Guardadas as proporções, são impressionantes as semelhanças políticas entre o que aconteceu, ou acontece, com Rita Sanco e Daniel Bordignon, Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva.
A Rita impichada da Prefeitura em 2011 lembra Dilma. Mulher, petista, eleita em 2008 sob a pecha de ‘poste’ da maior liderança da esquerda na aldeia e, entre os que viveram os bastidores da época, avessa às relações da política tradicional com os parlamentares – no caso seus algozes vereadores.
Caiu numa espécie de ‘golpe parlamentar’, aplicado cirurgicamente alguns meses após a lei eleitoral permitir apenas uma eleição indireta, dentro da Câmara. A justificativa da cassação, por 10 votos a quatro? Renegociar mal uma dívida com o Banrisul. Algo tão draconiano e, ao senso comum, intraduzível quanto a ‘pedalada’ que tirou Dilma do poder. Em nove das 11 denúncias, não foi processada pelo Ministério Público. Nas duas que geraram processo, restou inocentada.
Uma ação da defesa da prefeita deposta, movida à época pedindo a volta ao cargo, está em fase de recurso, descansando no Tribunal de Justiça após 12 negativas de liminares e duas sentenças onde o judiciário argumenta não ter o condão de interferir numa decisão de câmara de vereadores – que cumpriu os ritos legais previstos em um ressuscitado decreto de 1967, período da ditadura envergonhada do presidente Castello Branco.
Agora, às avessas, é o caso de Lula a lembrar do debate jurídico sobre elegibilidade enfrentado por Daniel Bordignon, também um líder popular da esquerda, apesar de hoje ex-petista. Condenados, um já ‘pediu música no Fantástico’ em impugnações. Outro começa um calvário que pode levar à mesma cruz.
Talvez poucos tenham percebido, mas o caminho de Lula para tentar uma eleição à Presidência da República em 2018 passa pelos mesmos artifícios tentados em 2016 pelo, como ele, ‘Grande Eleitor’ de Gravataí.
Apesar do caso mais grave, penal, que envolve corrupção passiva, o conseqüente enriquecimento ilícito e uma pena de prisão de nove anos e meio, o que passou longe da sentença cível do ex-prefeito (e que o livrou da ‘lei ficha limpa’), o ex-presidente ainda pode ter uma sobrevida eleitoral maior, já que às vésperas de uma eleição apresenta recursos a uma decisão de primeiro grau, enquanto Bordignon agarrou-se a apelações a uma condenação já em segunda instância.
Na ‘eleição que não terminou’ no ano passado, o ex-prefeito conseguiu registrar a candidatura na Justiça Eleitoral de Gravataí enquanto recorria em Brasília, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), de uma condenação no Tribunal de Justiça (TJ) gaúcho por improbidade administrativa na contratação de mais de 1000 contratos emergenciais durante seus governos.
O Ministério Público e as candidaturas de Marco Alba (PMDB) e Anabel Lorenzi (PSB) recorreram e Bordignon perdeu por unanimidade no Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Sua defesa recorreu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que liberou a candidatura e, sete horas depois, reformou a decisão após o STJ condená-lo, retroativamente à data de registro, a cinco anos de suspensão dos direitos políticos.
Foi isso, a impossibilidade de assumir o mandato, e não o enquadramento na ‘ficha suja’, o que levou à anulação da eleição vencida pelo ex-prefeito e à realização do novo pleito, em março de 2017, quando Marco Alba foi reeleito.
Pois os mesmos Embargos de Declaração e, depois, Embargos Infringentes, entre 2015 e 2016 apresentados pela defesa de Bordignon, parecem ser a estratégia de Lula, já em curso desde sexta-feira, para fazer o primeiro enfrentamento à sentença dada pelo juiz federal Sérgio Moro dois dias antes.
Se não for suficiente para evitar, isso pode adiar uma eventual condenação pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com sede em Porto Alegre. Sem a confirmação do órgão colegiado à sentença de Moro, Lula não poderá ser impugnado pela lei da ficha limpa – onde se enquadra pela tipificação de corrupção em sua pena. Isso lhe garantiria a possibilidade de registro da candidatura entre 20 de julho e 15 de agosto do ano que vem.
‘Data venia’, Lula concorreria da mesma forma que Bordignon, ‘sub judice’, ou seja, sob ameaça de impugnação, caso a decisão do TRF saia durante a eleição e o TSE aceite recursos do Ministério Público Federal ou das candidaturas adversárias, ou então de cassação do diploma, caso seja eleito em 2 de outubro e uma condenação chegue antes da diplomação em 20 de dezembro.
Se não for absolvido no TRF, o ex-presidente só escapa de cumprir a pena caso seja eleito e uma decisão condenatória em segundo grau só saia depois de 2 de janeiro de 2019, quando assumiria a Presidência da República e, conforme a Constituição Federal, teria suspenso o processo.
O Seguinte: tentou ouvir Bordignon, mas ele não quis dar entrevista.