricos, terá escolhido preservar os bilionários e sacrificar serviços que sustentam milhões. Se aprovar com as compensações, terá dado um passo histórico para reduzir a desigualdade. Limparia um pouco a imagem de Congresso de bandidos. É disso que se trata — e este artigo, enquanto os candidatos locais em 2026 agora silenciam, só vale para quem lembra em quem votou.

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