O Seguinte:/Diário de Viamão publica a segunda de uma série de cinco reportagens que faz uma radiografia do cenário político viamonense após as eleições de outubro. A reportagem ouviu lideranças políticas de situação e de oposição, analisou os principais fatos e mostra como as urnas reposicionaram novas e antigas lideranças; quem avançou, quem retrocedeu e quem está fora do jogo.
Leia aqui a primeira reportagem: A nova Câmara de Viamão: um balanço sobre as forças políticas no legislativo e as tendências para os quatro anos.
A analogia de caracterizar os movimentos da política como um jogo de xadrez não é nova, nem inédita. Porém, ela ainda serve como uma ilustração de como as peças se movimentam conforme as estratégias.
Nas eleições de outubro, o principal personagem desse jogo – o eleitor – também fez seus movimentos e ajudou a fazer algumas peças avançarem, enquanto outras foram praticamente retiradas do tabuleiro.
Quem avançou?
Rafael Bortoletti – Engana-se (e muito) quem pensa que o prefeito eleito é um “poste” do deputado Professor Bonatto. Bortoletti não ganhou apenas a eleição, mas também uma disputa interna contra o atual mandatário Nilton Magalhães, além de superar a desconfiança do próprio Bonatto em sua capacidade eleitoral e articulação. Para isso, Rafael traçou – e cumpriu – uma estratégia arrojada de comunicação e de política.
Nas redes sociais e no contato direto com o eleitor, mostrou-se como uma alternativa segura de mudança, se descolando dos problemas atuais da gestão e do inevitável desgaste após 12 anos da primeira vitória do PSDB em Viamão. No jogo da política, soube fazer a leitura do potencial dos candidatos a vereador e suas apostas confirmaram a expectativa nas urnas, bem como seus principais detratores sofreram duras derrotas.
Visto até então como “explosivo”, Bortoletti conseguiu navegar em águas agitadas, agregando companheiros fiéis e sem perder o apoio da maior liderança política de Viamão dos últimos 20 anos, Bonatto, mas deixando claro que não será a Dilma da vez.
PDT – Fazer oposição a um governo que terá 16 das 21 cadeiras na Câmara e impôs uma vitória maiúscula, não será uma tarefa fácil. Neste cenário, o PDT se consolida como o maior partido de uma pequena oposição, herdando um posto que tradicionalmente era do PT. Embora tenha conquistado o mesmo número de cadeiras de 2020, duas, o partido praticamente dobrou sua votação e contou com o encolhimento do PT e do MDB, além do sumiço de PSOL e PSB. Alexandre Godoy e Eda mantiveram o controle do partido, acolheram Guto Lopes e, com ele, uma nominata mais encorpada. Se mantiverem o ritmo, poderão se firmar como a voz da oposição e, mais uma vez, ter a cabeça da majoritária em 2028.
Maninho Fauri – Terceiro colocado na eleição de 2020, mas com votação próxima a Bonatto e Guto, o ex-vereador Maninho Fauri entrou para o governo ainda em 2021, de forma discreta. Seus críticos apostavam que a máquina tucana engoliria Maninho, relegando a ele no máximo uma candidatura para vereador. Perderam a aposta.
Maninho se firmou como um parceiro estratégico de Bortoletti, abrindo portas e apresentando o candidato menos conhecido da dupla. Experiente no Legislativo, passou por “estágios” em secretarias, na busca de mais conhecimento do Executivo e conquistou a vaga na majoritária.
Uma corrente do PSDB, mais próxima de Bortoletti já defende o nome de Maninho como candidato a deputado estadual em 2026, no lugar do já anunciado Nilton Magalhães. Ainda não passa de especulação, mas em se tratando de um campeão de votos, não se pode duvidar da sua força.
Quem ficou parado?
Professor Bonatto – Se o “ficar parado” é positivo ou negativo, o leitor poderá tirar suas conclusões. Porém, o que ninguém do “mundo político” tem dúvida é que Bonatto demorou demais para entrar na campanha de Rafael Bortoletti. Um fato, no mínimo, inusitado em se tratando de um candidato “criado” por ele, politicamente falando.
Um dos motivos dessa demora também não é segredo para ninguém que circula na Praça da Borracheira: Bonatto hesitou, até mesmo depois da convenção do PSDB, entre uma candidatura mais conservadora, com Nilton Magalhães, e uma aposta na renovação do projeto com Bortoletti.
Enquanto buscava sinais e ouvia o coro dos “pró-Nilton”, o deputado deixou seu pupilo pegar velocidade e estabelecer mais alianças além daquelas que já tinha consolidado ao longo de quatro anos. Rafael soube acolher uma grande parcela descontente com Bonatto (seja pela interferência na troca de secretários, seja pela aparição do filho-candidato de última hora). Quando resolveu entrar na corrida eleitoral, Rafael já tinha percorrido uma grande distância sozinho e o deputado teve que correr pra chegar junto.
Ninguém, nem mesmo Bortoletti, nega a importância e o peso político do apoio maior político viamonense dos últimos 20 anos e muita gente ainda credita a larga vantagem de votos na conta de Bonatto. Para estes, Bonatto saiu maior, elegendo sua “cria”. Para outros, a diferença de votos já havia se consolidado antes de Bonatto aparecer e a votação para vereadores revelou o real tamanho de Bortoletti.
Quem retrocedeu?
Guto Lopes – É possível que 34.015 seja menor que 23.637? Na matemática da política, sim. O candidato pedetista fez 11 mil votos a mais e, para muitos, sai menor do que entrou na campanha. A curiosa conta está na diferença de votos. Em 2020, Guto aproveitou um momento raro de uma eleição fragmentada. O centro-direita esteve representado por quatro candidaturas (Bonatto, Maninho, Nadim e Martim), resultado da implosão do governo André Pacheco.
A tese de que Bonatto venceu por apenas 320 votos mais pela divisão dos votos e pela incapacidade de reagir às pancadas, do que pela força da dupla Guto/Adão, já se mostrou coerente em 2022, quando o ex-prefeito saiu de Viamão já eleito como deputado, enquanto Guto fez pouco mais de 8 mil para federal e, Adão, cerca de 6 mil para estadual. E foi comprovada em 2024.
A militância comentarista de Facebook debita a goleada sofrida para Bortoletti na conta do PT, que insistiu na candidatura própria. Alguém acredita que a diferença de 16 mil votos seria eliminada se Fátima Maria fosse vice de Guto? Isso ainda vai ser pauta nas mesas de bar por muito tempo, mas o fato é que a empolgação de 2020 virou frustração em 2024, pois mesmo contra um candidato principiante que foi sutilmente “boicotado” pelo seu próprio governo, Guto não decolou.
Nilton Magalhães – É normal um prefeito que tem um candidato do seu próprio partido, que era seu secretário até poucos meses, apareça em apenas UM ato de campanha e não faça NENHUMA postagem de apoio ao seu possível sucessor? Pois foi exatamente o que aconteceu com Nilton Magalhães e Rafael Bortoletti e o DV foi buscar as razões desse afastamento.
Quando Bortoletti se desincompatibilizou para concorrer a prefeito, o caminho do gabinete ficou aberto para conversas que, até então, eram feitas longe dali. Aqueles que não queriam Rafael como candidato se sentiram à vontade para incentivar o prefeito a tentar a reeleição e encontraram um Nilton disposto a entrar no páreo. A tropa de choque do prefeito tinha vereadores (André Gutierres, Keno, Armando, entre outros mais discretos) e ex-vereadores (Francinei Bonatto, Canelinha), que na tribuna da Câmara, nas páginas de fofocas e nos corredores da política, semeavam a ideia de que Rafael não tinha condição de ganhar a eleição.
Esse ambiente agitado foi ganhando força na medida em que a pré-campanha se aproximava e nada do PSDB e Bonatto lançarem Rafael. Parecia que a tese da tropa do prefeito fazia sentido. Porém, Rafael se “auto-lançou”, a campanha chegou e Nilton não emplacou. A partir daí, cada um pegou seu destino e Nilton cruzou os braços. Se é verdade que participou da convenção e da recepção ao governador Eduardo Leite no 20 de setembro, também é verdade que seu governo deixou de entregar serviços justamente no período em que o seu candidato estava sendo avaliado. Falta de lâmpadas, buracos por toda a parte e lixo espalhado, foram o cenário da campanha nas ruas,
No fim das contas, Rafael ganhou, a tropa de choque de Nilton perdeu e o prefeito que poderia estar capitalizando uma transição festiva, está saindo de cena sem qualquer relação com o prefeito eleito. O futuro político de Nilton é uma grande interrogação.
PT – Já trouxemos os números na primeira parte dessa série (você lê aqui): desde 1988 o PT não elegia menos do que dois vereadores. E mais, o PT nunca havia ficado em último lugar numa eleição para prefeito em Viamão. O diagnóstico não difere muito do que foi visto em outras cidades do RS: falta de renovação de lideranças (Alex e Ridi ainda são os líderes e mais votados) e distanciamento das bases (a campanha de Fátima foi essencialmente de pautas identitárias). Aqui em Viamão, soma-se a isso a perda de muitos militantes e candidatos levados pela esperança de vencer com Guto no PDT. Vinte e oito anos depois de ganhar sua primeira eleição para prefeito, é sintomático que o eleito da época, Ridi, esteja disputando vaga de vereador. O PT envelheceu.
MDB – Não bastasse o encolhimento nas urnas, elegendo apenas um vereador (recém-chegado no partido), o MDB ainda corre o grande risco de perder essa única cadeira. Mesmo que recorra ao TRE e ao TSE, são grande as chances de confirmação da sentença que anulou sua votação no caso da “candidata que não sabia” (leia aqui). O que era ruim, pode ficar ainda pior. Assim como o PT, o partido vem, eleição após eleição, perdendo protagonismo e, mesmo atraindo nomes como Roni Bela, Eraldo e Nadim, não foi capaz de mostrar força.
Hoje, quem está fora do tabuleiro?
Um fato possivelmente inédito na disputa da Câmara Municipal: dos quatro presidentes da legislatura 2021-2024, nada menos do que três não conseguiram a reeleição. Esse fato, isoladamente, não seria suficiente para retirar essas peças do tabuleiro, mas o contexto aponta que, no mínimo, estarão olhando o jogo no banco de reservas à espera de uma oportunidade.
André Gutierres (PP) – Sonhava em ser o vice de Nilton Magalhães e, para abrir mão, cobrou o preço político na moeda usual: cargos. Recebeu o prometido mas, mesmo assim, fez campanha aberta contra Bortoletti. Embora continue presidente do partido, não tem controle sobre os dois vereadores eleitos e, sem qualquer relação com o prefeito eleito, deve buscar amparo fora de Viamão.
Igor Bernardes (PL) – Enquanto líder do governo e presidente da Câmara, sempre foi um fiel defensor do governo, com discurso alinhado e qualificado. Chegou a ser cogitado até mesmo para ser candidato a prefeito. Fez um campanha notadamente discreta para a majoritária e perdeu a vaga do PL para Jonas Rodrigues. Distante de Bortoletti, tem um futuro incerto.
Armando Azambuja – Um dos decanos da Câmara, mirava o sétimo mandato mas ficou apenas na terceira suplência. Tem uma relação conturbada com Bortoletti e não foi chamado para nenhuma secretaria. Funcionário de carreira do Grupo Hospitalar Conceição, é outro que não tem futuro político definido.