MOISÉS MENDES

O inverno de 2013, os silêncios e o sumiço das samambaias

Daqui a alguns dias, o junho de 2013 pode ser denunciado pelo desaparecimento das samambaias das casas dos brasileiros de esquerda. Tudo agora é culpa de 2013.

Tem analista daquele inverno indo à Grécia antiga para tentar explicar as sequelas do avanço da retórica e das ações antipolítica e antissistema.

Quase todos os nossos desalentos e as nossas derrotas cabem dentro da perspectiva aberta por 2013.

Mas isso acontece invariavelmente sob o ponto de vista de quem não vestiu luvas e toucas de lã e foi às ruas naquele inverno.

Quem esteve lá não fala muito. O resguardo de protagonistas e de figurantes é uma das heranças daquele junho iniciado em Porto Alegre.

Escuta-se ao longe o silêncio dos que poderiam estar refletindo sobre o que aconteceu a partir de 2013 e nos empurrou para o buraco de onde Lula e Alexandre de Moraes tentam nos tirar.

Alguns imersos naquele inverno são ouvidos e dizem o que trazem até hoje do que fizeram 20 anos atrás. Mas só falam quando provocados.

Onde está o texto exemplar, com alguma profundidade, escrito por um personagem daqueles tempos?

Como estamos na era das explicações, vamos tentar algumas. O constrangimento dos que estiveram lá e preferem ouvir hoje as vozes dos que não estavam também é parte da compreensão do que sobrou.

A guerra ao sistema, a inquietação com a incapacidade de avanço do poder de esquerda, a depreciação da representação política clássica e dos mandatos, tudo se voltou contra os que pretendiam forçar avanços.

Era um tempo de questionamentos sobre o esgotamento do PT, a desconfiança com Dilma e as vaciladas dos governos estaduais e das prefeituras progressistas.

Tarso Genro governava do Rio Grande do Sul, onde tudo começou. Fernando Haddad era o prefeito de São Paulo, por onde o junho se alastrou.

Tarso chegou a ver uma feição fascista na ala mais radical daquela movimentação, e talvez não se referisse apenas aos que tinham participação marginal e de forma genérica eram identificados como black blocs.

Era o que ele via lá no momento. Interessa ter o retrato do que enxergou em 2013, mesmo que hoje pense diferente.

Mas o junho da gurizada de 2013 foi sequestrado pela velharada de classe média e teve um desfecho que todo mundo experimentou.

A desqualificação da política não nos deu só Bolsonaro. Nos ofereceu Kim Kataguiri e Daniel Silveira, fortaleceu os Valdemares Costa Neto, em 2022 elegeu militares como nunca antes e criou o novo cangaço do Congresso comandado por Arthur Lira Lampião.

Os guris do junho de 2013 ficaram sem palco, sem voz e sem nada. A representação e os mandatos foram tomados pela renovação da direita engolida pela extrema direita.

O Congresso mais fascista de todos os tempos é o Everest de 2013. E as esquerdas não têm um nome, um só, de expressão que possa ser percebido hoje como cria daquele inverno.

É enganoso e desonesto citar Guilherme Boulos como filho legítimo de 2013, assim como é raso ver aquele junho como o ninho do identitarismo.

O certo é que a esquerda envelheceu, enquanto Globo, Bolsonaro e um balaio com muitas faces assumiam a pregação da antipolítica.

Por isso os que estiverem dentro daquele inverno, sem necessariamente andar de braços dados com pretensos anarquistas, não refletem em voz alta sobre o que aconteceu e o que sobrou daquilo tudo.

A desqualificação da política qualificou o fascismo. Os mandatos são deles. O Lula ressuscitado é um milagre facilmente explicável por sua excepcionalidade.

A extrema direita sobrevive e continua ameaçando que ficará mais forte na eleição municipal do ano que vem.

As cinco grandes concentrações e caminhadas pós-Bolsonaro, em meio à pandemia, que chegaram a sugerir que iriam derrubá-lo, foram comoventes na época. Hoje é possível dizer que só mantiveram a resistência acordada.

O inverno de 2013, que muitos só conseguem entender se forem a Atenas, nos desafia ainda hoje na vidinha de Ribeirão Preto, Bagé e Barbacena.

O junho de 2013 pode não ser responsável pela extinção das samambaias, mas foi lá que começou a montagem do cenário que temos hoje.

Não é um julgamento. É uma realidade incômoda, que cala muitos dos que poderiam estar falando.

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