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OPINIÃO | Mais uma chacina no nosso Vietnã

No seu twitter, o secretário Cézar Schirmer se manifestou após a chacina

Tiros na cabeça. Sete vítimas e mais um bebê em formação no ventre de uma das mortas que, aos oito meses de gestação, não resistiu. O cenário do crime da noite de quinta, no bairro Passo das Pedras, zona norte de Porto Alegre, foi um casebre conhecido na vizinhança por agrupar usuários de drogas. Entre os mortos já identificados, um perfil em comum: todos tinham antecedentes por crimes como furtos e posse de drogas. Tornaram-se alvos da fábrica de mortes que há alguns anos transformou a Região Metropolina no nosso Vietnã.

Na sua conta no twitter, o secretário da segurança pública Cézar Schirmer, garante: "aparato da segurança pública mobilizado na caça por estes criminosos". É positivo o posicionamento firme de quem responde pela segurança, mas referir à investigação, que requer inteligência, muito mais do que força policial, como "caça" me faz pensar para que lado estamos atirando? 

A referência ao Vietnã não é força de expressão. Quando o poder público encara como caçada o que deveria ser cirúrgico, age como tropas norte-americanas em território vietnamita. Eles atiravam para contabilizar tantos mortos que não pudessem ser repostos pelo inimigo. Os efeitos colaterais disso são incontroláveis, porque fabricam muito mais inimigos. No nosso caso, reforçam as facções criminosas. 

 

: Errar o alvo, ou a medida, da caçada só multiplica o tamanho do problema

Ainda no seu twitter, Schirmer refletiu: "enquanto houver consumo, haverá a indústria bilionária do tráfico", e completa: "são episódios como o da noite passada que nos deixam a certeza de que a legislação deve ser endurecida a criminosos de alta periculosidade".

De fato, crimes com maior potencial de periculosidade precisam ter punições mais rigorosas, mas este não é o perfil predominante nas superlotadas cadeias gaúchas. O que se vê, como regra, é o aumento do aparato repressivo na ponta da cadeia, que, assim como no caso dos vietcongues, era reposta imediatamente, na maioria das vezes, pela imperícia de quem os atacava.

 

O "não dá nada" que o estado cria

 

Os primeiros relatos policiais dão conta de que as vítimas desta chacina eram usuários — inclusive a gestante —, que vendiam umas petecas para manter o vício. Uma das linhas de investigação considera a possibilidade de que o ponto desagradava aos patrões da área pela "concorrência". Tiros na cabeça das vítimas teriam servido como demonstração de poder para amedrontar quem mais queira ganhar no tráfico fora das mãos do comando.

É interessante avaliar o que poderia acontecer se quem chegasse ao casebre fosse a Brigada Militar, e não os atiradores. Todos seriam presos, provavelmente, com pequenas quantidades de drogas. Cairiam no sistema, onde seriam reincidentes, e reforçariam o exército das facções de trás das grades para a volta às ruas. Não é errado prendê-los, mas desta forma, só é reforçada a ideia de que "não dá nada".

 

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O ideal é que o estado, ao perceber a degradação provocada pelo tráfico, invista cada vez mais em investigação, em inteligência. A prisão dos petequeiros precisa gerar consequência, sempre, com apurações que cheguem ao topo da escala deste mercado. Sabe-se que aqueles usuários que traficam não trouxeram a droga de fora do Brasil. Quem os abasteceu? Raramente isso é descoberto. E, como a guerra do Vietnã ensinou, quando se ataca o inimigo errado, ou se erra na estratégia para atacar o inimigo, a tendência é multiplicar o problema.

Mesmo depois de investigações como as que levaram à retirada do Rio Grande do Sul dos principais líderes de facções, a avaliação dos especialistas é de que as mortes freiam. Ninguém consegue arriscar-se a dizer, porém, se o resultado é permanente. Porque chegar ao topo da escala do crime anda é exceção.

 

Mais inteligência, menos napalm

 

A chacina da noite de quinta é a maior de Porto Alegre no século, e acontece dias depois da maior do século em toda a Região Metropolitana, que deixou oito vítimas em Viamão. Poderia ter acontecido o mesmo na Morada do Vale, em Gravataí, ano passado, quando atiradores disparam contra uma festa na rua. Poderia acontecer em qualquer lugar. E não cabe nem mais o subterfúgio de que "estão se matando entre eles". Uma chacina no Passo das Pedras é como uma bomba de alto impacto. Mata quem está no alvo, mas desloca o ar e leva medo a toda uma população que não tinha, até aquele momento, relação com a pendenga criminosa.

É bom o secretário ter o discernimento de que não adianta lançar napalm sobre o vilarejo e aumentar mais ainda o estrago, como em uma caçada. Nem pensar que há forma de acabar com o usuário. Mudar a forma de encarar as drogas e dar fim, de vez, à guerra ao tráfico como tem sido feito no Brasil seria um bom começo.

Isso leva tempo, então, depois da 15ª chacina na Região Metropolitana em 2018, secretário, o melhor é dar respaldo e investir cada vez mais em inteligência e investigação qualificada. O Departamento de Homicídios da Polícia Civil, quando bem estruturado, já deu mostras de que acerta na dose e no alvo.

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