Faz 15 anos, mas lembro bem daquela sexta-feira. 10 de agosto de 2006. Era início de semestre, e eu não podia perder aula. Nem adiantaria faltar, porque a cirurgia do meu pai estava marcada para 13h. Mas eu não conseguia prestar atenção em nenhuma palavra do professor, minha mente já estava no Hospital Dom João Becker, onde o pai era preparado para extrair um tumor do pulmão esquerdo.
Pouco mais de um mês antes, seu Sérgio teve febre e tosse. Fazia uns três dias que havia parado de fumar, após 40 anos de tabagismo, então pensou que fosse uma reação do corpo. Minha mãe insistiu para que ele fosse ao médico. O clínico geral apenas pediu um raio-x, diagnosticou pontada de pneumonia e receitou antibiótico. Mas a mãe, talvez guiada pela fé que sempre teve, achou melhor marcar um pneumologista. O médico, ao olhar o primeiro raio-x, já balançou a cabeça: “Isso não é só pontada…”
Após mais exames, o pneumologista descartou tuberculose e informou sua outra hipótese: câncer. Encaminhou para um amigo cirurgião. E parece que as orações da mãe estavam sendo mesmo ouvidas, porque foi tudo muito rápido, logo estavam diante do cirurgião que já ligou para o hospital e agendou a cirurgia, durante a consulta.
Quando saí da faculdade, comprei um salgado para comer no ônibus. Depois peguei o Direto FreeWay. Cheguei no hospital, o pai já tinha entrado no centro cirúrgico. Até o Pedro, que ia completar 3 meses de vida no dia seguinte, estava na sala de espera. Minha mãe, meu irmão, minha cunhada, tia Elita, todos ali num mesmo pensamento, que tudo corresse bem nas próximas horas.
Já era final de tarde quando o médico saiu do centro cirúrgico e nos chamou na salinha de conversa com familiares. Dava para ver que ele estava exausto. O procedimento foi bem delicado, o pulmão esquerdo estava totalmente comprometido, o tumor obstruía a entrada do órgão, e foi necessário extrair inteiro.
Acho que jamais vou esquecer do médico contando que em quanto ele fazia os cortes necessários para remover o pulmão, o coração do meu pai batia na mão do cirurgião. Lado esquerdo. Um leve movimento errado poderia ser fatal.
Mas a cirurgia foi conduzida por um ótimo profissional e tudo correu muito bem. O pai ainda ficaria três dias na UTI sob observação, e receberia suporte de oxigênio no início, até se adaptar à falta do pulmão. Assim que ele fosse levado da sala de recuperação para a UTI, poderíamos vê-lo rapidamente, uma pessoa por vez.
Logo em seguida, voltamos para a sala de espera e o pai passou na maca, ainda desacordado da anestesia. Com oxigênio e acesso para medicação.
Foi a primeira vez que vi meu pai frágil.
Quando a gente é criança, pensa que o pai é um herói, indestrutível, inabalável. E meu pai não é daqueles caras que parecem que vão morrer com qualquer gripe, não. Ele mesmo faz uma “chapoeirada” e segue a vida. Ou quando se machuca, faz uma “fumentação” de ervas e tenta continuar trabalhando.
Meu pai já dirigiu 3 quilômetros sem as tampas de dois dedos, pingando sangue no carro, depois de um acidente com a máquina de cortar grama. E chegou em casa tranquilo, nem queria ir para o hospital dar ponto, meu irmão quase levou na marra.
Durante os primeiros 25 anos da minha vida, acreditava que nada seria capaz de derrubar meu pai. (Mas no fundo tinha medo que o maldito cigarro acabasse conseguindo.) Sempre foi meu exemplo de fortaleza.
Então quando vi meu pai ali, inerte e precisando de oxigênio, foi como se meu mundo ficasse mais frágil. Se circunstâncias da vida estavam derrubando o cara mais forte, como eu conseguiria enfrentar o mundo? Naquele momento, me senti menor do que eu já sou.
Claro que a mãe foi a primeira a entrar para ver o pai. Depois foram meu irmão e tia Elita. Quando entrei, a anestesia estava passando e o velho quis sentar na cama. Foi um misto de preocupação, tentando contê-lo, e alegria por ver que ele estava bem. Tão tranquilo que nem parecia que tinha passado por uma cirurgia tão grande.
No dia seguinte ele já pôde tirar o oxigênio, porque o pulmão que foi removido estava tão ruim que o pai nem sentiu falta. Saiu da UTI antes do previsto, e teve uma recuperação excelente.
Apesar de ter tirado todo o tumor, o bicho já estava fazendo metástase dentro do pulmão. Então, por segurança, o pai fez quatro ciclos de quimioterapia. O primeiro deu reação alérgica e muito mal estar. Um dia ouvi ele contando para alguém que pensou que não fosse aguentar. Para meu pai dizer isso, é porque realmente foi muito, muito pesado.
Mas ele aguentou. Meu velho é muito forte.
Nesse dia dos pais, comemoramos também os 15 anos do meu pai. Ele mesmo diz que nasceu de novo. Gosta de contar a história toda como se fosse um causo. E o jeito que ele conta faz parecer que não foi tão difícil. Fica até engraçado. Ele mesmo ri.
A gente sorri pela dádiva de termos ele conosco até hoje. E esperamos que por muitos anos ainda!
Mas eu sempre digo que ele teve mais sorte do que juízo, para quem fumou por 40 anos…